Brasil
Massacre no Amazonas faz um mês e mais de 100 presos seguem foragidos
Ao todo, 65 presos foram mortos este ano dentro de cadeias
Nesta quarta-feira (1º) completa um mês da morte de mais de 50 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. A rebelião, que durou 17 horas, resultou no maior massacre do sistema prisional do Amazonas. Além disso, foram registradas oito mortes em outras duas unidades e um total de 225 fugas. O secretário Sérgio Fontes, da Secretaria de Segurança Pública (SSP), diz que a prioridade no momento é a recaptura dos 127 foragidos e esforço no combate ao narcotráfico no estado. "Existem várias coisas que ainda têm que se fazer", afirmou.
Em entrevista ao G1 poucos dias antes do massacre completar um mês, Fontes falou sobre o esforço de capturar foragidos.
"As buscas estão constantes, há o maior controle, tem a Força Nacional, a destinação de efetivo administrativo e alguns efetivos à disposição que voltaram para ajudar no esforço de recaptura. Esses presos que nós estamos procurando são os piores presos do sistema prisional, que são os presos do regime fechado, homicidas, latrocidas, presos com muitos anos a cumprir, então é sempre um esforço difícil", disse.
A primeira movimentação nas cadeias teve início na tarde do dia 1º, no Instituto Penal Antônio Trindade, na BR-174. Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), 87 presos fugiram do presídio.
Ainda no domingo (1º) surgem informações sobre rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, também na BR-174. Durante entrevista coletiva na noite do mesmo dia, o secretário Sérgio Fontes informou que havia mortos e 12 agentes penitenciários reféns. Segundo Fontes, presos foram decapitados e alguns corpos foram lançados para fora do presídio.
Um vídeo obtido pelo Jornal Nacional mostrou a movimentação dos detentos três horas após o início da rebelião no Compaj. Nas imagens, era possível ver presos passando por um buraco feito em um dos muros da unidade prisional.
Cela do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
O motim no Compaj durou mais de 17 horas e, após negociações, os presos libertaram reféns e entregaram as armas por volta das 8h40 (Horário de Manaus) do dia seguinte ao início do massacre, dia 2 de janeiro. Ao todo, 17 armas foram apreendidas e a SSP falava sobre "briga de facções".
Após o fim da rebelião, o secretário Sérgio Fontes, durante coletiva de imprensa, classificou a rebelião como “o maior massacre do sistema prisional do Amazonas”. Fontes confirmou que 56 mortos durante a noite. O secretário afirmou, ainda, que a facção rival Família do Norte (FDN) comandou a rebelião.
Dias depois, três corpos foram encontrados em uma área próxima ao Compaj. Um deles foi identificado como detento da unidade, aumentando para 57 o número de mortos.
Os corpos das vítimas do massacre foram removidos para o Instituto Médico Legal (IML). No entanto, como o local só tem capacidade para 20 corpos, os outros restantes foram comportados em um contêiner alugado pela SSP-AM.
O ex-policial militar Moacir Jorge Pessoa da Costa, mais conhecido como "Moa", foi um dos mais de 50 mortos durante a rebelião. O ex-PM teve envolvimento no caso do ex-deputado Wallace Souza, cassado e preso em outubro de 2009 por suspeita de encomendar mortes para exibi-las na televisão.
Ainda na segunda-feira (2), o ex-secretário Pedro Florêncio, na época titular da Seap, afirmou ter encontrado uma “pilha de corpos” dentro de presídio após a rebelião. Segundo ele, corpos estavam decapitados e queimados.
No mesmo dia, o sistema prisional sofreu novas alterações em duas outras unidades. Na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) quatro homens foram mortos. No Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM), presos realizaram um motim, que foi controlado após reforço da Polícia Militar.
Um dia após o massacre, o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, chegou a Manaus. Na capital, Moraes afirmou que os líderes do massacre seriam encaminhados a presídios federais. O ministro destacou ainda o repasse de R$ 45 milhões para o estado, para investimento em unidades prisionais.
O Governo do Amazonas decidiu isolar os membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) dos outros presos em todos os 11 presídios do estado.
Ao todo, 284 presos foram transferidos para a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, que estava desativada desde outubro de 2016 e foi reaberta para a acomodação de presos ameaçados de morte no Compaj.
No dia 8 de janeiro, no entanto, quatro morreram dentro da cadeia pública durante uma rebelião, três foram decapitados e um, asfixiado.
Alerta sobre riscos
Documentos emitidos pela administradora do presídio onde ocorreu o massacre, a Umanizzare, alertavam para o risco de se permitir visitas no fim do ano aos presos. O governo estadual havia permitido que cada um dos mais de 1,2 mil presos pudesse receber ao menos um acompanhante no Natal e no Ano Novo.
O ex-secretário Pedro Florêncio justificou a autorização de visitas dizendo que se tratava de "humanização". Em entrevista ao G1, o secretário Sérgio Fontes afirmou que não sabia das visitas.
Secretário da SSP Sérgio Fontes (Foto: Ísis Capistrano / G1)
"Eu não sabia da liberação [dos familiares]. Essa não é uma decisão minha, eu não tomo a decisão, mas tomada a decisão, caberia a mim tentar conversar com o colega para saber o que a gente poderia fazer para tentar diminuir os riscos. Eu teria feito isso", contou.
Dias após a matança, o Governo do Estado anunciou a exoneração do então secretário da Seap, Pedro Florêncio. No lugar dele, o tenente-coronel da Polícia Militar, Cleitman Rabelo Coelho, assumiu o cargo.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária informou que desde o dia 13 de janeiro, quando assumiu a pasta, o novo secretário e sua equipe realizaram contagem de presos e revistas nas unidades prisionais. Também houve adequações no acesso a banho de sol e visitas para os internos.
Acidente pavoroso
O presidente Michel Temer se pronunciou sobre o massacre no Compaj no dia 5 de janeiro. Ele se referiu à chacina como um "acidente pavoroso". Dias depois, ele justificou o uso de "acidente": "Sinônimos da palavra 'acidente': tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade", publicou o presidente na rede social.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, esteve em Manaus quatro dias após o massacre e se reuniu com representantes e presidentes de tribunais de Justiça dos estados da Região Norte e também do Maranhão. A ministra afirmou que estaria articulando um censo da população carcerária no país.
Presos improvisam antenas em celas do Compaj (Foto: Jamile Alves/G1 AM)
Denúncias de desvio de conduta resultaram no afastamento do diretor interino do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), José Carvalho da Silva, do cargo. Presos afirmaram em cartas que o diretor ganhou dinheiro para permitir a entrada de armas, drogas e celulares na unidade prisional. Em 10 de dezembro, uma carta assinada por dois presos denunciou um esquema de corrupção na prisão.
Detento denunciou corrupção de diretores do Compaj (Foto: Reprodução)
Ajuda Federal
Após um pedido do Governo do Estado, homens da Força Nacional chegaram a Manaus para dar reforço na segurança nos arredores do Compaj.
No dia seguinte ao afastamento do diretor e à chegada da Força Nacional, 17 detentos, considerados os chefes do massacre no Compaj foram transferidos para presídios federais.
Veja lista de chefes de chacina no AM transferidos para presídios federais
De acordo com o delegado adjunto da Delegacia Geral do Amazonas, Ivo Martins, 12 foram levados para Campo Grande e cinco para Mossoró.
Atentados após massacre
Segundo informações do setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-AM), uma das organizações criminosas arquitetava um ataque à bomba contra o secretário Sérgio Fontes e contra o promotor de Justiça Lauro Tavares. Os atentados seriam feitos por meio de explosivos dentro de malas deixadas no Tribunal de Justiça do Amazonas e no MP-AM. Na ocasião, os órgãos preferiram não se pronunciar sobre a situação.
Contratos e suspeita de irregularidade
O Ministério Público de Contas do Amazonas chegou a pedir o fim dos contratos com as empresas e protocolou um pedido ao Tribunal de Contas (TCE) para que fossem rescindidos os contratos com duas empresas que administram os presídios do estado. O MPC alegou indícios de irregularidades como superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão. No entanto, o governo renovou o contrato com a Umanizzare por mais um ano.
Tenente-coronel Cleitman Coelho (Foto: Reprodução/Rede Amazônica)
Documentos obtidos pelo G1 apontam que o presídio palco do massacre no primeiro dia do ano, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, vem sendo administrado ao menos desde 2011 por empresas criadas pela mesma pessoa, Luiz Gastão Bittencourt da Silva, atual presidente da Federação do Comércio do Ceará (Fecomercio).
A primeira empresa, a Auxílio, foi impedida de participar de licitações em 2013 em razão de dívidas trabalhistas. E a segunda, a Umanizzare, assumiu no ano seguinte e é a atual administradora do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus.
O nome de Luiz Gastão não aparece nos documentos públicos mais atuais da Umanizzare. Questionada há uma semana pelo G1, a Umanizzare não diz quem são seus donos (como é uma sociedade anônima, a lei não a obriga a fazer isso).
Revistas
Desde a matança, unidades prisionais passam por vistorias. A mais recente ocorreu na manhã de terça-feira (31) quando homens do Exército Brasileiro fizeram uma varredura dentro da Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa. Segundo o secretário Sérgio Fontes, medida faz parte das medidas que serão tomadas para manter a ordem nas cadeias.
“A Força Nacional continua com a gente, nós vamos iniciar o esforço do exército agora, os equipamentos, tornozeleira, scanner de corpo, bloqueador de celular, já estão em processo de compra. Alguns protocolos foram mudados no sistema prisional e do lado de fora nós continuamos o nosso trabalho ininterrupto de combate ao crime organizado”, contou.
Fontes falou, ainda, sobre os esforços para combater o tráfico de drogas, como a intensificação de barreiras policiais nas fronteiras do Amazonas com outros países.
“É bom que se diga que nós não queremos fechar as fronteiras. Esse é o desafio das democracias, é fechar as fronteiras para o crime. Não vamos conseguir evitar tudo, nós temos a maior malha hidroviária do mundo, mas é importante que a gente aumente o controle. Hoje passa muito, mas a nossa intenção é que se passe menos, com barreiras fixas e presença nos rios, esse é o primeiro ponto.
Ocupar áreas vazias nas fronteiras entre o Brasil e a Colômbia foi uma das ações anunciadas pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, para reforçar a segurança entre os dois países. O anúncio foi feito após reunião com o ministro da Defesa colombiana Luiz Caros Villegas, que ocorreu nesta terça-feira (31), em Manaus. Foi a segunda visita de Jungmann ao Amazonas desde o massacre.
Mutirão
Desde o massacre, oTribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) realizada mutirão carcerário no estado. O mutirão foi instituído pelo presidente do Tribunal, desembargador Flávio Pascarelli, no dia 10 de janeiro, com a finalidade de reduzir a tensão no sistema prisional do Estado. O número de presos liberados chega a 600.
"A reanálise de processos não é para soltar, é para verificar o direito de cada réu. Em alguns casos há soltura, mas sob alguns critérios", disse o desembargador.
O Ministério Público anunciou a criação de oito subcomissões de investigação acerca dos assuntos referentes ao sistema carcerário e o massacre do Compaj.
Segundo o procurador-geral de Justiça, Pedro Bezerra Filho, subcomissões devem se dividir em investigação criminal, para acompanhar o inquérito policial instaurado pela Polícia Civil para apurar as mortes; investigação nas falhas de execução dos serviços de segurança dos presídios e unidades prisionais e responsabilidade administrativa de gestores do sistema prisional, avaliação dos contratos de empresas prestadoras de serviço, entre outras.
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