Brasil

Presos mortos em massacre denunciaram em carta um esquema de corrupção

Detentos assassinados pediram ajuda e avisaram que diretores do presídio recebiam dinheiro da FDN para facilitar fugas, entrada de ilícitos e chacina

Por A Crítica 10/01/2017 15h35
Presos mortos em massacre denunciaram em carta um esquema de corrupção
Reprodução - Foto: Assessoria

Datadas de 10 de dezembro de 2016, e anexadas quatro dias depois junto a um processo que tramita na Vara de Execuções Penais (VEP) de Manaus, cartas escritas por dois presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) denunciavam um esquema bancado pela facção criminosa Família do Norte (FDN) para a entrada de armas, drogas e celulares na cadeia, além da relação promíscua da facção com gestores do presídio. Os dois detentos foram assassinados duas semanas depois de dar ciência do caso à Justiça durante o massacre no Compaj.

As cartas, escritas à mão pelos detentos identificados como Alcinei Gomes da Silveira e Gezildo Nunes da Silva – os dois incluídos na lista de mortos – foram anexadas ao processo de Genildo Nunes da Silva, de número 0229886-50.2015.8.04.0001, pela 2ª Defensoria Pública Especializada em Execução Penal, no dia 14 de dezembro de 2016. A ação está sob a responsabilidade do juiz Luis Carlos Valois.

Nas cartas, eles afirmam, em relatos diferentes, que eram internos ameaçados de morte, e que mesmo com autorização da Justiça de permanecerem em área segura do regime fechado – sob medida cautelar de segurança, dois diretores faziam ameaças de retirá-los da região segura e colocá-los em uma ala “de risco”, onde poderiam ser assassinados. Segundo os autores da carta, os dois gestores denunciados são o subdiretor do complexo, identificado como “Carvalho”, e outro no cargo “GSI” identificado como “Wiuk”.

Entradas de drogas e armas

Em um dos trechos da carta, os dois detentos afirmam que quase morreram e que os dois gestores do Compaj denunciados recebiam dinheiro da facção FDN para facilitar a entrada de ilícitos, fugas e mortes.

(Imagem: A Crítica / Reprodução)

“Não temos convívio em nenhum lugar. Só temos convívio onde estamos. Porque por todos os cantos, nós já passamos e saímos entre a vida e a morte. O juiz determinou que permanecêssemos aqui como está”. “O subdiretor e GSI querem nos tirar da [...] sem motivos, só pelo fato de nós internos sabermos que eles são corruptos e recebem dinheiro da facção FDN, facilitando a entrada de armas, drogas e celulares, e facilitando a última fuga que teve no Compaj, onde fugiram 14 internos”.

Detentos imploram por viver

Noutro ponto da carta, os dois internos afirmam que já haviam denunciado o esquema outra vez, mas não obtiveram resposta.  “Os mesmos (diretores) estão recebendo dinheiro da facção FDN, que tem grandes intenções em ceifar minha vida. Os mesmos querem me tirar de onde estou, desobedecendo a ordem judicial. [...] (O subdiretor) fica me ameaçando todos os dias que irá nos tirar (daqui). A Ouvidoria e Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) só vão fazer alguma coisa quando nós tivermos nossa vida ceifada?”

Os presos pediram ainda, em caráter de urgência, que o destinatário da carta os visitasse no Compaj para ouvir pessoalmente as denúncias. “De boca não funciona. Tudo tem que ser documentado. Aonde devo fazer essa denúncia? No STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília? [...] Me ajude essa carta chegar (sic) a alguém que possa resolver essa questão. Estou sendo torturado psicologicamente”.

DPE ressaltou dever de proteger

Gezildo Nunes da Silva, um dos presos que assinam a carta, cumpria pena em regime fechado de cinco anos de prisão desde 2015 por furto qualificado, após ter arrombado uma residência no município de Maués, no interior do Amazonas, e furtado do local, na companhia de um comparsa, duas garrafas de whisky, 30 quilos de guaraná e um tablet.

O outro autor da carta, Alcinei Gomes da Silveira, por sua vez, cumpria pena de 60 anos de prisão desde 2011, por ter matado a facadas e terçadadas a própria mãe de 41 anos, o irmão mais novo de 14 anos e tentado matar o pai, num crime ocorrido no dia 5 de abril daquele ano, no bairro São José, em Manaus.

Após ser escrita, a carta foi entregue à companheira de Gezildo durante visita ao Compaj. A mulher, então, repassou o documento ao defensor público Arthur Sant’anna Ferreira Macedo, que fazia a defesa de Gezildo na Justiça. A partir daí, no dia 14 de dezembro de 2016, quatro dias após ser escrita, o defensor protocolou e anexou a carta ao processo de Gezildo no Tribunal de Justiça do Amazonas, com destinação e para conhecimento do juiz Luis Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais (VEP).

Ao anexar as cartas ao processo, o defensor alega ser “dever do Estado assegurar a proteção à integridade física e moral dos internos que estão sob sua custódia” e pede ao juiz Luis Carlos Valois que Gezildo fique preso no Centro de Detenção Provisória (CDP), “não podendo ser transferido para nenhuma outra unidade prisional sem que esteja em risco sua integridade física”.

O defensor público Arthur Sant’Ana também pediu quer fossem “apuradas e tomadas as devidas providências acerca das denúncias relatadas” na carta. Não há movimentação no processo após o pedido do defensor público, feito em 14 de dezembro. O judiciário entrou em recesso no dia 20 de dezembro, uma semana após o pedido.

O juiz Luis Carlos Valois e o secretário Pedro Florêncio não foram localizados para comentar a reportagem até o fechamento desta edição.

Corregedoria vai apurar

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), questionando se era de conhecimento das autoridades judiciais a denúncia. “A Presidência do TJ-AM declara que irá apurar essas informações, por meio da Corregedoria Geral de Justiça”, responderam.