Brasil

Servidores do RJ cortam ceia, presentes e roupa nova no Natal

Dívidas chegam a R$ 35 mil por conta de empréstimos

Por G1 20/12/2016 08h49
Servidores do RJ cortam ceia, presentes e roupa nova no Natal
Reprodução - Foto: Assessoria

Saem de cena o bacalhau, o salpicão e o peru para dar lugar a um prato de arroz, feijão, ovo e carne moída. É esse o menu que a pensionista do estado Carmen Lúcia Pereira Salles, de 56 anos, vai ter para degustar na noite de Natal.

"Isso se a minha filha ajudar. Tiraram a minha dignidade, tiraram tudo. Virei pedinte, depois de tanto esforço do meu marido. Ele deu o sangue dele, a vida pelo estado, trabalhou mais de 30 anos como policial militar, e agora a gente está numa situação dessas", lamentou Carmen Lúcia, aos prantos. Assim como Carmen, muitos pensionistas, aposentados e servidores do estado não poderão comprar itens para a ceia, presentes e roupas novas para passar as festividades de fim de ano.

A data, que seria de confraternização, para esses funcionários públicos vai ser de tristeza, com contas a pagar e dívidas, que nenhum Papai Noel é capaz de ajudar. Tudo isso por conta dos pagamentos atrasados e falta de 13° salário, desde que o Governo do Rio decretou estado de calamidade pública.

Com exceção dos profissionais da educação e da segurança (que receberam nos dias 14 e 16 de dezembro), a previsão é que os demais servidores recebam o salário parcelado em nove vezes, segundo informação da GloboNews. De acordo com o planejamento do governo estadual, o primeiro pagamento acontecerá em 23 de dezembro, já o 13° não tem data para ser pago.

Com quatro empréstimos na praça, a dívida da pensionista chega a R$ 15 mil. As obras que planejou fazer em casa fazer estão paradas há mais de um ano, sem previsão para acabar. "Meu vidro está quebrado, coloco um pano para fechar o buraco, a porta está sem fechadura, coloco cabo de vassoura para ninguém entrar. Vê se isso é vida?", indagou.

Ana Couto, 53 anos, funcionária da Secretaria do Estado de Saúde há 23, se emocionou ao detalhar que seu Natal desse ano não vai ter ceia. "Esse ano não tem árvore, enfeites, nada. Não temos condições financeiras de comprar absolutamente nada, nem a ceia básica. Uma tristeza. Os funcionários da saúde são os que têm os piores salários, sem reajuste há 15 anos. De uma situação constrangedora, passou a ser humilhante", disparou Ana Couto.

Ana Couto, servidora da saúde há 23 anos, vai usar itens de uma cesta básica que ganhou para montar sua ceia (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

Com mais de R$ 7 mil em dívidas, Ana tem vivido com a ajuda do pai e de um amigo, que garante seu plano de saúde e sua alimentação. "Mas vamos viver até quando pedindo ajuda? Estamos nos transformando em miseráveis por conta desse governo, por conta dessa má gestão. Eles estão tentando destruir as famílias, isso é muito triste", disse, emocionada.

Difícil é não se comover com a tristeza que toma conta de tantos servidores, como Maria José de Almeida, 59 anos, que trabalha há 38 como funcionária da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA). Para não deixar seu primeiro neto sem presente, parcelou em 10x um carrinho, e ainda dividiu o valor com seus dois filhos, o pai e o padrinho da criança.

A "herança" que herdou de sua mãe, que é comprar uma lembrancinha para cada familiar para entregar na noite de Natal, pela primeira vez não será colocada em prática por Maria José. "Fico muito chateada com tudo isso que estamos passando, não poder ter um fim de ano como gostaríamos. Mas o que me deixa mais triste é saber que tudo isso é culpa da má gestão do governo, da falta de comprometimento com os servidores", completou a servidora.

O casal Juarenes Peres, 63 anos, e Carmen Eliza Lima, 55, está procurando casa de amigos ou familiares para passar a noite de Natal. Os dois são funcionários do estado, na área da assistência social, na FIA, há mais de 30 anos.

Sem dinheiro para montar ceia, casal Juarenes Peres e Carmen Eliza vai procurar casas de amigos para poder passar o Natal (Foto: Patrícia Teixeira / G1)

"Como não temos dinheiro pra montar uma ceia, temos que ir pra casa de alguém", contou Carmen Eliza, com os olhos marejados. A boa cervejinha que Peres gosta de beber nessa época do ano também está suspensa.

"A anotação na caderneta do bar está alta, não posso nem mais comprar. O bacalhau maravilhoso, não vou poder comer. Por culpa do Governo, esse Natal está sendo completamente ruim, triste, uma falta de motivação, uma impotência enorme, a gente fica de braços atados sem poder articular qualquer coisa", reclamou Peres.

"Deu R$ 23 para cada um em 10x, tudo para não deixar meu netinho sem presente. Ele não tem culpa, tadinho. Sempre tive uma ceia feliz, de fatura, mas, esse ano, não vou comprar as iguarias de Natal e o salpicão de bacalhau, que fazia todos os anos, está comprometido. Meus filhos vão ficar sem", adiantou Maria José, que já acumula dívida de R$ 35 mil.

Na casa do casal, nenhum item indica a proximidade da data festiva. "Antigamente, a gente enfeitava tudo para o Natal, Ano Novo, com o maior prazer, mas o dinheiro acabou para isso. Já conversei com meus filhos, que esse ano não terá presentes, nada.  Só nos resta pedir ao Papai Noel que ano que vem a gente possa receber nossos salários em dia, pedir esperança, e que a gente não perca a fé", pediu Carmen Eliza.