Brasil
Pai que trancou filho em quarto por 20 anos responderá por cárcere e maus tratos
Armando Andrade foi encontrado preso em quarto em casa de Guarulhos
A Polícia Civil indiciou o porteiro Amâncio Bezerra de Andrade, de 67 anos, pelos crimes de cárcere privado e maus tratos pela suspeita dele ter trancado o filho, Armando Bezerra de Andrade, de 36 anos, num quarto da casa da família, no bairro dos Pimentas, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.
Além de Amâncio, a madrasta de Armando, a enfermeira aposentada Maria Elizabeth Rocha, de 64 anos, e o filho dela, o forneiro Douglas Alexandre Rocha Nemoto, de 34 anos, também foram indiciados pelos mesmos crimes, segundo informaram nesta terça-feira (25) ao G1 a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e o delegado Celso Valdir Marchiori, titular do 8º Distrito Policial (DP), onde o caso foi registrado e é investigado.
Na última quinta-feira (20), policiais civis que procuravam o cativeiro de uma quadrilha de roubo de cargas entraram por acaso no imóvel e arrombaram a porta de um cômodo, que estava trancada. Lá dentro estava Armando. Deitado numa cama, usando calça jeans, camiseta e jaqueta, ele não estava corretando e nem apresentava sinais de lesão. O local, de cerca de 15 metros quadrados, com banheiro e pia, fedia a urina e fezes. Não havia TV e nem eletrodomésticos nele.
O pai, a madrasta e o filho dela não estavam na residência quando Armando foi encontrado. Dizendo frases desconexas, o homem foi resgatado e levado para a ala psiquiátrica de um hospital da cidade. Até esta terça-feira (25), ele permanecia internado, sem previsão de alta.
"Ele estava desidratado e desnutrido", disse Marchiori. "O hospital não deu alta ainda porque ele tem problemas psiquiátricos. Não sabem se isso é decorrente do cárcere, de uso de drogas ou é alguma doença."
Ainda na quinta-feira, horas depois do resgate de Armando, Amâncio se apresentou no 8º DP, e confessou ter mantido o filho preso, de acordo com o delegado.
O pai foi indiciado pelo cárcere e maus tratos, mas como foi espontaneamente à delegacia, ele responderá aos crimes em liberdade.
Segundo a investigação, Amâncio disse que o filho tinha saído de casa com cerca de 18 anos e havia retornado na última segunda-feira (17). O pai ainda contou que, como Armando é dependente químico, pediu à família mantê-lo preso para que não saísse e comprasse drogas.
Em entrevista à GloboNews, Amâncio disse que filho deixou a casa dizendo que iria morar com os primos, no Norte do país, e só voltou para Guarulhos na semana passada. O pai relatou que nunca o procurou durante o período em que ele esteve fora.
"Ele já é de maior. Eu sou pai dele. Nunca deu notícia para mim”, alegou Amâncio. "Ele chegou segunda-feira, às 2h30 da manhã. Ele bateu no portão. Eu fui ver quem era, era ele. Eu botei ele para dentro. Perguntei se já tinha comido, ele falou que não. Eu dei comida para ele. E depois eu trouxe ele aqui para baixo".
Ainda a GloboNews, Amâncio não confirmou ter trancado o filho, mas admitiu ter fechado a porta. "Não. Eu encostei a porta só. Ai ele bateu na porta. Ai eu desci: 'por quê?'. 'Pra fechar a porta'. Eu fechei a porta", disse o pai.
Cama onde Armando, que aparece abaixo em vídeo que mostra seus pés (Foto: Reprodução/Globo News)Amâncio também negou os maus tratos ao filho "Eu cuidei, dei comida para ele", afirmou o idoso. "Ai a polícia já tinha entrado e dado esse problema".
Marchiori afirmou que pedirá um exame toxicológico para verificar se Armando é usuário de entorpecentes. Ao final do inquérito, a polícia irá avaliar se pedirá ou não a prisão de Amâncio.
De acordo com o delegado, Amâncio cometeu crime ao manter Armando em cativeiro, mesmo que tal ação tenha sido feita a pedido do rapaz. “Ninguém pode querer que sua liberdade seja privada", disse Marchiori. “Da mesma forma que eu não acreditei totalmente no que o pai disse, não posso acreditar em diz que me diz. Formado todos esses indícios, aí eu posso representar pela prisão.”
Do alto à esquerda para a direita, em sentido horário: Armando na adolescência; banheiro usado por ele no quarto onde ficou; o homem como foi encontrado e muro da casa pichado pelos moradores (Foto: Reprodução/Globo News)Segundo Marchiori, Maria e Douglas negaram ter encarcerado e maltratado Armando. "Alegam que o homem podia entrar e sair da casa quando quisesse", disse o delegado.
No sábado (22), o pai, a madrasta e o filho dela deixaram a casa onde moravam por medo da reação dos vizinhos, que picharam o muro com as inscrições 'Justiça', 'Três safados' e '#Armandinho' _como o homem é conhecido no bairro. Eles se mudaram para outra residência em uma cidade do interior do estado.
Aos jornalistas, alguns vizinhos acusaram a família de Armando de deixá-lo em cárcere por quase 20 anos. Eles contaram que Armandinho foi visto pela última vez ainda na adolescência. Quando perguntavam por ele, o pai dizia que tinha ido embora com a mãe para o Nordeste. Os amigos se mostraram surpresos ao saberem do encarceramento.
"Nunca passou pela nossa cabeça que o Armando ia estar dentro da casa dele naquele porão", disse o mecânico Everton Paixão, que lembra que o amigo gostava de empinar pipa e de rock. A GloboNews teve acesso a filmagem feita entre o homem e um de seus amigos, na qual ele demonstra estar debilitado ao conversar.
Mas a polícia já descartou a possibilidade de o homem ter ficado esse tempo todo encarcerado. Se o relato do pai se confirmar, ele pode ter ficado preso por quatro dias.
“É um local insalubre, ele não teria sobrevivido. Não tem luz”, declarou o delegado Marchiori, que pretendia ouvir o depoimento de 15 pessoas na segunda-feira (24). "Pelas condições que o Armando foi encontrado, pálido, acho que ele deveria estar trancado havia um mês".
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