Saúde

Alagoas não tem centro especial para tratar doenças raras

Estado possui 1.500 pessoas com essas enfermidades; diagnóstico correto e remédios são maiores dificuldades

Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente 27/04/2024 09h43
Alagoas não tem centro especial para tratar doenças raras
Médico cardiologista Hemerson Casado é portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) - Foto: Edilson Omena / Arquivo

Nascer com uma doença rara em qualquer parte do mundo é, em muitos casos, o início de uma longa jornada para enfrentar sintomas incapacitantes, progressivos e degenerativos, com alto risco de morte e sem garantia de que existirá um tratamento ou de que ele será acessível quando for preciso. Trata-se de um desafio global que extrapola as esferas da saúde.

Em Alagoas, segundo o médico cardiologista Hemerson Casado existem 1.500 pessoas com alguma doença rara. Do total, 68 tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O médico explicou que a luta para fechar um diagnóstico correto, no tempo certo e a busca pelos tratamentos adequados são a frequente na rotina dos pacientes alagoanos. “O Estado não tem sequer um centro especializado em doenças raras”, frisou.

Hemerson Casado é portador de uma doença rara. O médico tem ELA e preside o Instituto Filantrópico Dr Hemerson Casado de Combate às Doenças Raras. A doença se caracteriza pela degeneração das células nervosas que respondem pelo controle dos movimentos musculares. Quando isso acontece, o cérebro, a medula espinhal e os músculos não conseguem se comunicar.

Dessa forma, a pessoa com ELA apresenta dificuldade para andar, falar, mastigar e realizar outros movimentos executados automaticamente.

De acordo com o médico, os governantes não ligam para as doenças raras, porque não são populares e não sendo populares “não dão voto”.

Cabem aos pacientes, então, a esperança da judicialização. E as dificuldades para os pacientes raros do Estado são incontáveis.

“Alagoas não tem sequer um laboratório dedicado aos diagnósticos genéticos. Também não tem um centro dedicado às doenças raras, com pesquisas, ensino, assistência médica, assistência social, atendimento psicológico, assistência multiprofissional, atendimento jurídico e reabilitação.

O médico diz que Alagoas precisa ter um centro de referência pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e desde o início da formação médica, precisa envolver os futuros pediatras para que sejam treinados e ensinados a identificarem os primeiros sinais e sintomas de doenças raras.

“São pouquíssimos os geneticistas e os que existem não querem trabalhar no interior. Qual a perspectiva de atendimento, por exemplo, para uma criança que nascer com uma doença rara em Cacimbinhas? Quais as chances de ela receber um diagnóstico precoce?”, indagou Hemerson Casado. Passado o tempo do diagnóstico e chegando, enfim, ao tratamento medicamento, o paciente se depara com a insegurança medicamentosa da farmácia de alto custo do governo de Alagoas.

Conforme o cardiologista, faltam remédios para os pacientes raros e, quase sempre, a farmácia não tem.

Estudo inédito na América Latina é apresentado em Brasília

O jornal Tribuna Independente foi convidado a participar da apresentação do estudo inédito “Doenças Raras na América Latina”. O veículo de comunicação foi o único de Alagoas a estar presente ao evento que aconteceu na sede da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em Brasília. A repórter viajou a convite da PTC Therapeutics. A experiência foi compartilhada com jornalistas do Ceará, Rio de Janeiro, Colômbia e México.

O presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), da Casa Hunter e da Casa dos Raros, Antoine Daher, destacou que o diagnóstico de uma doença rara pode demorar vários anos, o que atrapalha as chances de o paciente conseguir melhores desfechos na fase do tratamento.

“O tempo médio para o diagnóstico no SUS é de cerca de cinco anos e quatro meses. Como 30% dos pacientes morrem antes de cinco anos de idade, a maioria das crianças morre sem diagnóstico no Brasil”, pontuou.

Estudo mostrou que 8% dos casos decorrem de fatores genéticos e o restante deles são de causas ambientais (Imagem: Divulgação)

Em relação à origem, aproximadamente 8% decorrem de fatores genéticos e o restante de causas ambientais, infecciosas, imunológicas e outras. Em 75% dos casos, agências raras afetam crianças, entre essas, 30% morrem antes de 5 anos de idade.

Se para os pacientes sem doenças raras, a busca pela saúde já não é tão fácil, visto que a expectativa de vida ao nascer no Brasil é de 73 anos, a mortalidade infantil é de 13 crianças a cada mil nascidos vivos e existem no país 1,82 médicos para cada mil habitantes. A luta dos pacientes raros em busca do acesso à saúde é inimaginável.

Com a característica marcante de ser um país de dimensões continentais a quantidade de centros especializados ainda é insuficiente. Atualmente existem 32 serviços cadastrados no Brasil. A maioria é concentrada nas regiões sudeste, sul e nordeste. Os serviços especializados em doenças raras evoluíram quantitativamente ao longo de 10 anos.

Apesar do aumento do número de centros da região Nordeste ao longo dos anos, todos estão localizados nas capitais Salvador, Fortaleza e Recife.

Empresa estuda e desenvolve novas tecnologias que visam salvar vidas

O vice-presidente sênior das Américas na PTC Therapeutics, Bruce Braughton afirmou que a empresa estuda, desenvolve e comercializa tecnologias inovadoras que transformam vidas.

“Sabemos que nascer com uma doença rara significa, muitas vezes, uma longa jornada diagnóstica e terapêutica. Precisamos ter um olhar atento e cuidadoso com toda a jornada dos raros. Ter um diagnóstico precoce, acesso ao cuidado adequado, bem como políticas públicas eficientes, faz toda a diferença para quem convive com uma enfermidade rara – e isso pode salvar e mudar inúmeras vidas”, salientou.

Bruce Braughton, vice-presidente sênior na PTC Therapeutics, participou de encontro em Brasília (Foto: Divulgação)

De acordo com Bruce Braughton, a missão da PTC é proporcionar acesso aos melhores tratamentos para pacientes que têm pouca ou nenhuma opção de tratamento. A estratégia da PTC é alavancar sua forte especialização científica e clínica e sua infraestrutura comercial global para levar as terapias aos pacientes.

Brasil é o único país da região a ter marco regulatório destas enfermidades

A portaria número 199, de 30 de janeiro de 2014, que norteia a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras completou 10 anos em 2024, mas ao longo dessa década foram identificadas insuficiências que prejudicam sua efetividade.

Entre os países da América Latina, o Brasil é o único que possui um marco regulatório para doenças raras, uma boa organização da sociedade civil e avanços em ações para a garantia do cumprimento da legislação em vigor.

A legislação que contempla as doenças raras tem um nível muito alto de engajamento da sociedade civil e regras específicas para as etapas de resíduo sanitário, precificação e reembolso.

Doenças Raras no Brasil

Apesar de ser destaque na América Latina, o país ainda tem um longo caminho para a execução efetiva da política nacional para doenças raras. Ainda assim, o cenário brasileiro é fonte de inspiração. O Brasil é como um farol na América Latina no contexto das justiças de pessoas com doenças raras.

Os exemplos positivos vão desde a articulação frutífera das associações de pacientes até os sucessos e iniciativos inovadores como a Casa dos Raros, localizada em Porto Alegre. A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) passou a adotar, em dezembro de 2021, a resolução em frente dos desafios das pessoas que vivem com uma doença rara e de suas famílias.

Entre outras recomendações, o documento traz um apelo aos Estados-membros para que fortaleçam os sistemas de saúde para o atendimento a pessoas com doenças raras, para melhorar a equidade e igualdade na saúde, acabar com a discriminação e o estigma, eliminar lacunas na cobertura e criar uma sociedade mais inclusiva.

Um estudo avaliou oito países, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Em uma tabela de pontuação que varia de 0 a 20 pontos em relação à maturidade para o desenvolvimento de políticas públicas para doenças raras, o Brasil ficou na liderança com 20 pontos.