Saúde

Espera para reparar mama chega a 10 anos

Projeto pretende reduzir fila no SUS; nutricionista conta que teve de recorrer ao plano de saúde para realizar cirurgia

Por Valdete Calheiros - Colaboradora / Tribuna Independente 17/11/2023 09h09
Espera para reparar mama chega a 10 anos
Cirurgia plástica promove reconstrução de mama em mulheres - Foto: Cirurgia

A morosidade no cumprimento da Lei Federal n° 9.797, de 6 de maio de 1999, que dispõe sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama pela rede de unidades integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos de mutilação decorrentes de tratamento de câncer é o grande obstáculo das mulheres que fizeram mastectomia.

Com o objetivo de tentar diminuir essa espera – que pode chegar a 10 anos – entre a cirurgia de retirada da mama e a reconstrução da mesma, tramita no Senado o projeto de Lei que prevê divulgação do direito de reconstrução mamária pelo SUS.

A nutricionista oncológica e voluntária na Casa Rosa, Carla Moraes Vieira, 39 anos, vítima de um câncer de mama avaliou como bastante positivo o projeto de Lei.

“Eu mesma precisei fazer a reconstrução mamária. Tive que arcar financeiramente com os honorários médicos. O plano de saúde custeou apenas o pagamento da prótese e do médico anestesista”, recordou ao afirmar que tem amigas que, mesmo anos depois de terem realizado mastectomia esperam na fila do SUS pela reconstrução mamária.

Sem casos na família e com idas frequentes ao mastologista, Carla Moares disse que ficou sem chão na hora, mas partiu logo para o tratamento. Como a doença foi descoberta na fase inicial, tinha pela frente grandes chances de cura. O que realmente acabou acontecendo.

Médica Lígia Teixeira diz que apneas 30% conseguem fazer a cirugia, quando o ideal seriam 50% (Foto: Divulgação)

A médica mastologista e cirurgiã oncoplástica, Lígia Teixeira, afirmou que, em média, apenas 30% das mulheres mastectomizadas têm a mama reconstruída pelo SUS. Quando o ideal é, no mínimo, acima de 50%.

“Sem dúvidas que o maior sonho da mulher que está curada de um câncer, mas perdeu sua mama é tê-la de volta, reconstruída através da cirurgia. Esperar na fila do SUS pode representar uma longa jornada de 10 anos ou mais”, detalhou a médica.

A técnica em radiologia Samya Tacilla Santana Xavier, 40 anos, fez o que estava ao seu alcance para não passar por essa longa espera.

Para se livrar da doença, ela precisou tirar a mama toda. “Tive que fazer a reconstrução imediata. Coloquei uma prótese, mas ainda vou fazer outra cirurgia para fazer enxerto. Fiz todos os procedimentos de forma particular. Se fosse esperar pelo SUS, estaria até hoje sem mama”, relatou, ao contar que tirou empréstimo, fez rifa e contou com a ajuda de familiares e amigos para arrecadar os R$ 20 mil necessários para todos os procedimentos.

Segundo ela, a espera é muito penosa. E não deveria ser assim, opinou, já que é um direito assegurado às mulheres vítimas de câncer de mama.

“Quando eu descobri a doença, o tumor já estava grande. Não pude esperar nem mesmo a fila para retirada do câncer, da mama. Como foi tudo particular, foram 15 dias entre a descoberta diagnóstica e a cirurgia. Eu já tinha procurado outros médicos e nenhum achava que era câncer pela minha idade, à época. Eu tinha feito mamografia e ultrassom e não deu nada. Após seis meses da última mamografia, o nódulo já estava com oito centímetros. Já fui direto para cirurgia. Retirei toda a mama direita”, relatou ao afirmar que outras dificuldades são os custos das medicações após quimioterapia e manter a alimentação adequada.

Estimativa aponta que Alagoas terá 700 novos casos de câncer de mama em 2023

Em Alagoas, a estimativa gira em torno de 700 novos casos de4 câncer de mama até o final deste ano, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O estado ocupa a 20ª posição no ranking nacional das estatísticas sobre câncer de mama. Em todo o Brasil, de acordo com cálculos do Inca, a expectativa é de 73.610 novos casos da doença em 2023. O risco estimado é de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres.

O Inca trabalha com estimativas, isto porque, segundo o Instituto, como o câncer não é uma doença de notificação obrigatória, não existem dados de incidência.

O câncer de mama, quando descoberto precocemente, têm chances de cura em torno de 95%, explicou o mastologista João Aderbal ao afirmar que a tendência é de que os casos aumentem 25% na próxima década.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, toda mulher tem entre 10 e 12% de chance de desenvolver câncer de mama durante a vida. Por isso, a entidade recomenda que a partir dos 40 anos, as mulheres passem a fazer as primeiras e sucessivas mamografias anuais. Este é o exame essencial para o rastreamento de câncer de mama.

Os tipos de câncer de mama mais agressivos acontecem entre os 40 e 50 anos. Um levantamento, também validado pela Sociedade Brasileira de Mastologia, revela aumento do número de casos graves da doença entre mulheres com 70 anos de idade ou mais. Outro levantamento aponta uma situação contrastante, e não menos preocupante com relação ao “rejuvenescimento” da doença: a incidência do câncer de mama entre pacientes mais jovens. Segundo dados analisados pela SBM, há crescimento de população abaixo de 49 anos com diagnóstico de câncer de mama no Brasil.

Legislação

A Câmara Federal aprovou o projeto na primeira quinzena deste mês. Segundo o texto, hospitais, clínicas, consultórios e similares que prestem atendimento a pacientes com câncer de mama deverão informar sobre a possibilidade de realização dessa cirurgia plástica pelo SUS.

O projeto de Lei n° 3072/22, da deputada Flávia Morais (PDT-GO), foi aprovado na forma de um substitutivo da deputada Erika Hilton (Psol-SP), pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.

Para a autora do projeto, a retirada dos seios traz reflexos psicológicos ligados à sexualidade e à maternidade. “O DataSUS aponta que a proporção é de apenas uma cirurgia de reconstrução a cada 7,5 mastectomias realizadas, em média, nos últimos anos”, lamentou.

A informação deverá ser dada por meio de placas, cartazes, informativos, propagandas ou outros meios, além de pelo próprio médico assistente responsável pela realização da mastectomia. Nesse caso, deverá existir um termo de ciência, a ser anexado ao prontuário médico.