Saúde

Estudos mostram que fluidos da boca são as maiores fontes de disseminação da Covid-19

Cuidados com a saúde bucal devem ser reforçados; controle está diretamente ligado às infecções e casos mais graves da doença

Por Reportagem: Ana Paula Omena l Lucas França com Tribuna Hoje 29/09/2021 11h02 - Atualizado em 09/09/2022 17h19
Estudos mostram que fluidos da boca são as maiores fontes de disseminação da Covid-19
Reprodução - Foto: Assessoria

Se alguém pensa que ir ao dentista é somente quando aparece aquela dor de dente, se enganou. No ano passado, por conta da pandemia, a maioria das pessoas deixaram de ir até para os médicos de rotina, imagine ao consultório odontológico, porém esqueceram que a boca, assim como os olhos, são portas de entrada para o coronavírus e pode ser um item decisivo no quadro de paciente com Covid-19.

Corriqueiramente, ouve-se que a saúde começa pela boca. E em meio à pandemia, os cuidados com a saúde bucal devem ser reforçados, pois o controle dela está diretamente ligado às infecções e casos mais graves da doença.

Estudos mostram que os fluidos do nariz e da boca são as maiores fontes de disseminação de Covid-19. Márcia Telma Tenório Lins Guimarães, presidente do Conselho Regional de Odontologia de Alagoas (CRO/AL), explica que a boca e as fossas nasais constituem as principais portas de entrada para o coronavírus. Segundo ela, uma boca mal higienizada e com lesões na mucosa, com certeza, colaboram para uma proliferação viral mais severa agravando a infecção.

“Com relação à Covid-19, já foram detectadas aparecimento de lesões na mucosa oral durante a instalação da doença. A boca é uma região de aparecimento de lesões características de muitas doenças sistêmicas de origem viral ou não. Daí a necessidade dos cuidados de higienização correta da boca sempre, no mínimo três vezes ao dia para manter a saúde bucal”, salientou Márcia Telma.

A presidente do CRO/AL ressaltou que a saliva da pessoa contaminada contém vírus (Coronavírus) e a tosse e o espirro, por exemplo, eliminam gotículas de saliva numa quantidade significativa que ficam suspensas no ar ou contaminar superfícies próximas onde ela se encontra, disseminando a doença. “O ato de falar também elimina estas gotículas, por isso a recomendação do uso de máscaras tanto pelo portador da doença como pela pessoa sadia para se proteger da contaminação, e a doente para evitar a contaminação do ambiente e disseminação da doença”.  

ALERTA

Doenças oriundas da boca podem ser aspiradas e provocarem infecções pulmonares  

 

A dentista colocou ainda que a boca possui milhares de bactérias e fungos que vivem em equilíbrio constituindo a flora bucal, e que a perda deste equilíbrio, facilita o aparecimento de doenças oriundas de bactérias da boca que podem ser aspiradas, por exemplo, e provocarem infecções pulmonares provocando pneumonias que agravam a situação do doente podendo levá-lo a óbito.

“Somos os profissionais de saúde diretamente expostos a esta contaminação”, frisou Márcia Telma. “Nosso trabalho é desenvolvido na boca do paciente. Os protocolos de atendimento nesta época de Covid têm sido muito rígidos, tanto para a nossa proteção, quanto para a proteção do paciente, nos dando condições de atendê-lo com segurança”, destacou.

Márcia Telma foi enfática ao afirmar que para a manutenção da saúde bucal, recomenda-se a visita periódica ao dentista a fim de que sejam detectadas possíveis lesões de cáries ou outras doenças bucais precocemente.

“Não existe saúde geral se não temos saúde bucal. Nosso organismo é um conjunto de órgãos e sistemas integrados entre si. Como os ambientes e utensílios ficam contaminados pelo vírus pela eliminação de secreções, a lavagem das mãos com água e sabão, bem como o uso do álcool 70 são atitudes de grande importância no controle da disseminação da doença”, avaliou.

“Nós odontólogos estamos aptos a atender os nossos pacientes com segurança em época de pandemia, desde que obedeçamos aos protocolos dos órgãos sanitários. Nunca deixe de procurar o cirurgião-dentista somente quando sentir dor. A prevenção é a melhor forma de manter a saúde bucal”, reforçou.

Ela pontuou que o uso de máscara, lavagem das mãos e o distanciamento social são atitudes simples que constituem a melhor forma de prevenir a disseminação da Covid-19. “A vacinação confere imunidade que nos protege da doença. O conjunto nos fará superar esta doença”, garantiu.

HIGIENE ORAL

Lei obriga Alagoas ter dentistas nas UTI’s   

Estudos comprovam que, através da higiene oral e o acompanhamento profissional qualificado, há redução significativa de doenças respiratórias entre pacientes adultos considerados de alto risco e mantidos em cuidados paliativos, principalmente os pacientes internados em UTI.

Por isso, em tempos de pandemia, onde os casos mais graves de infecção pelo novo coronavírus evoluem para quadros de insuficiência respiratória; o deputado estadual Galba Novaes (MDB), criou a Lei nº 8.009 de abril de 2018 – que determina a presença obrigatória dos profissionais da odontologia nas unidades de saúde de Alagoas, a fim de garantir a assistência na higiene bucal dos pacientes em regime de internação.

Cirurgiões-dentistas nas UTIs reduzem complicações da doença e ajuda na recuperação dosinternados


A lei determina ainda, que seja garantida a assistência também para os pacientes que se encontram nas instalações hospitalares – mesmo que não estejam internados. “Nem todas as unidades públicas ou privadas contam com esse especialista no seu quadro de UTI; e a nossa Lei defende que nos cuidados que os pacientes internados em UTI’s devem receber, precisa estar incluído o tratamento odontológico, com higiene bucal adequada, dada a relação entre as doenças bucais e outros fatores, a exemplo de problemas respiratórios”, defendeu o deputado.

O Hospital Geral do Estado (HGE) foi a primeira unidade hospitalar pública em Alagoas a contar com assistência em saúde bucal dentro de uma Terapia Intensiva (UTI), e ampliou o Serviço de Odontologia para a UTI Covid-19.

Com isso, passou a assegurar assistência ainda mais qualificada aos pacientes internos para tratar complicações do novo coronavírus.

Caio Branco, cirurgião dentista responsável pelo projeto informou que o Serviço de Odontologia está presente, também, na UTI Pediátrica, na Unidade de Dor Torácica e na Unidade de Acidente Vascular Cerebral. Por meio dele, o odontólogo mantém a higiene bucal e a saúde do paciente durante o período da internação, contribuindo para a prevenção das infecções hospitalares, principalmente as respiratórias e pulmonares.

DENTISTA NA UTI

Segundo Márcia Telma, presidente do Conselho Regional de Odontologia de Alagoas (CRO/AL), a presença do cirurgião dentista nas UTI’s é de suma importância no controle do agravamento da doença Covid-19, tendo em vista que contribui de forma decisiva para a recuperação do paciente, abreviando o tempo de internação.

“Temos uma lei, proposta pelo nosso Conselho, que foi apresentada na Assembleia Legislativa de Alagoas pelo deputado Galba Novaes, e aprovada por unanimidade desde abril de 2018, que obriga a presença do cirurgião dentista, habilitado em Odontologia Hospitalar nas UTI’s. No entanto, apesar de uma circular expedida pelo secretário de Saúde, Alexandre Ayres, obrigando estas contratações, só alguns hospitais têm estes profissionais em seus quadros funcionais e o Conselho Regional está fiscalizando para que os mesmos se adequem", avisou.

Pessoas com doenças periodontais têm mais chances de morrer por Covid-19  

Especialistas explicam a relação entre as bactérias que levam as doenças periodontais e o coronavírus  

Periodontite (Foto: Revista Implante News)

Estudos publicados recentemente têm mostrado uma importante relação da Periodontite com a Covid- 19. A cavidade oral está sob nova investigação em todo o mundo, já que quantidades expressivas do vírus SARS-CoV-2 foram encontradas na saliva, mediando à rota de transmissão da doença através de gotículas e fluidos salivares.

Mas o que são essas doenças periodontais e porque a relação tão forte com a Covid-19? Mariana Costa, especialista e Mestre em Periodontia, professora de Periodontia da Universidade Tiradentes (UNIT- AL) e do curso de pós-graduação de Cirurgia Periodontal- Ápice cursos, explica que as doenças periodontais são alterações inflamatórias que acometem os tecidos de suporte e sustentação da boca e são prevalentes na população brasileira.

“Dentre as principais estão a gengivite e a periodontite, onde ambas têm como principal causa o acúmulo de biofilme dental (placa bacteriana) e o cálculo dental (tártaro). A gengivite apresenta como principais sintomas o sangramento (espontâneo ou provocado pela higiene local), vermelhidão e inchaço na gengiva”, disse.

Mariana Costa, odontologista e especialista e mestre em periodontia (Foto: Edilson Omena)

“Durante sua progressão, microvasos sanguíneos são destruídos por conta da agressão bacteriana e alguns pacientes podem sentir dor. Já a periodontite é uma doença mais grave, ela sempre é precedida pela gengivite e à medida que vai evoluindo e não é tratada, ela se torna crônica e mais grave”, reforçou a docente.

Ainda de acordo com a especialista, as principais características da periodontite são o sangramento gengival, perda óssea (na maxila e na mandíbula) inchaço e perda de inserção, o que pode provocar a mobilidade dentária e é comum o paciente queixar-se de mau hálito. Além disso, a periodontite está frequentemente associada a outras comorbidades sistêmicas como, por exemplo, o diabetes e a doença pulmonar obstrutiva crônica aumentando o potencial inflamatório em ambas.

Gengivite (Foto: Carranza, 2020)


Mariana Costa destaca também que a cavidade oral torna-se um local de replicação e propagação do vírus porque existe também a possibilidade de que a aspiração de bactérias orais presentes na Periodontite junto com a saliva para o trato respiratório inferior pode ser um fator complicador para Covid-19, já que a doença pulmonar obstrutiva crônica, assim como o diabetes, é uma comorbidade conhecida da Covid- 19 com um maior risco de agravamento da doença e maior taxa de mortalidade.

“Essas bactérias periodontais foram detectadas no lavado broncoalveolar e na expectoração de pacientes com pneumonia e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, e os riscos de desenvolver essas doenças e a morte pertinente são aumentados em pacientes com doença periodontal grave. Isso também é exacerbado em casos de hospitalização devido ao Covid-19 atribuíveis a uma escassez geral de profissionais de odontologia em grandes hospitais, principalmente em pacientes que passaram por um longo período de internação e precisaram ser intubados. Já existem também muitos relatos na literatura de que o tratamento periodontal melhorou a condição de pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e Diabetes’’, esclarece Costa.

ESTUDO

Um estudo da Academia Europeia de Odontologia aponta que pessoas com doenças periodontais têm nove vezes mais chances de morrem por Covid-19. Em entrevista à TV Tribuna, no Youtube, Maria Costa explica como a periodontite se forma, como o diagnóstico pode ser feito e maneiras de evitar que o paciente chega às clínicas em estado avançado de perda óssea. Veja a entrevista na íntegra e entenda a relação entre as doenças:

“Há uma relação estreita, precisamos de estudos estatisticamente significantes’’   

A presidente do Sindicato dos Odontologistas do Estado de Alagoas (Soeal) e especialista em periodontia pela Faculdade de Ciências e Letras – Unesp Araraquara, Giuliana Mafra, explica que os estudos recentes ainda não afirmam com certeza qual a verdadeira relação entre as doenças.

“Na verdade ainda não existe um estudo que comprove a relação de causa e efeito para afirmar com segurança que a doença periodontal vai influenciar na doença da Covid-19, mas de fato há estudos que sugere já que ambas são doenças que causam inflamação, talvez a periodontite possa exacerbar a Covid-19, levar o paciente para casos mais graves, mas nada 100% confirmado – até porque, a Covid-19 é uma doença muito nova e poucos  estudos estatísticos estão sendo feito ainda’’, comenta Mafra.

Giuliana lembra que pacientes com doenças inflamatórias, com comobirdades como diabetes ligados a doença periodontal pode agravar os sintomas da Covid-19, mas não existe estudo 100% estatísticos que relacione a causa e efeito.

“Há uma relação estreita, mas temos que ter fatos que comprovem. Tudo deve ser baseado em fatos comprovados cientificamente de forma robusta, por isso não podemos afirmar uma vez que os estudos estão ainda muito rudimentares’’.

A especialista ainda cita que não apenas a doença periodontal, mas existe outros sintomas na cavidade oral que podem ter ligação com a Covid-19, assim como em nascimentos de bebês de baixo peso tem relação com a periodontite. “Ou seja, isso tudo nos levar crê que tem ligação direta, mas temos que aguardar estudos robustos’’.

ESTUDO OBSERVACIONAL TRANSVERSAL

O professor de Anatomia Humana Descritiva e Topográfica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Mestre em Clínica Odontológica e doutor Ciência da Saúde, Fernando José Camello de Lima, também participou como colaborador de um estudo ainda não publicado que relaciona ambas as doenças, o autor principal do estudo é o pesquisador professor Thadeu Roriz do estado de Sergipe – o estudo buscou avaliar a associação entre doenças periodontais e a gravidade da infecção por Covid-19, no qual os pacientes foram examinados periodontalmente no hospital, foi observado que homens com periodontite tinham seis vezes mais chances de precisar de ventilação mecânica que homens com saúde periodontal, não sendo possível confirmar a mesma relação para mulheres ou para os casos de pessoas com gengivite.

Fernando Camello explica ainda que a relação entre as doenças está associada com uma possível resposta imunológica exacerbada, refletida na produção de citocibas inflamatórias, presentes nas doenças periodontais e também presente na Covid-19 provocando a perigosa "tempestade de citocinas", por isso, é plausível entender que as doenças periodontais, muitas vezes presentes nos pacientes de forma assintomática por muitos anos, possam contribuir com um papel coadjuvante no agravamento da Covid-19.

Ouça os áudios abaixo:  

Camello conta que o estudo será publicado na Europa no do periódico Journal Clinical Periodontology. Os dados deste estudo são de pacientes que já foram tratados, por isso são dados que geraram um estudo "retrospectivo", e o diagnóstico periodontal destes pacientes se baseavam apenas em imagens radiografias (inadequado método diagnóstico quando usado isoladamente), por isso, e também pelo próprio fato do estudo ser de caso-controle, com vieses intrínsecos importantes na seleção da amostra, um estudo assim não é suficiente para determinar uma robusta evidência científica, entretanto traz para a comunidade científica, médicos, dentistas e população em geral a importância em se manter uma boa saúde periodontal’’, explica o especialista.