Saúde

Suplementação da dieta de boi com selênio diminui colesterol na carne

O estudo foi apresentado no 26º Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos (CBCTA)

Por Agência FAPESP 20/08/2018 09h19
Suplementação da dieta de boi com selênio diminui colesterol na carne
Reprodução - Foto: Assessoria
Presente em alimentos como a castanha-do-pará e em menores quantidades na farinha de trigo e na carne bovina, o selênio pode reduzir o colesterol – o tipo de gordura que em excesso no sangue aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), campus de Pirassununga, constataram que a suplementação da dieta de bovinos de corte com diferentes níveis e fontes do mineral diminuiu a produção da enzima que regula a síntese do colesterol no sangue e na carne dos animais. Resultado de um projeto apoiado pela FAPESP e do trabalho de doutorado de Janaína Silveira da Silva na FZEA-USP, o estudo foi apresentado no 26º Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos (CBCTA). O evento foi realizado de 13 a 16 de agosto em Belém (PA). “Não havia relatos na literatura científica sobre o efeito direto do selênio na enzima do colesterol, a HMG-CoA redutase, em animais. Em humanos, até então só tinham sido observados efeitos indiretos, como a atividade e a expressão gênica da enzima. É a primeira vez que se constatou que o mineral é capaz de diminuir a produção dessa enzima”, disse Marcus Antonio Zanetti, professor da FZEA-USP e coordenador do estudo, à Agência FAPESP. O grupo de pesquisadores da FZEA-USP, sob coordenação de Zanetti, tem realizado trabalhos com o intuito de avaliar o efeito da suplementação da ração de bovinos com selênio na concentração de colesterol no sangue e na carne dos animais. Em um estudo feito em 2014 eles comprovaram que a suplementação da ração de bois da raça nelore com uma dose elevada de selênio orgânico durante um período de três meses de engorda diminuiu o colesterol no sangue, na carne dos animais e de um grupo de pessoas que consumiram o produto. As análises laboratoriais e estatísticas de amostras do fígado dos animais indicaram que a suplementação da dieta com selênio aumentou a quantidade do peptídeo glutationa oxidase (GSSH) e diminuiu a concentração da glutationa reduzida (GSH). Essas alterações na dosagem das duas glutationas, que inibem a ação da HMG-CoA redutase, provocaram uma redução na síntese do colesterol (leia mais em http://agencia.fapesp.br/18480). “Apesar de observarmos o efeito do selênio na redução do colesterol em bovinos nesse estudo anterior, até então não tínhamos conseguido avaliar os efeitos de diferentes níveis e fontes do mineral no colesterol e nas glutationas oxidada, reduzida, peroxidase e na HMG-CoA redutase conjuntamente”, disse Zanetti. “Além disso, nos experimentos anteriores usamos somente doses altas de selênio. Queríamos verificar se doses mais baixas do mineral também poderiam atuar na redução do colesterol”, explicou. Os pesquisadores suplementaram a ração de 63 novilhos nelore, confinados durante 84 dias em baias individuais, com selênio inorgânico (proveniente de selenito de sódio) e selênio orgânico derivado de Alkosel 3000 – uma fonte de selênio orgânica baseada em levedura inativa enriquecida com selênio. Os animais foram divididos em sete grupos, com nove animais por tratamento. Três grupos de animais receberam a dieta, baseada em silagem e grão de milho, além de farelo de soja, com concentrações de selênio orgânico de 0,3 miligrama por quilo de ração (mg/kg), 0,9 mg/kg e 2,7 mg/kg, respectivamente. Outros três grupos de animais tiveram a ração suplementada com selênio inorgânico também com essas respectivas concentrações. Um grupo de animais não recebeu suplementação de selênio. Amostras de sangue dos animais foram colhidas mensalmente até serem abatidos, passado o período de três meses da fase de engorda. As análises das amostras de sangue revelaram que a suplementação tanto de selênio orgânico como inorgânico, independentemente do nível, reduziu em até 32,7% a concentração da enzima HMG-CoA redutase no sangue dos animais em relação aos que não tiveram a dieta suplementada com o mineral. Além disso, aumentou a concentração das glutationas peroxidase e oxidase. Os maiores efeitos de redução da concentração do colesterol foram observados com a suplementação com os níveis mais elevados de selênio. “Todos os níveis de selênio que suplementamos [de 0,3 mg/kg de ração, 0,9 mg/kg e 2,7 mg/kg] foram abaixo do nível máximo recomendado de suplementação em dieta para gado nelore”, disse Zanetti. Alternativa às estatinas De acordo com Zanetti, até então uma das explicações vigentes para a redução do colesterol pelo selênio era que o mineral provoca a diminuição da concentração da glutationa reduzida – que é usada como substrato para ação da enzima HMG-CoA redutase – e o aumento da glutationa oxidada, que inibe a atividade da HMG-CoA redutase. Outra explicação era a de que o selênio é importante para a síntese dos hormônios da tireoide, que têm como uma de suas funções regular o nível dos receptores LDL (colesterol ruim) responsáveis pela manutenção do colesterol no sangue. “Comprovamos, com a análise da HMG-CoA redutase, que a suplementação com o mineral na dieta de bovinos também é capaz de reduzir a concentração dessa enzima que sintetiza o colesterol e causar a diminuição desse tipo de gordura no sangue e na carne desses animais”, disse o professor da FZEA-USP. Na avaliação do pesquisador, os resultados do estudo indicam que a suplementação de selênio pode ser uma alternativa às estatinas – os fármacos mais usados hoje no tratamento da hipercolesterolemia (aumento da concentração de colesterol no sangue) ao inibir a enzima HMG-CoA redutase. Uma vez que o selênio diminuiu o colesterol por um mecanismo diferente – de diminuição da produção da HMG-CoA redutase –, a suplementação do mineral poderia ser uma alternativa para substituir ao menos parcialmente as estatinas, que causam vários efeitos colaterais, apontaram. “Mas não sabemos se o mesmo efeito que observamos nos animais ocorre em humanos, apesar de a via metabólica do colesterol ser a mesma nos dois casos”, disse Zanetti.