Saúde
Pesquisa aponta indícios do vírus Zika no estado de Alagoas a partir de 2014
Usando dados da internet, estudantes desenvolveram projeto que venceu concurso internacional
A parceria entre um estudante alagoano e dois estudantes da Austrália extrapolou continentes e ganhou destaque internacional. É que uma pesquisa realizada por eles, utilizando dados da internet, aponta que o Zika Vírus pode estar em circulação desde 2014 no Brasil. O projeto venceu um desafio que envolveu estudantes de todo o mundo.
Gadyan (nome de origem aborígine) ou Guardião (em português), como o programa é chamado, empregou uma combinação de informações dos bancos de dados do Google Trends, Wikipedia e Twitter. O resultado demonstra que antes do período epidemiológico registrado oficialmente pelas autoridades, fim de 2015, brasileiros teriam apresentado sintomas da doença. É o que explica Luan Henrique Simões de Almeida, estudante de Ciência da Computação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que desenvolveu o trabalho.
“Com o software a gente observou que dava pra ter identificado a doença antes de ter o surto. Que surgiram sinais nos três últimos meses de 2014 e três primeiros de 2015. Nós estabelecemos palavras-chave relacionadas à doença e aplicamos nas pesquisas feitas no Google e Wikipédia e comentários e postagens do Twitter, aí que conseguimos identificar que a busca ou descrição dos sintomas começou antes do período oficial”, diz.
Luan Almeida e outros dois estudantes, Jitendra Jonnagaddala, de doutorado em saúde pública, e Sean Batongbacal, de Ciência da Computação, ambos da University of New South Wales (UNSW), ou traduzido para o português, Universidade de Nova Gales do Sul, instituição educacional localizada na Austrália, foram responsáveis pelo feito.
Luan de Almeida conta que amizade entre eles surgiu em congresso (Foto: Sandro Lima)
O estudante conta que a primeira etapa do projeto, que consistiu em mapear o possível surto anterior, demorou oito meses para ser concluída. Eles fizeram a pesquisa com dados entre 2013 e 2016. No entanto, só conseguiram respostas em relação à Zika a partir do último trimestre de 2014.
“O desafio era para que fosse desenvolvida uma ferramenta computacional (um software ou sistema) que pegaria dados das redes sociais (Facebook, Twitter) para prever surtos de doenças. A ferramenta deveria ser melhor que os métodos convencionais”, conta.
A parceria entre os estudantes começou em 2015 a partir de um congresso acadêmico em São Paulo, quando Luan conheceu Jitendra.
“Em 2015 eu fui para São Paulo apresentar um trabalho e acabei conhecendo um cara de Singapura [Jitendra] que é da UNSW. Ele gostou do meu trabalho e até me convidou pra fazer mestrado e doutorado lá. Aí o congresso acabou e o contato ficou. Quando surgiu a competição da UNSW, ele me chamou pra fazer parte do time. Foi quando ele me apresentou ao outro integrante, da mesma instituição, o Sean Batongbacal”, detalha.
“Temas atuais aproximam ciência da população”
Para André Lage, professor do Instituto de Computação e coordenador de pesquisa da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (Propep) da Ufal, o assunto desperta curiosidade da população, aproximando ciência e sociedade.
“Isso aproxima a produção científica da sociedade. De certa forma, fica mais fácil para o público, não é regra, mas fica mais fácil de ser compreendido. Quando pesquisadores de áreas diferentes querem desenvolver um trabalho juntos, eles precisam explicar um ao outro, e isso faz o pesquisador sair da zona de conforto. Você precisa articular áreas distintas para conseguir fazer uma contribuição, avançar na fronteira do conhecimento. A contribuição tende a ser mais entendível para o público leigo, naturalmente”, expõe.
André Lage avalia como positivo uso da tecnologia atrelado à saúde (Foto: Ascom/Ufal)
Sobre a pesquisa de Zika, Lage afirma que pode ser trabalhada em diversas frentes, inclusive em um problema factual: a incidência de grandes volumes de chuvas nos últimos dias em Alagoas.
“Utilização de redes sociais, processamento de dados para extrair informações para um problema, as pessoas fornecendo informações e dados. É um trabalho de pesquisa muito interessante e pode ser usado para cruzamento de outras ferramentas. Uma intersecção com a nossa realidade, a gente poderia pegar dados dessas redes sociais e cruzar informações para entender quais as áreas mais iminentes de deslizamento de terra, por exemplo.”, analisa.
A ciência de dados, como explica o coordenador, é uma área de grande potencial. Para ele, as ferramentas disponibilizadas atualmente são como a eletricidade há cem anos, de enorme potencial, porém ainda desconhecido.
Ainda segundo o coordenador, a chance de sucesso de trabalhos como este é grande, pois utiliza algoritmos ou padrões, adaptáveis e precisos.
“Têm muitos algoritmos que são muito precisos, quando bem adaptados e conseguem diferenciar até as expressões fora do contexto. Quando temos algoritmos mais adequados para um determinado tipo de problema que você está trabalhando, quando você consegue o algoritmo certo para trabalhar na abordagem do problema, a chance de sucesso, aumenta. Não há como ter certeza em previsão, mas existem algoritmos com a precisão extremamente alta”, esclarece.
Infectologista diz que faltam informações do período
Para a infectologista do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), Margareth Monteiro, faltam dados sobre o assunto no período, até por se tratar de uma epidemia considerada novidade no país. Para ela, a pesquisa aponta para a realidade.
“A gente não tem estatísticas dos quadros infecciosos de 2014. Eu trabalho numa emergência, onde é o relógio das epidemias. Mas nunca foi feito um levantamento naquele momento para identificar isso. Eu não tenho como afirmar, mas era tudo muito novo. A gente no dia a dia termina passando e pode ter acontecido isso”, afirma a médica.
Segundo Margareth, no aparecimento da doença, a falta de informações precisas dificultava o diagnóstico, o que atualmente, não tem sido problema nas unidades de saúde, visto que já há um entendimento médico e testes que detectam com rapidez a doença.
“Hoje em dia a gente tem muitas maneiras de acompanhamento. Depois das coisas esclarecidas se torna mais fácil para este tipo de patologia, mas muitas passaram despercebidas até saber de fato o que era. Quando a gente vem alertar para alguma coisa é porque já tem passado algum tempo. Os quadros começam e quando as coisas são ampliadas é que são tidas como concretas. Mas eu acredito que isso já vem de certo tempo, mas de forma isolada, são ciclos periódicos”, avalia a infectologista.
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), os números de Zika em Alagoas são imprecisos, pois apesar de ter sido neste período que os casos começaram a se alastrar, os testes de detecção ainda não eram disponibilizados no Estado. Muitos registros foram computados apenas no ano seguinte.
Em 2015, a Sesau registrou 272 casos. Já em 2016, foram 8.026. Este ano, houve redução significativa, foram 27 em todo o estado, de janeiro a abril. Uma redução de 98% em relação ao mesmo período do ano passado. No começo de maio, o Ministério da Saúde retirou a classificação de risco emergencial de Zika.
Estudante é convidado a participar de pesquisa
Outra pesquisa na área da computação sobre o Zika Vírus está em andamento no estado desde abril. Coordenada pelo professor da Ufal Baldoíno Fonseca, o trabalho agora conta com a presença do estudante Luan Almeida para reforçar o time.
“A pesquisa é super importante porque responde algumas questões e nesse ponto vai ajudar muito a nossa porque justamente faz uma análise em uma rede social, que é o trabalho que também vamos desenvolver. A ferramenta que eles usaram não está disponível, então não podemos simplesmente incorporar, mas temos o Luan como uma experiência que agora faz parte do projeto.”
Segundo Baldoíno, o surto de Zika levou a uma preocupação constante e serviu como incentivo para a produção de tecnologia aplicando técnicas consideradas por ele como ‘grandes desafios da computação’”.
“No projeto nós vamos utilizar duas técnicas da computação. A mineração de dados vai ajudar principalmente a analisar melhor as informações disponíveis em redes sociais, disponíveis por órgãos públicos de maneira que possamos analisar de forma precisa. E a gamificação, que usa técnicas de jogos para motivar as pessoas, levar a população a ajudar e combater o Zika. A gente sabe que quem vai fazer a diferença é a população. É ela quem assume o grande papel. Como motivá-la? Orientá-la para que ajudem de forma efetiva”, explica.
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