Roteiro cultural

Livro traz história de jornal comunista

Veículo “A Voz do Povo” tem trajetória contada sobre circulação durante 18 anos, apesar das dificuldades financeiras

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / com assessoria 14/05/2025 08h26
Livro traz história de jornal comunista
PCB em Alagoas conseguiu manter jornal em circulação; caso é narrado pelo historiador Geraldo de Majella - Foto: Divulgação

Um dos poucos veículos de imprensa voltados aos interesses da classe trabalhadora, o jornal A Voz do Povo, mantido pelo Partido Comunista Brasileiro (PDB), circulou por quase vinte anos em Alagoas, desafiando as elites e a censura imposta pelos governos conservadores.

A trajetória de luta do combatente semanário é contada com maestria pelo historiado e jornalista Geraldo Majella, no livro ‘A Voz do Povo – A história do jornal que sobreviveu à violência de governadores, formou profissionais e provocou a fúria da elite de Alagoas’.

Nascido no município alagoano de Anadia, em 1961, Geraldo Majella já exerceu diversos cargos públicos nas administrações municipal de Maceió e estadual de Alagoas. Na próxima segunda-feira (19/5), ele lança esse seu décimo segundo livro, às 19 horas, no Armazém Guimarães, em Maceió.

A obra inaugura as publicações da recém-criada Câmara de Estudos Políticos da Vice-Governadoria, coordenada pelo vice-governador Ronaldo Lessa (PDT), que esta semana assumiu internamente o governo de Alagoas, na ausência do governador Paulo Dantas (MDB), que se licenciou do cargo.

TRAJETÓRIA

O livro registra a história do jornal A Voz do Povo, semanário fundado em 1º de maio de 1946 e destruído em 1º de abril de 1964, com o golpe militar. Durante 18 anos, o jornal sobreviveu a dificuldades financeiras, limitações técnicas e à escassez de pessoal para manter em circulação um dos poucos veículos de imprensa voltados aos interesses da classe trabalhadora.

Para Majella, o jornal teve papel decisivo na formação de profissionais da imprensa e na difusão de ideias progressistas. “A redação era uma escola onde alfaiates, sapateiros e estudantes aprendiam a trabalhar como jornalistas”, recorda Majella.

Segundo ele, dois exemplos citados no livro são o sapateiro Renalvo Siqueira e o alfaiate Humberto Lins. “Eles atuavam como setoristas — no jargão da profissão, os responsáveis por cobrir diariamente os trabalhos da Câmara Municipal de Maceió e da Assembleia Legislativa —, com profissionalismo e consciência política”, destacou o autor.

Ele relata que o semanário contava com colaborações regulares de militantes de base do Partido Comunista, que abasteciam a redação com informações vindas dos bairros operários, das fábricas têxteis, das escolas, da zona portuária de Maceió e também do interior de Alagoas.

REDAÇÃO

A redação era formada por jovens militantes do PCB ou simpatizantes, na segunda fase do jornal, a partir de 1950, como Murilo Gameleira Vaz, Tomislav Rodrigues Femenick, Nilson Amorim de Miranda, Laudo Leite Braga, José Alípio Vieira Pinto, Rubem Monteiro de Figueiredo Ângelo, Gabriel Freitas Soares, Valter Pedrosa, José Casado Silva, Luiz Nogueira Barros, Dirceu Lindoso, Cyro Casado Rocha, Dalmo Guimarães Lins, Nelito Nunes de Carvalho, entre outros.

Majella relata ainda que Rubem Ângelo e Gabriel Freitas Soares mantinham colunas semanais sobre direito trabalhista e previdenciário. “Esses temas não apareciam nos jornais diários por um motivo muito claro: não interessava à elite despertar nos trabalhadores a consciência de seus direitos. A Voz do Povo foi pioneira nesse aspecto, vendida de mão em mão nas portas de fábricas e nos bairros operários”, explicou o historiador.

A obra, segundo ele, também reconstitui os momentos mais críticos enfrentados pelo jornal, incluindo a repressão policial.

“O jornal teve três diretores conhecidos. Após André Papini ser forçado a deixar Alagoas, em 1948, perseguido pelo então governador Silvestre Péricles, não se sabe quem o substituiu até 1951 — pelo menos não há registros. Nesse ano, Osvaldo Nogueira assume a direção. A partir de 1954, o jornalista Jayme Amorim de Miranda, que já fazia parte da redação, passa a ser o diretor responsável, permanecendo no cargo até abril de 1964, quando o jornal foi destruído com o golpe militar”, revelou Majella.

Durante os anos de perseguição política, o jornal continuou a circular. Foi impresso em gráficas clandestinas em Alagoas e contou com a solidariedade dos comunistas de Pernambuco. Nesse período, ‘A Voz do Povo’ era montado na redação da ‘Folha do Povo’, em Recife, e distribuído clandestinamente em Alagoas. “Era quase uma epopeia o jornal circular”, enfatizou Majella.

De acordo com o autor, do combativo semanário restam apenas 51 exemplares de anos esparsos no Arquivo Público de Alagoas (APA), o que muito dificulta a pesquisa sobre o tema e torna impossível recuperar determinados detalhes da história do jornal com base em documentos.

“A minha intenção, como historiador, é fazer mais do que um resgate histórico — é prestar uma homenagem à imprensa operária, aos militantes anônimos, aos gráficos e tipógrafos, aos colaboradores que escreviam sem receber salário e trabalhavam voluntariamente. Passados 79 anos de sua fundação e 61 anos de sua destruição, há uma história de dignidade e luta a ser escrita e reverenciada”, concluiu Majella.