Política

Cangaceiro Gato é condenado em Piranhas

Episódio ficou conhecido como a “Invasão de Piranhas”, ocorrida em 1936, do mais cruel cangaceiro de Lampião

Por Claudio Bulgarelli / Sucursal Região Norte 13/05/2025 08h48 - Atualizado em 13/05/2025 13h29
Cangaceiro Gato é condenado em Piranhas
Júri do Cangaceiro Santílio Barros, o Gato, mobilizou a cidade de Piranhas no fim de semana com mais de 300 pessoas no evento - Foto: Edilson Omena

Era 29 de outubro de 1936, uma quinta-feira, quando Santílio Barros, o “Gato”, conhecido como o mais cruel cangaceiro do bando de Lampião, entrou em Piranhas, cidade alagoana às margens do Rio São Francisco, ao lado de seu amigo Corisco, e mais 22 outros cangaceiros, num dos episódios mais sangrentos da história do cangaço, que ficou conhecido como a Invasão de Piranhas.

O motivo da invasão foi a tentativa de resgatar sua companheira, Inacinha, que havia sido capturada pela volante, uma esquadra militar, do tenente João Bezerra, durante um combate na fazenda Picos, perto de Piranhas, dias antes.

Inacinha, que estava grávida, saiu ferida no combate, levando um tiro nas nádegas e saindo no abdômen. Por muita sorte, a criança não foi ferida. A invasão de Gato à cidade de Piranhas foi um ato de vingança, pois ele estava inconformado com a ação da volante, mas, sobretudo, por terem levado Inacinha.

Cangaceiro Gato foi representado pelo ator Hernandes Teles, de Juazeiro (Foto: Edilson Omena)

Assim, Gato pede ajuda a Corisco, que mesmo a contragosto, por considerar arriscada a empreitada uma vez que Piranhas era sede da volante, resolve acompanhá-lo na empreitada de resgate de Inacinha, e organiza o ataque.

No trajeto, Gato sai disseminando a morte, sendo responsável por 11 assassinatos de moradores, entre eles estavam Abílio, Messias, Manuel Lelinho e Antônio Tirana, além de ter feito um refém, o jovem João Seixas Brito, de 15 anos. João jurou que não havia policiais na cidade, mas ao romper o som dos primeiros disparos, ocasionados pelos poucos moradores que se negaram a fugir, foi barbaramente assassinado. A data se tornaria, para algumas famílias, uma lembrança dolorosa.

Promotor Frederico Monteiro em entrevista à Tribuna sobre o júri épico (Foto: Edilson Omena)

A história da Invasão no município de Piranhas

Depois da prisão de sua amada Inacinha, pelo tenente João Bezerra, das mortes ao longo caminho e a invasão da cidade, Gato foi ferido depois do ataque, e morreu 3 dias depois da invasão. Na verdade, Inacinha, depois do combate da fazenda Picos, quando foi capturada pelas forças de João Bezerra, não foi conduzida para Piranhas, local onde morava o próprio João Bezerra, como imaginavam os cangaceiros. Ela foi levada para a localidade de Olho d’Agua do Casado, só chegando a Piranhas presa, à noite, quando o ataque já havia terminado. E a história de Inacinha continuou. Depois desse episódio viria a se casar justamente com um soldado da volante de Piranhas.

Já sobre o cangaceiro Gato cai o estigma de ter sido o mais perverso dos homens a pisar as fileiras do cangaceirismo. No passado já tinha participado do massacre a Brejão da Caatinga (BA), em 4 de julho de 1929, quando quatro soldados e um cabo da polícia baiana foram mortos; do assalto a Queimadas (BA), em 22 de dezembro de 1929, quando sete praças da polícia baiana foram barbaramente assassinados e da invasão a Mirandela, distrito de Pombal, também em 1929, onde morreram dois civis e um soldado.

Inacinha, uma das principais personagens do episódio em Piranhas, foi representada pela atriz Monique Paulino, de Petrolina (Foto: Edilson Omena)

Gato, como Inacinha, era descendente dos Índios Pankararé, que habitavam o Raso da Catarina, na Bahia. E foi no centro do Raso da Catarina, na tribo dos Pankararé, que os índios, admirados diante do impacto causado pela ostensividade e profusão de cores das vestimentas dos cangaceiros e mais ainda, fascinados pela exuberância dos aparentes cordões de ouro, dos anéis e alianças, sem contar os abarrotados bornais recheados de dinheiro, além das realizações dos permanentes bailes e tanto ainda pela liberdade do livre transitar, sem serem presos às duras rotinas diárias, cederam aos encantos da nova vida e vergaram sobre seus corpos as vestimentas inconfundíveis, trazidas por Lampião.

A esse mundo diferenciado, índios Pankararé entregaram-se em boa quantidade a vida do cangaço. Os mais famosos a participarem do cangaço foram Gato e Inacinha.

O Júri Épico, que nasceu com o objetivo de trazer o direito para um ambiente mais acessível e interessante, permitindo que o público veja como seriam os julgamentos de figuras históricas sob uma perspectiva contemporânea, mas também artística e cultural, já teve duas outras edições em Alagoas. Em 31 de outubro de 2019, a Rede Centro Universitário UniFTC movimentou a história com o júri popular de Lampião, o Rei do Cangaço, também em Piranhas. Naquele primeiro Júri Épico, Lampião foi absolvido. Em 2024, o segundo Júri Épico, também em Piranhas, absolveu Corisco.

Deputado e historiador Inácio Loiola participou do Júri Épico (Foto: Edilson Omena)

Historiador joga luz sobre episódio

E foi para dar mais luz a esse episódio histórico, que o pesquisador e professor da UniFTC (Centro Universitário UniFTC), anteriormente conhecida como Faculdade de Tecnologia e Ciências, de Salvador, Anderson Wagner, idealizador do evento Júri Épico, teve a ideia de ilustrar julgamentos de personagens do passado sob uma ótica acadêmica na atualidade, mas também artística, filosófica, antropológica e teatral.

E no último fim de semana, a cidade de Piranhas reviveu parte desse passado com o evento Júri Épico, o julgamento do Cangaceiro Gato sobre a Invasão de Piranhas, para um público de mais de 300 pessoas, no Auditório do Instituto Federal de Alagoas (Ifal).

No evento, houve a composição do júri, sorteio dos jurados, leitura da denúncia, inquirição das testemunhas de acusação, inquirição das testemunhas de defesa, uma delas a própria Inacinha; representada pela atriz Monique Paulino, de Petrolina; a inquirição do réu; o cangaceiro Gato, personagem do ator de Juazeiro Hernandes Teles; debates em plenário da acusação e defesa, a sala secreta e, por fim, a sentença.

Participaram do evento, como advogados de defesa, Jean Severo, famoso por ter atuado na defesa das vítimas do incêndio da boate Kiss, advogado criminalista com mais de duas décadas de carreira, professor de Direito Penal e Processo Penal e Mestre em Ciências Criminais; Raimundo Palmeira, mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e advogado criminalista; e Leonardo Moraes, professor e advogado criminal e ex-secretário geral da OAB/AL.

Outro que participou do evento foi o deputado Inácio Loiola, que também é historiador e destacou o episódio: “É importante saber que Inacinha depois desse episódio viria a se casar justamente com um soldado da volante de Piranhas. Assim que os cangaceiros entraram na cidade, o delegado Cipriano Pereira e mais oito soldados fugiram deixando os moradores desguarnecidos. Os populares tiveram que suprir a falta dos “Homens da Lei”. Formaram-se poucos grupos de resistência e entre alguns dos habitantes que lutaram estava Cira Brito, esposa do tenente João Bezerra”.

Do lado acusatório estavam o advogado Frederico Monteiro, que é promotor de Justiça da Promotoria de Justiça de Delmiro Gouveia, e Welton Roberto, advogado criminalista e PhD em Justiça Penal, pela Universidade de Pavia, na Itália.

E no final de dois dias intensos de encenação teatral, Santílio Barros, o “Gato”, foi condenado por 4 votos a 3.

O juiz que deu a sentença foi Yulli Rotter.