Política

Alagoas tem quatro municípios com irregularidades

Controladoria Geral da União apresenta detalhadamente inconsistências em cidades do Agreste e do Sertão

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 25/02/2025 07h45 - Atualizado em 25/02/2025 11h25
Alagoas tem quatro municípios com irregularidades
Municípios figuram com mais de 60% das matrículas de EJA com frequências não comprovadas - Foto: Assessoria

A Controladoria Geral da União (CGU) divulgou na última quinta-feira (20), um relatório de avaliação sobre os dados do Censo Escolar declarados pelos municípios no exercício de 2022. No documento, é levantada a possibilidade de fraude em relação ao número de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA). A pesquisa foi feita por amostragem, e foram visitados 35 municípios, em 13 estados diferentes. Em Alagoas, participaram os municípios de Girau do Ponciano, Olho D’Água Grande, Lagoa da Canoa e Cacimbinhas, cidades localizadas no Agreste e Sertão alagoano, respectivamente, todas apresentaram irregularidades.

O próprio documento explica a razão da CGU investigar. “O Censo Escolar é uma das principais fontes de informação para a União promover suas políticas públicas para a educação básica, bem como é a base para os repasses federais aos entes subnacionais e para os rateios do Fundeb e do Salário-Educação, que somaram cerca de R$300 Bi, em 2023”. Nos quatro municípios alagoanos inseridos na investigação, há uma proporção de 21,55% das matrículas na EJA nas redes dos municípios, ou seja, um volume significativo dos recursos vem desse segmento.

Em uma simulação feita para exemplificar a materialidade das transferências indevidas decorrentes dos registros incorretos de matrículas no Censo Escolar, sem pretensão de identificar os valores exatos transferidos a maior, o relatório recalculou a distribuição dos recursos do Fundeb (impostos e transferências locais e complementação - VAAF) e do Salário-Educação, que impactam negativamente os demais entes subnacionais de cada estado, assim como por apurar os valores indevidos transferidos por meio do Programa Nacional da educação (PNAE), que onera indevidamente a União.

“Em relação às matrículas da EJA em duplicidade – mesmo aluno registrado em turma EJA regular e turma FIC integrada –, se estimará o impacto dos valores recebidos a maior em 2023 pelos municípios alagoanos de Girau do Ponciano, Olho D’Água Grande e Lagoa da Canoa. Tal impacto na distribuição dos recursos será evidenciado para o valor do Fundeb estadual, da complementação VAAF [do Fundeb], do Salário-Educação e do PNAE”.

Os quatro municípios alagoanos figuram com mais de 60% das matrículas de EJA com frequências não comprovadas. Na simulação feita pela CGU, isso significa que, considerando apenas os municípios alagoanos participantes do levantamento, foram transferidos indevidamente R$ 28.483.815,96.

Observando as quantidades de matrículas da EJA para as primeiras 5 maiores redes municipais em oferta dessa modalidade no país, Girau de Ponciano está na 3ª posição, ao lado de 4 capitais. Lagoa da Canoa e Cacimbinhas aparecem mais à frente na lista com percentuais altos de matrículas da EJA comparados com o total da educação básica.

CGU apontou problemas e indicou até fraudes nas matrículas (Foto: Divulgação)

Para chegar ao relatório, foi feita uma ampla pesquisa comparando com outros dados oficiais.

“Por meio de cruzamentos de dados realizados à época no âmbito da referida auditoria, identificaram-se, em municípios específicos, indícios de inconsistências nas quantidades de matrículas da educação básica. As quantidades declaradas de matrículas, classificadas por etapas [infantil, fundamental e médio] e modalidades [integral, EJA, especial, profissionalizante] de ensino, foram comparadas entre si e com dados do Censo Populacional do IBGE, de forma a serem identificados padrões de atendimento das populações pelas redes de ensino”.

CGU: alunos confirmam não terem matrícula na rede municipal

De acordo com o relatório da Controladoria Geral da União (CGU), Alagoas aparece com destaque em todos os critérios apresentados. Girau do Ponciano, em especial, tem os exemplos mais graves. Por exemplo, nas entrevistas presenciais, que foram realizadas com um total de 486 alunos, responsáveis, pais ou outros familiares, foram encontrados casos de alunos que não efetivaram em 2022 as matrículas para estudarem nas redes públicas municipais de ensino.

Nesse quesito, Girau do Ponciano, Olho d’Água Grande e Lagoa da Canoa apresentaram inconsistência. Pelo menos 2 pessoas em cada cidade não confirmaram matrícula.

Nominalmente, o município de Girau do Ponciano é mencionado com mais suspeitas. “No estado de Alagoas, identificaram-se alunos registrados no Sistema EducaCenso em duas cidades diferentes [com anotação de frequência em ambas, mesmo as supostas turmas tendo os mesmos horários de aula]. Tal situação foi evidenciada para quatro alunos e envolve as redes municipais de ensino de Girau do Ponciano e Lagoa da Canoa. Desses alunos com registros de matrículas simultâneas em Girau do Ponciano e em Lagoa da Canoa, a equipe de fiscalização da CGU entrevistou três, e dois deles afirmaram não terem sido alunos da rede de ensino de Girau de Ponciano”.

Ainda de Alagoas, o relatório aponta problemas que sugerem fraude.

“Em Olho d’Água Grande entrevistou-se a mãe de matriculados na rede de ensino. Contudo ela informou que seu filho não foi aluno das turmas em que foi inserido [turma EJA regular e outra turma EJA FIC, integrada à educação profissional], visto que desde o ano anterior ele residia e trabalhava em outros estados. Portanto, foram geradas duas matrículas irregulares para essa pessoa. Cabe acrescentar que o diário de classe traz notas para ele durante todo o ano e ainda a informação de que ele prosseguiria estudando no ano seguinte. Ainda nas constatações referentes ao município de Olho d’Água Grande, tem-se que uma pessoa também afirmou em entrevista nunca ter estudado na EJA do ente [município] e acrescenta que não sabe como tiveram acesso a sua documentação. Ela aparece matriculada em turma EJA regular e outra turma EJA FIC, de modo que seriam duas matrículas irregulares. O diário de classe registra presenças e notas para essa aluna durante todo o ano”.

Alguns inscritos estavam até cumprindo pena

Outra situação observada pela Controladoria Geral da União (CGU), foram os casos de pessoas mortas constando como matriculadas nos municípios alagoanos de Girau do Ponciano e Olho d’Água Grande.

“Trata-se de pessoas cujo CPF consta como cancelado por óbito na base de dados da Receita Federal do Brasil, ou que apareceram em cruzamentos com as bases de dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, e cujo falecimento ocorreu até 2021. Como resultado das fiscalizações, foram identificadas 41 pessoas cadastradas no Censo Escolar de 2022, mas com registros de óbito em 2021 ou em anos anteriores”, aponta a CGU.

MENÇÃO

A menção aos municípios alagoanos é bem destacada.

“Girau do Ponciano foi o município que concentrou a maior parte dessas irregularidades, com a inserção de 19 pessoas já falecidas no Sistema EducaCenso – havendo registros identificados de óbitos ocorridos entre 2012 e 2021. Podem-se citar, então, os casos de supostos alunos falecidos em 22.11.2012 e 26.12.2017, cujos nomes foram inseridos em turmas EJA do Presídio do Agreste, localizado no mesmo município. É importante destacar que a irregularidade vai além da inserção de pessoas falecidas na base de dados do Censo Escolar, haja vista que também se registram presenças em sala de aula e até notas em provas para os supostos alunos”.

Há casos de “falecidos presentes” às aulas

O levantamento minucioso da Controladoria Geral da União (CGU), com base no relatório de avaliação do Censo Escolar declarados pelos municípios em 2022 seguiu apontando exemplos absurdos no município de Girau do Ponciano.

“Vale citar o caso de indivíduo falecido em 05.12.2021, que havia presença para ele em todo o ano, sem nenhuma falta, e ainda notas, constando que foi aprovado no ano de 2022. Outro caso identificado em Girau do Ponciano é o de indivíduo que faleceu em 10.11.2021, mas consta no Censo Escolar de 2022 e há registro de presença para ele até 05.08.2022. Também o falecido em 23.02.2019, matriculado indevidamente e que tem presenças e notas de supostas provas durante todo o ano e ainda aparece como aprovado no diário de classe da turma EJA, na qual foi inserido”, aponta a CGU.

Em Olho d’Água Grande também apresenta situação similar. “O caso detectado de aluno matriculado que faleceu em 07.09.2021, mas foi inserido, em 2022, em duas turmas da EJA [Educação de Jovens e Adultos], uma turma regular e outra turma EJA FIC [integrada à educação profissional], gerando irregularmente duas matrículas no Censo Escolar. Vale acrescentar que, além de ter sido inserido no Censo Escolar, os diários de classe trazem presenças e notas para o aluno em todo o ano de 2022”.

Outro critério das fiscalizações foram casos de alunos cadastrados no Sistema EducaCenso em anos, séries ou etapas de ensino já concluídas em exercícios anteriores. Mais uma vez, figuram Girau do Ponciano e de Olho d’Água Grande, nos quais foi constatada, mediante algumas entrevistas realizadas pela equipe de fiscalização, a inserção indevida na EJA – 1º segmento – de alunos que já tinham concluído o Ensino Fundamental I, o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio.

Em um dos critérios listados pela CGU no relatório, apenas Alagoas teve problemas. “Outra constatação observada em alguns dos municípios fiscalizados é o aumento de matrículas no Censo Escolar para uma mesma pessoa, a partir de pequenas variações nos nomes e/ou data de nascimento e/ou omissão do CPF quando do registro no Sistema EducaCenso”.

Cacimbinhas é citada negativamente. “É o caso de aluno de Cacimbinhas que consta matriculado duas vezes na mesma turma da EJA. Com a variação da grafia do nome, incluindo-se uma letra ‘L’ no nome original, e do ano de nascimento, a mesma pessoa aparece duas vezes na rede de ensino do ente. Cumpre acrescentar que há registros de presenças [100% de frequência] para essas duas matrículas no diário de classe do 4º bimestre de 2022 da turma da EJA, conforme comprovado na checagem ao sistema de gestão escolar do município (Sislame)”. Girau do Ponciano e Lagoa da Canoa são os outros municípios com problemas similares a esse.

DUPLICIDADE

Também exclusivo dos municípios alagoanos, há casos em que as prefeituras municípios efetivaram matrículas duplas para um mesmo aluno em turmas EJA regulares (sem articulação com uma qualificação profissional) e turmas EJA FIC (em articulação com uma qualificação profissional). Além disso, as matrículas em turmas EJA FIC foram registradas como curso FIC Integrado na modalidade EJA e não como curso FIC concomitante (que permitiria a duplicidade de matrícula). Isso aconteceu em Girau do Ponciano, Olho d’Água Grande e Lagoa da Canoa.

Já em relação à frequência escolar, o relatório considera que alguns municípios declaram número bom, mas não conseguem cumprir os requisitos comprovando isso.

Da análise realizada nos documentos escolares (diários de classe – físicos ou eletrônicos) dos entes municipais selecionados, tendo por base os dados do Censo Escolar de 2022, foram constatadas tanto matrículas declaradas no Censo Escolar referentes a alunos que comprovadamente (por documento de controle de frequência) deixaram de frequentar as aulas até a data de referência, quanto ausências ou inconsistências de documentos de controle de frequência dos alunos.

Nesse caso, os quatro municípios alagoanos que estão participando foram citados. São eles: Girau do Ponciano, Olho d’Água Grande, Lagoa da Canoa e Cacimbinhas.

CGU cobrou as justificativas sobre as irregularidades constatadas (Foto: Divulgação)

Controladoria expediu recomendação ao Ministério da Educação

A Controladoria Geral da União (CGU) finaliza o relatório recomendando medidas que precisam ser adotadas. Ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão do Ministério da Educação (MEC), a CGU destacou que é preciso aperfeiçoar os controles internos do Censo Escolar, especialmente quanto às matrículas de alunos sem controle de frequência ou em situação de abandono na data da coleta, e matrículas incompatíveis entre si, de um mesmo aluno, da Educação de Jovens e Adultos (EJA regular) e da profissionalizante.

De maneira alternativa, ressalta a CGU, existe a necessidade de ser formalizado um posicionamento com justificativas para a não adoção de controles adicionais na coleta de dados do Censo Escolar, tendo em vista as rotinas de controle estabelecidas.

Ao Ministério da Educação, a CGU propõe a revisão das práticas de gestão escolar das redes de ensino quanto ao controle de frequência dos alunos, a fim de mitigar eventuais novos desvios nas matrículas declaradas para o Censo Escolar. E que mantenha a articulação junto ao INEP para adequar o Censo Escolar e o SAEB à EJA, assim como avalie distinguir, em normativo próprio, a escolarização de jovens e adultos de práticas de assistência social e de saúde (também necessárias) assemelhadas a espaços de convivência.

No último domingo (24), uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo de Televisão, mostrou detalhadamente como o relatório da Controladoria Geral da União impactou diretamente os municípios alagoanos de Girau do Ponciano, Olho d’Água Grande, Lagoa da Canoa e Cacimbinhas.

Procurada pela reportagem, apenas a Prefeitura de Girau do Ponciano se manifestou. “Em nota, a prefeitura disse que vai abrir uma investigação interna para apurar eventuais irregularidades”.