Política

Xukurus-Kariris acreditam que Lula vai homologar a demarcação

Comunidade localizada em Palmeira dos Índios resiste em território e luta contra apagamento histórico e cultural

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 28/12/2024 09h10 - Atualizado em 28/12/2024 11h56
Xukurus-Kariris acreditam que Lula vai homologar a demarcação
Mano Tanawy, liderança Xukuru Kariri, relata que as dificuldades são antigas, que houve massacre ao seu povo e que alguns políticos são complicadores e travam a homologação da demarcação - Foto: Adailson Calheiros

Com a terra demarcada a pelo menos 11 anos, o povo Xukuru-Kariri segue lutando por uma homologação presidencial, que concluiria finalmente o processo e tornaria efetivo o direito previsto em constituição. Essa é uma situação comum a várias comunidades indígenas no país, mas o que mais chama atenção no caso da etnia que fica em Palmeira dos Índios, município localizado na região Agreste em Alagoas, é que ela foi incluída no pacote das primeiras 14 terras indígenas que teriam suas demarcações homologadas pelo governo de Lula (PT), mas alguns entraves políticos impediram que isso acontecesse até agora.

Em contato com a reportagem da Tribuna Independente, Mano Tanawy, liderança Xukuru Kariri, relata que as dificuldades são antigas.

“À época de Raposa Serra do Sol [homologada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009], tinham dois territórios para serem homologados, uma era Raposa Serra do Sol, e o outro era Xukuru Kariri, e por entrave político, por políticos do estado que têm muita força no país e conseguem segurar, a gente não conseguiu homologação. Se a gente vê na história política do Brasil, Alagoas, ela sempre foi o marco forte dentro da política nacional. Até por ser um estado pequeno, mas tem uma força política muito grande. Para nós, indígenas, nesse processo de demarcação, estão usando a política como um lado ruim com esse entrave”, declara.

Neste terceiro mandato como presidente da república, Lula se comprometeu a avançar com as homologações, mas os Xukuru-Kariri seguem sem desfecho. De acordo com as lideranças não há nenhum motivo legal para que isso não tenha acontecido ainda.

“É importante destacar que o território tradicional Xukuru-Kariri, teve a conclusão do processo de demarcação física, em 02/07/2013. Portanto, há diversas forças políticas pressionando para a não homologação da demarcação que já está concluída. A homologação é só mais um passo dentro do processo de demarcação. O território está demarcado e a Funai [Fundação Nacional do Índios], inclusive já pode iniciar os pagamentos das benfeitorias de boa-fé implantadas dentro da terra Xukuru-Kariri”, disse Gecinaldo Xukuru-Kariri, também em entrevista à Tribuna.

Segundo ele, há diálogo com as autoridades para tentar concluir o processo. “Há cobranças ao Governo Federal para o cumprimento do que determina a Constituição Federal. Não há nenhum impeditivo para a realização do ato homologatório e que está por trás são forças negativas políticas com interesses particulares. O povo Xukuru-Kariri tem articulado organizações da sociedade civil, órgão a exemplo da DPU [Defensoria Pública da União], MPF [Ministério Público Federal], universidades e parlamentares de outros estados, mas de forma tímida, por não ter condições de estar em Brasília fazendo essas mobilizações e articulações”.

Até o momento, está mantido o compromisso de Lula de homologar o território Xukuru Kariri, e as lideranças acreditam que vai acontecer. Ainda há uma possibilidade, ainda que remota, de acontecer nos próximos dias, já que a promessa do presidente seria resolver ainda esse ano. “Teve alguns territórios em que a política da região se colocou contrária, e o presidente Lula manteve. Ele disse ‘eu prometi que ia assinar, é justo assinar, e eu vou assinar e assinou’. Eu acredito que vai sair a homologação, mas sem prazo, agora eu acredito que ele não passa de fevereiro”, lembrou Tanawy.

Atualmente, ele afirma que conta com declarações favoráveis até do governador de Alagoas. “A gente já está articulando para que seja homologado com a desintrusão. O Governo do Estado, ele pediu para que entregasse para ele um plano de reassentamento, e quem faz esse plano não é a Funai e nem o governo federal. É o Incra. O governador Paulo Dantas se colocou dizendo que não tem nada contra a demarcação, ele entende o processo e sabe que o povo Xukuru Kariri tem direito, ele disse que não vai entrar com nenhum embargo e não compete a ele entrar com nenhum embargo judicial contra esse processo. O que ele queria era só que apresentasse esse plano de reassentamento aos pequenos posseiros, e esse plano é justamente a desintrusão. A palavra do governador é o que dá mais força ao povo Xukuru Kariri pela desintrusão imediata”.

À Tribuna Independente, a prefeitura de Palmeira dos Índios disse defender a solução pacífica dentro da legislação.

“A Prefeitura de Palmeira dos Índios reafirma seu compromisso com o diálogo e o entendimento como caminhos para solucionar questões tão sensíveis e importantes como a demarcação de terras indígenas. Reconhecemos a relevância do tema e defendemos que todas as discussões ocorram de forma respeitosa, transparente e em conformidade com a legislação vigente, sempre buscando o equilíbrio entre os direitos das populações indígenas, os interesses das comunidades locais e o desenvolvimento sustentável do município. Nossa gestão acredita que a união de esforços pode trazer soluções justas e pacíficas para todos os envolvidos”.

Construção de parque aquático em área demarcada é mais uma adversidade

Liderança da comunidade Xukuru Kariri, em Palmeira dos Índios, Mano Tanawy afirma que antes de existir o município, os indígenas já estavam na região, e o processo territorial é repleto de massacre aos direitos e há um conflito recente devido à construção de um parque aquático na área demarcada.

“O processo territorial do Xukuru Kariri é um massacre aos direitos, à Constituição Federal, que vem se arrastando ao longo desse tempo. Porque o povo Xukuru Kariri, que era dono de todo aquele território da cidade Palmeiras dos índios, ali a principal aldeia Xukuru Kariri era na cidade, e a gente foi expulso de lá, muitos morreram nessa invasão. E com o tempo depois o SPI [Serviço de Proteção Indígena], na época que antes da Funai [Fundação Nacional do Índio] foi quando colocou alguns índios que encontrou fugido, lá na Fazenda Canto que era localizada em um canto da cidade, onde não interferia naquela parte que estava se criando a cidade, na época. Os estudos da época deram como pertencentes aos Xukuru Kariri o território de 38 mil hectares de terra. E ao longo do tempo a gente vem nessa negociação para demarcação homologação com a desintrusão acontecer e a Xukuru Kariri só perdeu, porque depois dos 38 mil, baixou para 26, depois para 18.020, e agora para 7, e ainda não saiu”, contextualiza.

Lideranças indígenas destacam que a construção do parque aquático já foi alvo de ação judicial em Palmeira dos Índios (Foto: Divulgação)

Quanto à construção do parque aquático em área demarcada, já houve decisão da Justiça Federal impedindo o empreendimento, mas segundo Mano Tanawy, as obras estão avançando.

“Aquela questão do Parque Aquático é mais um jogo político para efetivação do marco temporal. A negociação de equipamentos, de grandes empresas dentro do território demarcado, e como o marco temporal não foi aprovado, eles começaram a utilizar esse meio político injusto. Porque é ilegal todo esse processo que fizeram no parque aquático. No início desse processo de parque aquático a gente entrou com ação junto com a Funai, o movimento indígena e o MPF e a DPU para proibir que a obra fosse iniciada. Na época tinha sido começado a escavação lá, mas não tinha construído nada ainda assim, eles desobedeceram à justiça, continuaram a obra que está a todo o vapor para que fosse inaugurada antes”, critica a liderança indígena.

Posseiros venderam terras à prefeitura

A construção de um debate que viabilize a homologação das terras indígenas dos Xukuru Kariri, em Palmeira dos Índios, na visão das lideranças que trataram sobre o tema com a reportagem da Tribuna Independente, existem figuras públicas da região promovendo conflitos entre a população da cidade e os indígenas.

O cenário hoje, destaca Gecinaldo Xukuru-Kariri, uma das lideranças, tem acontecido com frequência “o crime de incitamento ao ódio e à violência, promovidos por um ex-deputado estadual e um ex-secretário de Infraestrutura que atuou no Governo do Estado. São eles, segundo a liderança indígena: “Edval Gaia Filho e Adeilson Bezerra”. Até o fechamento desta edição, não conseguimos manter contato tanto com Edval Gaia quanto com Adeilson Bezerra. O espaço segue aberto, caso eles tenham interesse em falar se estão agindo para impedir os avanços na homologação das terras indígenas em Palmeira dos Índios.

“A terra demarcada está ocupada por posseiros, e uma parte dela chegou a ser comprada pela Prefeitura de Palmeira dos Índios e doada a empresários, que construíram um parque aquático no local e gerou embate jurídico ainda maior.

“O parque aquático é mais uma invasão no Território Tradicional Xukuru-Kariri. A mesma obra foi embargada pelo Ibama e determinado a suspensão das obras pela Justiça Federal”, disse Gecinaldo.

Para Mano Tanawy, liderança Xukuru Kariri, existe uma guerra de informações para que a população se posicione contra os indígenas. “Levam esta informação como se o povo Xukuru Kariri estivesse acabando com meio financeiro da cidade, e trazendo um desemprego, o que não é verdade. Todo esse tempo a gente vem sofrendo esses ataques, essa discriminação, se sentindo acuado, ameaçado dentro da cidade e muitas vezes a gente não pode sair da aldeia por conta dessa desinformação que é levada para toda a sociedade de Palmeira dos Índios”, completa.

Indígenas comentam que a população de Palmeira dos Índios está sendo incentivada a vê-los como contrários ao desenvolvimento da cidade (Foto: Cimi / Arquivo pessoal)

Mas, a liderança defende que houve má fé desde o início ao começar a obra do parque aquático no território demarcado.

“A todo momento a gente sabe que é um jogo político, é um jogo de valores político, não é um jogo de valor social e cultural. A gente tem conhecimento que o cartório é proibido de tramitar qualquer documento de compra e venda de qualquer território em área demarcada, ele é proibido por lei e o cartório lá de Palmeiras dos índios, ele fez a documentação de compra e venda desse território, a prefeitura comprou o território e doou para uma empresa fazer essa construção”, declarou em contato com a reportagem da Tribuna Independente.

Atualmente, há uma ordem de demolir o que foi feito até agora. “A gente conseguiu na justiça que fosse parado, eles não tinham uma licença do Ibama e a gente conseguiu parar mais uma vez. A construção está com mais de 90% finalizado, e a gente conseguiu mais uma vez com a DPU [Defensoria Pública da União] para que fosse parada a construção, não fosse feita a inauguração e eles têm uma ordem de demolir, porque eles usaram de má fé desde o início quando eles tinham a ordem da DPU e do MPF [Ministério Público Federal], a recomendação de não construir lá porque era território demarcado eles desobedeceram, então já gera como como uma construção, um processo de má-fé”, completa.

Apesar dos conflitos, há uma relação forte entre o povo da aldeia e o povo da cidade, como descreve Gecinaldo.

“Há uma produção agroecológica de alimentos, que são comercializados na feira livre do município de Palmeira dos Índios, comercializado nos programas institucionais a exemplo do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] e PAA [Programa de Aquisição de Alimentos com Doação Simultânea da Conab”, finaliza.

MINISTÉRIO

A reportagem da Tribuna Independente também tentou, por semanas, manter contato com a ministra dos Povos Indígenas do governo Lula, Sonia Guajajara, para obter informações sobre datas e possibilidades da homologação das terras do povo Xukuru Kariri, mas não obtivemos êxito.