Política
Braskem lidera ranking nacional de incentivos fiscais
Mineradora nega ter recebido R$ 2,27 bilhões e diz que valor correto é de R$ 175 milhões, até agosto de 2024
Um grupo de 54,9 mil empresas declarou à Receita Federal que se beneficiou de R$ 97,7 bilhões em incentivos tributários entre janeiro e agosto deste ano, de acordo com dados obtidos pela Folha. A Braskem lidera o ranking das companhias que receberam o maior volume de incentivos numa lista de 43 tipos diferentes de benefícios tributários.
Os dados foram obtidos por meio da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), recém-criada pela Receita como uma ferramenta de análise das renúncias tributárias para subsidiar medidas de enfrentamento do problema do elevado volume de incentivos fiscais. A Dirbi é autodeclaratória.
Empresa brasileira do ramo petroquímico com atuação nas Américas, Europa e Ásia, a Braskem declarou que utilizou de R$ 2,27 bilhões em razão de incentivos concedidos pelo governo federal por meio do Reiq (Regime Especial da Indústria Química). O regime especial é uma política pública que oferece incentivos fiscais para a indústria química e petroquímica do Brasil, mas os números mostram que ela se beneficia praticamente sozinha do programa.
O iFood ocupa o primeiro lugar na lista dos beneficiários do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), feito pelo governo para socorrer restaurantes e o setor de eventos durante a pandemia da Covid-19. A própria empresa declarou que usufruiu de R$ 336,11 milhões nos primeiros oito meses do ano.
Para técnicos da Receita, o benefício para o iFood contrasta com o movimento de crescimento durante o distanciamento social, com uma disparada no número de pedidos de entrega de comida e de supermercado.
O iFood disse que o Perse foi criado para apoiar empresas ligadas direta ou indiretamente ao setor de eventos, incluindo bares e restaurantes. Segundo a empresa, a atividade de intermediação, feita pelas plataformas, também foi incluída no escopo do programa.
“É importante mencionar que o IFood encerrou o triênio de 2020, 2021 e 2022 com prejuízo fiscal de aproximadamente R$ 2 bilhões”, diz a empresa em nota. Segundo o iFood, a empresa na pandemia adiantou repasses e zerou a taxa cobrada dos estabelecimentos quando o pedido era retirado diretamente pelo consumidor.
Procurada, a Braskem disse que a informação da Receita não é condizente com mensagem do fisco de fevereiro de 2023 que apresenta análise e manifestação sobre os impactos do Reiq. Nessa apresentação, a estimativa de renúncia potencial do Reiq para todas as empresas aptas ao benefício era de RS 1,186 bilhão.
Pela primeira vez, a Receita Federal divulga nesta quarta-feira (13) a lista completa das empresas que informaram ao Fisco Federal que utilizam créditos tributários decorrentes dos 43 benefícios fiscais.
A divulgação dos dados ocorre num momento em que o governo discute cortes de subsídios no pacote de revisão de gastos elaborado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e em negociação com o presidente Lula.
Embora não ajudem na redução de despesas, o corte dos incentivos e privilégios é defendido como contrapartida para medidas que alcancem benefícios sociais. No caso do Perse, a equipe econômica quis acabar com o incentivo neste ano, mas o Congresso prorrogou o incentivo diante da forte mobilização das empresas do setor. A lei 14.859, de maio passado, estabeleceu nova regulamentação para o programa, limitando o benefício a um teto máximo de R$ 15 bilhões de renúncia tributária. Alcançado o teto, o Perse acaba, independentemente de prazo.
Nos primeiros oito meses do ano, as empresas declararam ter usufruído de R$ 9,6 bilhões de incentivos do Perse. Desse valor, R$ 5 bilhões se referem ao período a partir de abril, quando o teto de R$ 15 bilhões começou a funcionar. Isso significa, na prática, que ainda sobram R$ 10 bilhões para as empresas se beneficiarem do Perse.
Os dados da Dirbi foram coletados até 29 de outubro, mas referentes ao período de janeiro a agosto. A declaração é obrigatória para a lista de 43 incentivos. A Receita pretende aumentar os benefícios que as empresas são obrigadas a informar, sobretudo da Zona Franca de Manaus.
Por enquanto, a Dirbi só alcança um tipo de incentivo da Zona Franca (para matérias-primas, produtos intermediários e embalagens). O custo informado pelas empresas até agora foi de R$ 7,09 bilhões.
Os números mostram que os incentivos para adubos e fertilizantes somaram R$ 14,9 bilhões no período –o maior valor por tipo de incentivo.
A desoneração da folha de pagamentos de empresas de 17 setores, também prorrogada pelo Congresso a contragosto do Ministério da Fazenda, custou R$ 12,26 bilhões em perda de arrecadação entre janeiro e agosto. O valor está próximo dos R$ 15 bilhões estimado pela Receita para o ano todo.
A expectativa dos técnicos é que o custo da desoneração feche o ano entre R$ 18 bilhões e R$ 20 bilhões, renúncia que terá que ser integralmente compensada com outras medidas de aumento de arrecadação ou corte de despesas conforme determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
Mineradora diz que este ano obteve valor em torno de R$ 175 milhões
A reportagem da Tribuna Independente procurou a Braskem para saber se conferia ou não a informação, publicada na mídia nacional, dizendo que a mineradora havia declarado ter recebido incentivos fiscais de R$ 2,27 bilhões, concedidos pelo governo federal por meio do Regime Especial da Indústria Química (Reiq). A Braskem, por meio da sua assessoria de comunicação, confirmou ter recebido o incentivo, mas em valores menores que os divulgados pela imprensa.
“Com relação à reportagem publicada hoje na Folha “Empresas declaram à Receita ter recebido R$ 97,7 bilhões em incentivos fiscais até agosto”, o valor indicado a título de REIQ (Regime Especial da Indústria Química) em relação à empresa Braskem está equivocado. A Braskem já retificou a informação perante o fisco, registrando o valor exato do incentivo de R$ 175 milhões, referente ao período de janeiro a agosto de 2024”, afirmou a Braskem, por meio de nota.
INFRATORA
Para a bióloga Neirevane Nunes, integrante do Movimento Nacional de Combate à Mineração Predatória, a diferença de valores, entre o divulgado e o assumido pela empresa, não altera em nada a política de incentivo do governo federal a empresas acusadas de crimes ambientais e outras irregularidades que colocam em risco a vida da coletividade.
“A Braskem e sua prática de minimizar tudo o que diz respeito a ela. Mas, independente da correção de valores perante ao fisco, a questão central é de que ela continua sendo beneficiada pelo governo mesmo sendo uma das maiores infratoras ambientais do país”, destacou Neirevane.
“A política nacional em relação a empresas mineradoras responsáveis por graves crimes ambientais tem que mudar urgentemente”, defende a bióloga. Para ela, esse tipo de incentivo fiscal é uma espécie de tiro no pé. “É injetar dinheiro público para fomentar a destruição dos nossos territórios e para promover a violação de diretos da população atingida pelos crimes da mineração”, enfatizou.
ATIVIDADE CRIMINOSA
O presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, também criticou o incentivo fiscal à Braskem. “O governo federal seguirá financiando atividade criminosa de forma tão explícita e descarada?”, questionou Sampaio.
“Enquanto isso, lutamos há mais de 6 anos para ter direito a migalhas. E ainda assim, negadas pela Justiça, sem respaldo efetivo de qualquer político ou autoridade do judiciário ou do executivo. Exceção para o defensor Ricardo Melro e outros integrantes da Defensoria Pública do Estado”, acrescentou.
Para Sampaio, “o crime da Braskem mais que compensa, sobretudo quando financiado com renúncia fiscal (dinheiro público que deixa de ser arrecadado) e com dinheiro barato, subsidiado com recursos públicos geridos pelo BNDS. Em outras palavras é o suado dinheiro dos nossos impostos que está pagando pelo crime da Braskem”.
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