Política

Queda na vazão do Rio São Francisco chega a 60% e preocupa os cientistas

Estudo de professor da Universidade Federal de Alagoa, publicado em periódico internacional, chama atenção para causas do problema

Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora / Tribuna Independente 09/11/2024 13h48
Queda na vazão do Rio São Francisco chega a 60% e preocupa os cientistas
Humberto Barbosa, que escreveu o artigo, descreve cenário grave, que compromete a saúde do Rio São Francisco - Foto: Reprodução

Em estudo realizado na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e publicado no periódico internacional Water, pesquisadores identificaram que a vazão do Rio São Francisco sofreu uma redução de aproximadamente 60% nos últimos 30 anos. A informação traz preocupação porque, se esse ritmo for mantido, pode trazer problemas sérios para a população dentro de alguns anos.

O meteorologista Humberto Barbosa, pesquisador responsável pelo artigo, que esse é um cenário grave. “Essa degradação tem feito com que o Rio São Francisco esteja numa situação extremamente delicada. É a única bacia hidrográfica de 12 bacias hidrográficas no Brasil onde você tem uma alta vulnerabilidade climática. Nisso não há nenhuma novidade, o que a gente percebeu é que houve um encolhimento, uma diminuição dessa quantidade de água que escoa nesse rio, e essa quantidade ela vem diminuindo a cada década significativamente”.

“A cada 10 pessoas, daqui a 25 anos, olha 25 anos passa rápido, talvez até - é uma estimativa –de 10 pessoas, sete viverão nos centros urbanos, então aonde vai vir essa área para atender essa demanda? Vai vir das bacias. Mas qual é a situação das bacias? São bacias degradadas, onde você tem dejetos de indústria, dejetos domésticos, você tem a irrigação, mas também a irrigação traz poluição do rio pelo uso de agrotóxico. Você tem o uso da água em excesso por esse setor, você precisa produzir energia”.

Com tudo esse uso, ele avalia que, mesmo que a água não acabe, ela não vai ter condições adequadas. “Nem tanto que a água vai acabar, é como a qualidade dessa água e essa quantidade vai poder estabelecer uma condição de equilíbrio, que a gente ainda hoje está numa condição de equilíbrio, mas se acontecer uma grande seca, não há uma previsibilidade”.

Em caso de água faltando, são afetados vários setores, a exemplo da saúde. “O Sistema Único de Saúde vai depender também de uma alta demanda, por problemas de saúde veiculados lá a questão da qualidade da água”. Tem também a questão econômica, porque a escassez da água pode trazer aumento da inflação, aumento da produção de energia e dos alimentos, tudo isso depende da água. Humberto alerta que o prazo para esse problema pode ser menor do que se espera. “A gente não pode achar que vai ser daqui a 30 anos não, pode ser no próximo ano. Pode ser daqui a dois anos, se essa situação de gestão hídrica permanecer do jeito que ela está, ela não tem condições. Já está em desequilíbrio hoje o uso do recurso que existe”.

As razões apontadas pelo estudo para essa queda na vazão são fatores ambientais, como o desmatamento da caatinga, assoreamento da bacia, principalmente na carga principal, e o grande número de usuários. São aproximadamente 500 mil pessoas dependendo diretamente do Rio São Francisco para sobreviver.

A questão, segundo o pesquisador, é política. “Nessa bacia há uma gestão, há um comitê de bacias que determinam como você tem essa fração de água que é utilizada na bacia do São Francisco. Em anos críticos, anos de seca, isso traz certos conflitos, desde questões que vão da quantidade de água que a bacia vai adotar, qual é a vazão, ela pode controlar, ela tem uma gestão de um parâmetro sobre as condições nesse momento, sobre qual é a vazão média que a bacia tem que ter para que atenda todos esses múltiplos usuários. Então aí entra uma questão política e entre uma questão de gestão hídrica que é complexa, porque você tem que atender diferentes usuários e sabendo que o principal usuário é o abastecimento. Em situação crítica, pela lei do país, a demanda principal é o abastecimento de água. Em crise hídrica, corta-se todos os usuários e o abastecimento passa a ser a prioridade, abastecimento humano e de animais. Isso significa que você começa a criar conflitos em situação, onde você tem estado você tem municípios, você tem grupos que são mais fortes, principalmente ligados a agricultura onde você determina esse como é que vai ser a gestão do uso dessa água. A última grande seca foi de 2012 a 2017 essa seca ela trouxe também questões muito de gestão hídrica do da bacia”.

Parlamentar critica transposição

O deputado estadual Inácio Loiola (MDB), membro da Comissão de Meio Ambiente e Proteção dos Animais da Assembleia Legislativa, diz que essa é uma questão antiga. “Minha preocupação com o Rio São Francisco vem de muitos anos. O maior problema ambiental que o Brasil enfrenta é a degradação do Rio São Francisco. O Rio São Francisco vem morrendo, é um paciente que está na UTI. Ele representa em torno de 70% do potencial hídrico do Nordeste, é responsável por 95% da energia gerada pela Chesf, sem levar em consideração a hidrelétrica Três Marias que é de propriedade da Companhia de Eletricidade de Minas Gerais”

Na avaliação dele, a transposição agravou o problema do rio. “O São Francisco é responsável por 300 mil hectares de projetos de irrigação ao longo de sua bacia. É responsável pela navegação, pela pesca, pela piscicultura, pelo abastecimento de inúmeras cidades de Minas Gerais da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Para vocês terem uma ideia toda região do Agreste do Sertão de Alagoas, essas duas regiões são abastecidas com água do rio São Francisco, e com esse projeto criminoso de transposição das águas do rio São Francisco, hoje ele leva a água para o Nordeste setentrional de Pernambuco que é o sertão Pernambucano, que não faz parte da bacia hidrográfica de São Francisco leva para os Estados da Paraíba e do Ceará. Resumindo, o Nordeste sem o Rio São Francisco, passa a ser um deserto, a mesma coisa do Egito sem o Rio Nilo”.

Se declarando “oriundo das barrancas do Rio São Francisco, em Piranhas”, o parlamentar diz que desde 1977 chama atenção para o problema. “Mas até o presente momento, as autoridades competentes não despertaram para isso. Conclusão, como é um rio interestadual a competência é do Governo Federal. Não os governos estaduais. Têm participação sim, mas são coadjuvantes. O protagonismo tem de partir do Governo Federal, que é o responsável maior pela revitalização do rio São Francisco. Nós temos soluções, o mundo científico tem, o problema é a questão política. Nós temos o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, que tem projetos para revitalização do nosso rio, o Velho Chico, Rio da unidade Nacional, mas que infelizmente esse tema esse assunto sempre caiu no esquecimento”.

Nosso rio está cambaleando, está em uma situação crítica. Se a gente não se preocupar com ele, nós vamos deixar de ter o Rio São Francisco e ele começa a morrer pela sua região estuaria. E a região estuaria compreende os estados de Alagoas e Sergipe. Quero dizer, porque sempre fui contra a transposição das águas do São Francisco: Você não pode fazer de um paciente que está na UTI, um doador de sangue. E o São Francisco que está na UTI, fizeram a transposição para atender Pernambuco, Paraíba e Ceará, mas esse projeto de transposição só vai atender 1% da população dessas regiões, que o projeto tá levando água”.

Programa integrado realiza fiscalização preventiva

Cumprindo a função de órgão de controle social, o Ministério Público Estadual participa de um programa voltado para essa questão, que é o programa de Fiscalização Preventiva e Integrada na Bacia do São Francisco (FPI). De acordo com o promotor Alberto Fonseca, um dos coordenadores do programa, “A FPI busca dar um basta ao processo de degradação ambiental na bacia do São Francisco e tem como escopo fundamental contribuir para a melhoria da quantidade e qualidade dos recursos hídricos no Velho Chico. Durante as etapas de campo são feitas ações de fiscalização, educação ambiental e diagnósticos de políticas públicas”.

Fonseca detalha como acontece esse trabalho. “As ações de fiscalização ocorrem em várias frentes como desmatamentos, usos múltiplos da água e saneamento básico. Diversas outras temáticas também são trabalhadas como fauna, agrotóxicos, mineração, eólicas, cerâmica, e demais atividades que impactam a bacia”.

De acordo com o Comitê da Bacia do São Francisco, a FPI do Rio São Francisco já totaliza 71 etapas em 222 municípios visitados nos estados da Alagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco e Minas Gerais. Desse total, 12 ocorreram em território alagoano desde 2014. Em maio de 2024, aconteceu a 13ª etapa de Alagoas.