Política
Com 8 indígenas eleitos, pauta da etnia necessita de maior atenção
População sofre com pouca representatividade, mas elegeu um prefeito e sete vereadores no pleito deste ano
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram que menos de 1% das candidaturas no pleito de 2024 foi de pessoas identificadas como indígenas. Em Alagoas, foram 50 pessoas, entre candidatos a vereadores e prefeitos, 0,85% do total. Finalizado o processo em 6 de outubro, foram eleitos oito. O prefeito de Pariconha, Tony de Campinhos (MDB), conquistou a sua reeleição. Também entraram sete vereadores de três municípios diferentes: Pariconha, no alto Sertão, Porto Real do Colégio, na Zona da Mata e São Sebastião, na região Agreste.
Comparando com a eleição anterior, houve crescimento. Em 2020, Alagoas teve 42 candidatos indígenas dos quais 5 foram eleitos, incluindo o prefeito de Pariconha que foi reeleito este ano. Apesar de parecer baixa, a participação de indígenas no processo eleitoral em Alagoas condiz com o percentual de população indígena no país, já que o último Censo do IBGE, em 2022, revelou 0,83% de indígenas no território nacional.
Ainda segundo o TSE, o eleitorado de Alagoas tem 0,15% de indígenas, ou seja, 3598 eleitores alagoanos que se declaram assim. No entanto, 86,33% da população ainda não informou sua raça/etnia, então o número pode não ser muito relevante. Já entre as candidaturas, apenas 0,75% não são informados aqui no estado, trazendo uma precisão maior.
Pariconha é a cidade alagoana com maior participação indígena. Além dos dois candidatos a prefeito, 24 candidatos a vereador eram de etnias indígenas. A partir de janeiro de 2025, o município será administrado por um gestor de etnia indígena, além de quatro vereadores oriundos de comunidade indígena.
O segundo maior volume é em Porto Real do Colégio, que teve 7 candidatos a vereador, e elegeu 2. Por fim, em São Sebastião, indígenas também conquistaram uma vaga de vereador.
Além desses, elegeram suplentes os municípios de Arapiraca, Feira Grande, Joaquim Gomes, Maceió, Murici, Penedo e Água Branca. Outros municípios que tiveram participação indígena, mas não foram eleitos nem como suplentes, são Olho d’Água do Casado, Pão de Açúcar e Santa Luzia do Norte.
8º MANDATO E ADAPTAÇÕES
Desde 1996, o povo Kariri Xocó, em Porto Real do Colégio, tem um representante na Câmara Municipal. Uílio da Aldeia (MDB) se elegeu no último dia 6 de outubro para o seu oitavo mandato, e confirma que foi preciso se adaptar ao sistema.
“Nós nos adaptamos ao sistema. Porque nós estamos numa comunidade, hoje eu moro uma comunidade de 3.200 habitantes, a Kariri Xocó. O maior distrito depois da sede do município é a aldeia. É muito grande, é uma unidade de 3.200 habitantes com 2.500 eleitores. Como é aqui, é também em outras comunidades menores, mas tem que ter um representante, porque nós vamos acompanhar o sistema. Os tempos evoluem, vão evoluindo, então nós temos que acompanhar porque a comunidade precisa, até porque somos munícipes, mesmo tendo o apoio do Governo Federal, nós somos munícipes, a gente precisa do apoio do município no dia a dia, precisa da logística do município. Então tem que ter um representante”, explica o vereador, em contato com a Tribuna.
Segundo ele, a representatividade de quem vive o cotidiano dentro da comunidade é fundamental. “O não índio, ele não tem a visão das necessidades que nós temos no dia a dia aqui na comunidade. Como é essa, são as demais. Então ontem não tem representante indígena sofre mais”.
As questões mais amplas, como demarcação, realmente não são mencionadas por Uílio. Mas ele descreve seu serviço prestado com a implantação de melhorias na comunidade, que segundo ele não chegavam lá antes de ter um membro da comunidade no parlamento. O pontapé para a entrada no processo político, segundo ele, foi uma epidemia que seu povo sofreu. “Eu tive que aderir na época por causa dos problemas da Comunidade. Nossa comunidade não tinha água. Não tinha iluminação pública, não tinha nada, só tinha as casas mesmo e uma rede de energia muito precária. Aí quando veio um surto de cólera eu me convenci”.
Eleito na primeira tentativa, o indígena conta que sua prioridade era trazer condições dignas para sua comunidade. “O primeiro projeto meu foi a construção do sistema de água tratada que nós não tínhamos. A gente aparava água com os baldes no rio, por isso que deu um surto de cólera na época. E depois que fui vereador, já com seis meses no primeiro ano de mandato, consegui junto com o prefeito o recurso em Brasília e conseguimos construir a rede de água em toda a comunidade, água tratada”.
VIABILIDADE ELEITORAL EM 2026
Até agora, os indígenas de Alagoas só conseguiram algum êxito em eleições municipais, mas Uílio da Aldeia afirma que está sendo pensado um plano para 2026, com planejamento para eleger um representante na Assembleia Legislativa do Estado (ALE) e Câmara Federal.
“Já existe um início de um projeto. Não é só o índio, tem o índio e tem outras lideranças, tem outras autoridades, também com as pessoas que ocupam também cargos públicos em diversas partes aqui no caso do nosso Estado até na esfera federal. Pode ser eu, pode ser outra liderança de outra comunidade, não sei, mas nós já temos o pensamento, já estamos trabalhando o início desse projeto para ver o que é que pode acontecer em 2026”, destaca.
Problemas das comunidades são esquecidos pelo Executivo e Legislativo
O professor Jorge Vieira, diretor do Núcleo Acadêmico Afro e Indígena do Cesmac, avalia que há um crescimento no processo eleitoral, mas que não necessariamente significa representatividade.
“A maioria dos eleitos só consegue se sustentar e sobreviver dentro desse ambiente se eles deixarem de seguir a lógica da cultura indígena. Porque entra na lógica do Estado como qualquer outro vereador como qualquer outro prefeito ou qualquer outro deputado, aí de fato perde a representatividade indígena. É tanto que eles não o reconhecem depois que assumem o cargo. A comunidade não se identifica no trabalho que é feito porque o sujeito termina fazendo a lógica do estado, não a lógica da comunidade”, avalia Vieira, em contato com a reportagem da Tribuna Independente.
Ele explica que isso acontece porque o sistema é feito voltado para a cultura não indígena. “É complexo, não é fácil porque são mundos diferentes. O mundo da sociedade nacional é um modelo de organização, um modelo de Estado, modelo de representação, enquanto que o mundo indígena tem outro modelo de representação. E aí eles terminam saindo do seu modelo de representação para atender o modelo que é posto pela legislação do estado brasileiro”.
‘PAUTA ESQUECIDA’
Jorge Vieira acredita que as pautas mais específicas da causa indígenas continuam ficando de fora do debate político. Ele usa Pariconha como exemplo.
“Tem o prefeito eleito [Tony de Campinhos - MDB] que se autodenomina indígena. Ele é reconhecido como indígena, mas ele não faz uma política efetivamente que você pode dizer, por exemplo seria uma política da comunidade indígena. Mas é uma política da população de Pariconha. É tanto que os indígenas em Pariconha não tem terra demarcada, então ele como prefeito, poderia articular para demarcar a terra, poderia construir força política para fazer isso. Mas ele vai se indispor com os não indígenas, por exemplo? Não vai. Então, ele não vai propriamente defender a questão da demarcação da terra indígena em Pariconha, porque ele vai se indispor, com certeza, com aqueles que votaram nele e não são indígenas”.
O ideal vislumbrado pelo professor seria uma mudança na legislação.
“Na verdade, deveria ser como tem em outros países como no Chile, que já tem uma representação indígena muito significativa, na Bolívia, o próprio Evo Morales que é indígena que foi eleito presidente da república, na Colômbia, no México. Então, outros países, já tem uma experiência mais exitosa, enquanto que no Brasil a legislação ainda é a legislação que vale para todos. Então, deveria ter uma adequação do ponto de vista da representação. Então teria que a legislação se adequar para considerar a representação indígena”, finaliza.
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