Política
Polícia investiga assédio moral na CPI da Braskem, em Brasília
Mineradora é acusada de fazer lobby por meio de assessor de comunicação que acompanhava sessões
Os bastidores da CPI da Braskem foram muito além da rotina parlamentar e estão sendo devassados, com a empresa sendo investigada por assédio moral. O caso veio à tona no último final de semana, por meio de uma reportagem do site Intercept. A mineradora é a acusada de fazer lobby, por meio de um assessor de comunicação, que acompanhava as sessões da Comissão, no Senado, em Brasília.
Com o título “CPI da Braskem vira caso de polícia”, a reportagem revela que a Polícia Legislativa foi acionada pelo senador Rogério Carvalho (PT/SE), relator da CPI, para investigar a denúncia de “lobby abusivo” ou assédio moral praticada pela empresa. De acordo com a reportagem, “a primeira vitória do lobby da mineradora na Comissão foi retirar do posto de relator o senador Renan Calheiros, do MDB de Alagoas”.
Na reportagem, um assessor de comunicação, prestando serviço terceirizado para Braskem, é acusado de assediar as pessoas, nos bastidores da CPI. “Um dos profissionais que representava a mineradora, por meio da empresa de relações públicas FSB, incomodou senadores, jornalistas e membros de organizações da sociedade civil a tal ponto que a Polícia Legislativa teve que ser acionada”.
O Intercept Brasil disse também que obteve relatos e fotografias que revelaram práticas do profissional. “Entre elas, a perseguição a assessores parlamentares; a abordagem indelicada a ativistas que foram às sessões; a produção de fotografias dos presentes sem autorização; e a infiltração entre jornalistas para ouvir declarações do relator da CPI, o senador Rogério Carvalho, do PT do Sergipe”.
“Trata-se do jornalista João Freire, com passagens pela Revista Fórum e pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. Atualmente, ele se identifica no LinkedIn como coordenador do projeto Indústria Verde na FSB. No entanto, a reportagem obteve mensagens de WhatsApp em que ele se apresenta a interlocutores como ‘assessor da Braskem para o caso Maceió’”.
“Esse senhor nunca se apresentou, nem tinha alguma identificação de onde era ou quem estava representando. E de maneira ostensiva ficava cercando o senador no momento da saída das sessões da CPI e nas entrevistas”, me relatou um integrante da equipe do senador petista.
O Intercept revela ainda que, de acordo com os auxiliares do senador, “isso acabou ficando invasivo em certo ponto”. A solução encontrada pelo gabinete foi acionar a Secretaria da CPI para que entrasse em contato com a Polícia Legislativa do Senado – que deveria, então, lidar com o problema.
“O que fizemos para solucionar foi pedir para a própria secretaria da CPI entrar em contato com a Polícia do Senado para lidar da melhor forma com a situação. E o que soubemos foi que o próprio senhor pediu desculpas e ele parou de agir de maneira ostensiva e invasiva”, afirmou o gabinete de Carvalho, à reportagem do Intercept.
OUTRO LADO
Procurada pelo site, a FSB afirmou que Freire atuava na CPI pela FSB como assessor de imprensa, e não como lobista, e que não abordou parlamentares, apenas jornalistas e “outras pessoas para perguntar se eram jornalistas”.
A empresa, no entanto, admitiu que a postura do profissional desagradou o relator. “Apesar de atuar em espaço público e dentro das regras da profissão, a FSB decidiu retirá-lo do acompanhamento da CPI após o relator manifestar desconforto”, disse a empresa de relações públicas, em nota.
Sob condição de anonimato, servidores do Senado e integrantes de movimentos sociais ainda relataram outras situações embaraçosas. Um dos depoimentos dá conta que uma funcionária da Casa foi perseguida por Freire nos corredores do Senado. Outro, que ele passou a monitorar redes sociais de assessores e ativistas.
A reportagem da Tribuna Independente também procurou ouvir a Braskem, por meio de sua assessoria de comunicação, que respondeu da seguinte maneira: “A Braskem desconhece as informações relatadas pela reportagem do Intercept. Em relação à atuação do profissional citado, sugere que procure a FSB Comunicação”.
Vítimas confirmam denúncia de lobby abusivo por parte da petroquímica
Para o coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, Cássio Araújo, as atitudes da mineradora, dentro e fora da CPI, sempre deixaram muito a desejar. Por isso, ele reputou como muito séria a acusação de lobby abusivo contra a empresa. “Sim, é uma denúncia muito séria! Mas temos que ter claro que a Salgema/Braskem sempre agiu assim desde os primórdios e continua agindo assim”, afirmou Cássio Araújo, que é procurador do Trabalho e ex-morador do Pinheiro.
“Quando prestei depoimento na CPI havia oito advogados da Braskem, de três escritórios diferentes. Essa atuação ostensiva dos defensores da empresa atuou em todo o processo da CPI e está atuando agora, como antes. Este é seu modo de agir”, acrescentou. “Ao retirar o Renan Calheiros da relatoria ela conseguiu sua grande vitória. A CPI foi boa, mas insuficiente, pois não deu a devida visibilidade à tragédia sociojurídica, decorrente dos acordos feitos, que a vítimas estão passando”, completou Cássio Araújo.
Segundo o presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, as pressões aconteceram de várias formas e vinda de vários lados, tendo como alvo não só os parlamentares, como jornalistas e depoentes. “Além do lobby da empresa, que está à venda e precisa melhorar sua imagem; havia o lobby dos bancos, que são credores de quase R$ 15 bilhões; e lobby do governo federal, por meio da Petrobras, que é sócia da Braskem; não faltam pressões”.
Além disso, os senadores – maiores alvos do lobby – deixaram de indiciar vários gestores e de responsabilizar vários agentes públicos por negligência, omissão e conivência. Segundo Alexandre Sampaio, o lobby da Braskem na CPI foi muito forte e terminou prevalecendo, apesar da boa intenção de alguns senadores.
“Os senadores responsabilizaram a empresa pelo crime e fizeram várias cobranças, mas entregaram tudo para o Ministério Público tomar as providências. Outra coisa, eles abriram mão de muitas atitudes políticas, como investigar o acordo da Braskem com a Prefeitura de Maceió, investigar o IMA, a Agência Nacional de Mineração; indiciar, nesses órgãos, quem estava envolvido, mas deixaram para depois, e isso não vai acontecer, com certeza”.
O defensor público estadual Ricardo Melro, que a exemplo de Alexandre Sampaio e Cássio Araújo, também prestou depoimento à CPI da Braskem. Ele e Alexandre Sampaio tiveram perfis falsos espalhados pelas redes sociais, divulgando ideias e posicionamentos que não eram deles. Ao tomar conhecimento da reportagem do Intercept, denunciando o lobby abusivo da Braskem, Ricardo Melro disse que apesar de ser um “absurdo”, esse tipo de atitude da mineradora “não é de surpreender”.
Uma das primeiras vitórias da empresa foi retirar senador Renan Calheiros
Na reportagem do Intercept, o repórter Paulo Motoryn destacou ainda que a tropa de choque da Braskem na CPI era comandada pela diretora de relações governamentais. O trabalho dela poderia ter passado despercebido, se estivesse limitado a defender a empresa pelo afundamento de cinco bairros em Maceió.
“No entanto, a estratégia de lobby da Braskem na CPI foi muito além da atuação de Freire e da FSB. Com um setor próprio de relações governamentais, a empresa escalou sua diretora de relações governamentais, Renata Bley, para coordenar os trabalhos”, revelou o site, acrescentando:
“A gerente Núbia Batista, que atuou na equipe de lobby da Odebrecht por seis anos, comandou a ação direta em Brasília. Antes mesmo da instalação da CPI, Renata Bley já havia se reunido com consultores legislativos do Senado designados para acompanhar a comissão e com integrantes da equipe do relator”.
Para o encontro, segundo relatos, ela levou quase uma dúzia de advogados. “Não levar técnicos, apenas advogados, dá um recado”, me disse uma pessoa presente. A primeira vitória do lobby da mineradora na comissão foi a nomeação do relator. Cercada de polêmica, a decisão do presidente da CPI, Omar Aziz, do PSD do Amazonas, foi de negar o posto de relator ao senador Renan Calheiros, do MDB de Alagoas.
Além de ser do mesmo estado da tragédia, Calheiros foi responsável por coletar as assinaturas necessárias para a implantação da CPI. Depois de ser preterido por Rogério Carvalho, o emedebista disparou contra Aziz e deixou o colegiado por não concordar com a indicação. “Estão tentando que a CPI trilhe caminhos diferentes”, afirmou Calheiros. Aziz negou que tenha sido alvo de pressão e disse que escolheu Rogério Carvalho para garantir a isenção do colegiado. De fato, a renúncia de Calheiros teve impacto positivo para a empresa.
“O relatório foi firme nos indiciamentos, mas todo mundo sabe que seria ainda mais pesado caso o Renan fosse o relator”, disse um assessor. Mais que isso, o substituto de Calheiros como membro do colegiado foi o senador Alessandro Vieira, também do MDB, mas de Sergipe. Só que Vieira chamou a atenção pela falta de assiduidade. Ele só marcou presença em metade das sessões desde que passou a integrar a CPI.
Foram sete visitas ao colegiado em 14 sessões como membro titular. Vieira nem sequer apareceu em três sessões fundamentais da comissão, as últimas: a audiência que ouviu Marcelo de Oliveira Cerqueira, vice-presidente executivo da Braskem, e as duas finais, para a apresentação e votação do relatório final de Rogério Carvalho. Mas quem a Braskem garantiu que estivesse presente às duas audiências em que seus executivos estiveram na mesa de depoentes foi o advogado Marco Aurélio de Carvalho.
De acordo com o Intercept, ele é líder do Grupo Prerrogativas, conhecido pela amizade com o presidente Lula e é tratado na imprensa como um dos oráculos do Palácio do Planalto para indicações de juízes federais e até do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Em uma das sessões, no dia 10 de abril, chegou a sentar na mesa ao lado do depoente, Marcelo Arantes de Carvalho, diretor de Pessoas, Comunicação, Marketing e Relações com a Imprensa da Braskem. O líder do Prerrogativas foi até mencionado, em tom de brincadeira, por Rogério Carvalho: “Quero cumprimentar o advogado Marco Aurélio de Carvalho, meu parente – muito distante, mas deve ser parente”.
“Na outra audiência em que marcou presença, em 14 de maio, Garcia preferiu a discrição e sentou na plateia, atrás da área destinada aos senadores. Seu papel não era segredo: ele chegou a ser porta-voz da Braskem em disputas judiciais com a CPI e impetrou habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para defender os interesses da firma. Na semana passada, por unanimidade, os integrantes da CPI da Braskem aprovaram o relatório final de Rogério Carvalho, que atesta a responsabilidade da mineradora no afundamento do solo em Maceió”, relatou a reportagem.
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