Mundo

“Destruição total”: inundações na Líbia fazem cidade parecer zona de guerra

Por CNN Brasil 15/09/2023 13h47
“Destruição total”: inundações na Líbia fazem cidade parecer zona de guerra
Visão aérea mostra a destruição na cidade de Derna, na Líbia, em 14 de setembro de 2023 - Foto: Reuters

Dirigir de madrugada até Derna, na Líbia, é como chegar a uma “cidade fantasma”. O local, dizimado por inundações repentinas que devastaram casas e ruas no início desta semana, estava silencioso.

Mesmo à noite, danos e destruição podiam ser vistos em todos os lugares. À luz do dia, a cena é de devastação total.

Para a equipe da CNN, que viajou para a área com o Exército Nacional da Líbia, foi como entrar numa zona de guerra onde bombas haviam explodido.

Pelo menos 5.000 pessoas morreram na Líbia, disseram os Médicos Sem Fronteiras na quinta-feira (14), e teme-se que milhares de outras estejam desaparecidas.

Todos com quem a CNN conversou temem e acreditam que o número de mortos aumentará significativamente nos próximos dias.

As autoridades declararam à CNN que a destruição e a perda de vidas aconteceram cerca de 90 minutos após o rompimento das duas barragens acima de Derna, provocando a inundação da cidade, destruindo bairros inteiros, casas e infraestruturas, jogando-as para o mar.

As pessoas estão em choque. A Líbia é um país que tem vivido anos de turbulência desde a derrubada do regime de Muammar Gadhafi, em 2011 – mas o desastre atingiu duramente os líbios.

Eles dizem que ainda não conseguem compreender o que aconteceu. Os líbios estão acostumados com a guerra e a morte, mas nada poderia tê-los preparado para isso: eles sentem como se uma cidade inteira tivesse sido destruída.

Ao passar por uma das entradas da cidade de madrugada, havia um grande quadro manuscrito que dizia “Triste Derna”.

Dois jovens estavam sentados ao lado dele, em volta de uma fogueira, numa rua totalmente escura, com os pés cobertos de lama e as roupas em pó. Eles acenaram para a escolta do Exército, sorriram e fizeram um gesto de “V” com a mão.

As autoridades locais estão lidando com esforços de busca e salvamento, recuperação, drenagem das águas das cheias, ajuda aos deslocados – situações com as quais nunca lidaram antes. Um funcionário afirmou à CNN que não acredita que a busca por sobreviventes tenha terminado.

Autoridades líbias dizem que os corpos ainda aparecem nas margens de Derna, dias depois que a parede de água varreu a cidade.

Detritos da vida das pessoas também podem ser vistos nas águas do Mediterrâneo – casas, caixilhos de portas, janelas, móveis, roupas, carros – tudo.

Enquanto isso, pelo menos 30 mil pessoas foram deslocadas, segundo a Organização Internacional para as Migrações. A preocupação com o bem-estar dos sobreviventes tem crescido.

O chefe da delegação do Cruz Vermelha na Líbia disse que levaria “muitos meses, talvez anos”, para que os residentes se recuperassem da devastação causada pelas fortes chuvas da tempestade Daniel.

As inundações danificaram estradas e pontes, dificultando o acesso à cidade e arredores. Foram necessárias mais de sete horas para viajar do aeroporto de Benghazi até Derna na noite de quinta-feira – uma viagem que normalmente levaria três horas.

Isso, combinado com uma situação de segurança incerta, dificulta a passagem da ajuda humanitária. No entanto, alguns líbios disseram à CNN como consideram que esta tragédia uniu um país dividido, pelo menos por enquanto.

A Líbia tem sido devastada por turbulências políticas desde que a guerra civil eclodiu, em 2014, e agora tem dois governos rivais: o de Benghazi, apoiado pelo parlamento oriental, e o governo internacionalmente reconhecido de Trípoli.

Mas no caminho de Benghazi, podiam ser vistos muitos carros chegando de diferentes cidades de toda a Líbia – do extremo oeste e das montanhas ocidentais, ou da cidade costeira de Misrata, a sul – transportando voluntários ou trazendo ajuda.

Alguns motoristas pintaram seus carros com spray ou hastearam bandeiras com uma frase que pode ser traduzida como “solidariedade fraterna” ou “correr em auxílio de nossos irmãos”.

Os voluntários que chegam a Derna vindos de todo o país estão tentando ajudar nos esforços de recuperação. Mas alguns disseram à CNN que não estavam preparados para lidar com este tipo de situação.

Um jovem descreveu como os voluntários amarravam cordas em volta dos seus corpos para mergulhar no mar e retirar os mortos. Ele contou ter retirado 40 corpos sozinho no decorrer de um dia.

Os voluntários dizem que precisam de equipamento pesado que possa remover do mar objetos grandes, como carros que se teme conterem cadáveres. Eles precisam de mergulhadores e de equipamento de mergulho, contam.

Há apoio internacional, incluindo uma equipe de resgate turca em um barco de borracha. Mas nem de longe o suficiente para lidar com este desastre.

Ao pousar no aeroporto de Benina, em Benghazi, parece não haver grande fluxo de ajuda, como seria de esperar após uma catástrofe deste tamanho.

Os responsáveis ​​do Exército afirmaram, no entanto, que o apoio que receberam dos países que enviaram equipes os ajudou a lidar com uma situação inédita.

“Dor imensa”

Mohammad Shteiwi, um ativista de Misrata que veio a Derna para ajudar nas operações de resgate, disse à CNN que viu equipes internacionais de mergulho retirarem oito corpos da água na tarde desta sexta-feira (15).

“Os mergulhadores me disseram que viram centenas de corpos a cerca de 15 a 20 quilômetros a leste do porto de Derna”, afirmou ele por telefone.

“Vi tantos corpos nos últimos dois dias. Contei pelo menos 200 corpos levados à costa. Eram corpos que estavam em edifícios, engolidos pelo mar e empurrados de volta para a costa. As estatísticas não são precisas, há muitos números circulando por aí. Tudo o que posso dizer é que as operações estão em andamento. Eu mesmo retirei os corpos.”

Shteiwi acrescentou que seu “coração dói por todos aqueles que foram perdidos”, mas que viu um sinal positivo com a união dos líbios do leste e do oeste.

“As forças de segurança que antes estavam separadas trabalham agora em conjunto, como se essas diferenças estivessem no passado. Dói ver que esta unificação é resultado de imensa miséria e dor.”