Mundo
Diplomacia é único caminho para evitar escalada nuclear de Kim Jong-un
Sanções econômicas não diminuem possibilidade de conflito
A dinâmica do conflito norte-coreano na última década se tornou uma liturgia: Pyongyang faz um teste nuclear ou de mísseis balísticos, a comunidade internacional se indigna, a ONU aprova sanções econômicas contra o regime e este responde com testes cada vez mais recorrentes e com avanços notáveis. Esse círculo vicioso e a nula capacidade de dissuadir a Coreia do Norte levaram os Estados Unidos a dizerem, depois de novo teste nuclear deste domingo, que uma "resposta militar massiva" está sendo estudada. Contudo, muitos especialistas consultados por este jornal defendem exatamente o contrário: descartando um conflito armado, que seria catastrófico, a única opção passa por dialogar com Kim Jong-un.
A primeira pergunta é por que as sete rodadas de sanções econômicas contra a Coreia do Norte não surtiram efeito. A resposta é que não foram suficientemente duras para ameaçar diretamente a estabilidade do regime norte-coreano. “O país fez muitos esforços e investiu muitos recursos em seu programa nuclear. É muito improvável que agora o abandone simplesmente por causa de medidas que o machucam, mas não o matam”, diz Cheng Xiaohe, professor de Relações Internacionais da Universidade de Renmin. “As sanções deveriam ser algo similar a um embargo econômico total que cortasse as possibilidades de trocas do país com o exterior. Qualquer coisa fora disso não forçará a Coreia do Norte a reconsiderar a opção nuclear”, diz Zhao Tong, analista do programa de Política Nuclear no Centro Carnegie-Tsinghua em Pequim.
O problema de levar a cabo um movimento desse calibre é que, nas circunstâncias atuais, não obteria o consenso do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Rússia, e especialmente a China, não estão dispostas a ir tão longe por conta dos riscos que desestabilizar a Coreia do Norte implicaria para os dois países. Mesmo os Estados Unidos afirmaram publicamente que derrubar o regime é uma opção muito arriscada e que sua aposta se baseia em forçar “uma mudança de política” no país asiático.
Ninguém questiona que a pressão econômica deva continuar, mas os analistas concordam que o canal diplomático deveria ganhar força. “Os Estados Unidos devem retomar o diálogo bilateral com a Coreia do Norte. Se, como dizem, querem resolver os problemas de segurança, precisam conversar com Pyongyang para trabalhar por soluções pacíficas”, diz Dean J. Ouellette, professor associado da Universidade de Kyungnam, em Seul. “Temos de levar a Coreia do Norte à mesa de negociações. Todos nós sabemos o que será pedido a ela, mas o que será oferecido em troca do abandono do seu programa nuclear? Isso não foi sequer levantado e é essencial para um país que diz temer por sua sobrevivência”, pergunta Cheng.
O problema é que, historicamente, os compromissos assumidos pela Coreia do Norte nesse campo acabaram sendo letra morta. Em processos de negociação anteriores, nos anos noventa e na década seguinte, Pyongyang não respeitou os prazos acordados para desmantelar suas instalações nucleares e expulsou inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica que acompanhavam os avanços. “Temos experiência em negociações com a Coreia do Norte e eles sempre descumpriram suas obrigações. Como é possível dialogar assim? Eles sempre usaram táticas enganosas”, diz Ko Yunju, subdiretor do Departamento de Assuntos da Coreia do Norte do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul. “E isso que se tratava de Kim Jong-il (morto em 2011, pai do atual ditador), que dava alguma margem para a negociação”. O atual líder não hesita em avançar com seu programa nuclear, que procura promover simultaneamente com o desenvolvimento econômico do país. “É uma abordagem diferente daquela de seus antecessores. Kim Jong-un é mais agressivo”.
Para Zhao, o problema reside na enorme falta de confiança entre a Coreia do Norte e as outras partes, inclusive a China, que, depois de apoiar as sanções contra o regime foi alvo de críticas da propaganda norte-coreana. E considera-se muito improvável que, no curto prazo, seja possível desnuclearizar o país: “Existe um problema em uma negociação como essa. As responsabilidades de ambos os lados (Coreia do Norte e Estados Unidos) são assimétricas. A norte-americana se baseia eminentemente em um compromisso político, o de não ameaçar a Coreia do Norte e normalizar as relações, do qual poderia voltar atrás muito facilmente. Para Pyongyang, por sua vez, renunciar ao programa nuclear implica uma mudança substancial em suas capacidades materiais, que é em grande parte irreversível ou muito difícil de reverter. É muito difícil para a Coreia do Norte confiar em um acordo desse tipo”.
Por enquanto, sugere, “deveria começar com algo mais simples, mais prático, como um acordo que congele a escalada” com o objetivo de construir uma relação de confiança entre os dois países. A partir daí, e a longo prazo, abordar assuntos mais radicais que agora se apresentam como irrenunciáveis. Entretanto, diz Zhao, e embora ninguém o reconheça oficialmente, “teremos de conviver com uma Coreia do Norte com capacidade nuclear”.
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