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Documentário de sete horas e meia questiona quem foi Adolf Hitler
Filme tenta lançar nova perspectiva sobre ditador nazista
"Todos os seus parentes o achavam um caso perdido, que se esquivava de todo trabalho duro", disse o amigo de infância August Kubizek sobre Adolf Hitler. "Ele era o filho querido de sua mãe, e a venerava da mesma forma", comentou o médico judeu da família do futuro ditador. "Quando Adolf queria alguma coisa, ele conseguia – principalmente à custa dos outros", observou, por sua vez, a irmã Paula Wolf.
Essas impressões sobre o jovem Adolf Hitler estão entre as inúmeras declarações de contemporâneos, que compõem o aguardado documentário "Wer war Hitler?" (Quem foi Hitler?), uma série de TV de sete horas e meia de duração que estreou nesta semana no Festival de Cinema de Munique.
Dispensando narradores ou comentaristas e usando pouca informação adicional, o escritor e diretor alemão Hermann Pölking retraça a vida de Hitler – desde seu nascimento em 1889 até seu suicídio, em 1945 – inteiramente a partir de declarações feitas por companheiros, inimigos, vítimas e observadores.
Pölking visitou 120 arquivos em 14 países e analisou 850 horas de filmagem num esforço de criar um retrato único e original da figura mais infame do século 20. As centenas de declarações foram gravadas por 125 narradores.
Uma nova visão
Com mais de sete horas de duração, o filme é longo e exigente – o que explica por que se está planejando uma versão de três horas para o cinema. Mas a perseverança requerida é recompensada através de uma montagem fascinante de um material de arquivo raramente visto.
Pölking vem se dedicando a projetos monumentais há décadas, incluindo a série de 12 episódios "Die Deutschen von 1815 bis heute" (Os alemães de 1815 até hoje). Ele iniciou as pesquisas para "Quem foi Hitler?" em 2014, buscando inicialmente em mais de 800 livros citações relacionadas com Hitler, antes de vasculhar arquivos em todo o mundo à procura de filmes e fotos.
"Quem foi Hitler?" segue o mesmo princípio do livro homônimo de Pölking, publicado em 2016, que inclui 17 coletâneas de declarações formando 17 capítulos, cada um lidando com uma parte da vida do ditador.
Embora as cenas usadas sejam retiradas do tempo retratado (com um desvio máximo de dois anos), muitas vezes, as imagens possuem somente uma conexão acidental com as citações reais.
Contraste e ironia
Esse recurso técnico confere ao filme alguns momentos memoráveis, mas também questionáveis – por exemplo, takes de mulheres nuas com citações relacionadas ao corpo de Hitler. Mas outras cenas utilizam com sucesso tal contraste para explicitar uma ironia reveladora, como quando meninos brincam com soldados de brinquedo enquanto é lida uma citação na qual Hitler promete que a "Alemanha nunca vai romper a paz por vontade própria." Trata-se também de uma combinação curiosa quando a eclosão da guerra é mais tarde retratada por dois recém-casados andando de canoa no rio Oder, na fronteira entre a Alemanha e a Polônia.
Muito do material cinematográfico é apavorante: pessoas morrendo de fome em Varsóvia; pilhas de cadáveres em campos de concentração; judeus sendo fuzilados em fila. Ainda mais cruéis são imagens de um idílio familiar, uma cena cheia de vida com crianças brincando num jardim, enquanto uma citação do escritor italiano Primo Levi recorda a sua jornada para o campo de concentração de Auschwitz:
Cena do documentário "Quem foi Hitler?": cineasta deixa transparecer verdadeira pessoa do ditador (Foto: Filmfest München)
"Todos se despediram da vida na maneira que mais lhes convinha", disse Levi. "Alguns rezando, alguns deliberadamente bêbados, outros devidamente ébrios pela última vez. Mas as mães ficaram acordadas para preparar com cuidado a comida para a viagem, lavando seus filhos e fazendo a bagagem deles; e no entardecer o arame farpado estava cheio de roupas de crianças para secar ao vento. Também não se esqueceram das fraldas, dos brinquedos, das almofadas e das centenas de coisas que as mães lembram e que as crianças precisam. Você não teria feito o mesmo? E se você e seu filho fossem morrer amanhã, você não lhe daria nada para comer hoje?"
O cineasta evitou mostrar, quase que completamente, os gritos de Hitler em seus muitos discursos diante de multidões. Quase todo o filme é surpreendentemente sem ruídos: as cenas mudas são discretamente acompanhadas de uma música sutil, enquanto a exacerbação populista do hipnótico orador recai em segundo plano, desviando os holofotes para o conteúdo do verdadeiro Hitler.
A conclusão pessoal de Hermann Pölking sobre a pessoa de Adolf Hitler é pouco lisonjeira: "Hitler foi um grande mentiroso, um ator muito talentoso, que mentia sem nenhuma inibição; uma pessoa com uma capacidade para a autossugestão, de onde tira a sua força de vontade – a mistura mais perigosa que existe."
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