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Amigo diz que brasileiro completou um mês preso na Ucrânia por terrorismo

Rafael Marques Lusvarghi está detido em Kiev desde 6 de outubro

Por G1 07/11/2016 16h50
Amigo diz que brasileiro completou um mês preso na Ucrânia por terrorismo
Reprodução - Foto: Assessoria

O brasileiro Rafael Marques Lusvarghi, de 32 anos, detido em 6 de outubro na Ucrânia por suspeita de terrorismo, continua detido no país europeu um mês depois, e pode vir a ser condenado a até 15 anos de prisão pelo crime, informa seu amigo, o gerente comercial Raul Athaide, de 37 anos.

“O que sei é que Rafael continua preso na Ucrânia, tem advogado em São Paulo e defensor público ucraniano, mas pode ser condenado a penas de 8 a 15 anos de prisão por terrorismo”, disse Raul, no domingo (6), ao G1. "Mas Rafael não é terrorista. É um combatente. Não cometeu nenhum crime."

Raul e Rafael foram combatentes na Ucrânia. Eles serviram juntos com os separatistas militares pró-Rússia na guerra contra as tropas ucranianas. Lutavam pela criação de outro país: a Nova Rússia. Mas com a assinatura do cessar fogo entre os dois lados, a guerra acabou e eles retornaram ao Brasil.

O carioca Raul voltou para o Rio de Janeiro. O paulista Rafael foi a Jundiaí, onde mora sua família, mas como não conseguiu emprego no país, aceitou uma oferta de uma empresa ucraniana para trabalhar como segurança de navios.

Então pegou um voo em direção ao Chipre, mas com parada no Aeroporto Internacional de Borispol, na Ucrânia, onde foi preso pelo serviço de segurança do país europeu.

Apontado como "mercenário" e "assassino profissional", Rafael foi levado a capital Kiev, onde acabou acusado de criar um grupo terrorista ou organização terrorista, pelo artigo 258-3 do Código Penal da Ucrânia.

Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), não confirmou se Rafael continua detido, mas informou na quinta-feira (3), por meio de nota, que “acompanha o caso em apreço, por meio da Embaixada do Brasil em Kiev” e que “por questões de privacidade, o Ministério não está autorizado a divulgar mais informações sobre o caso.”

A prisão de Rafael foi informada por órgãos de imprensa da Ucrânia (assista ao vídeo do momento em que o brasileiro foi preso).

Essa não é a primeira prisão de Rafael. Em 12 de junho de 2012, ele ficou conhecido publicamente no Brasil após ser detido durante protesto contra a Copa do Mundo em São Paulo. Naquela ocasião, ele enfrentou a Polícia Militar (PM) de peito aberto, levando tiros de bala de borracha e spray de pimenta na cara.

Vídeo do Serviço de Segurança da Ucrânia mostra a prisão de Rafael Lusvarghi (Foto: Reprodução/Youtube/Serviço de Segurança da Ucrânia)

'Corajoso'

"Rafael é corajoso desde sempre. Foi meu comandante e de outros brasileiros que lutaram ao lado dos separatistas”, lembrou Raul, que lutou a seu lado de abril a outubro de 2015. “É um grande amigo e estou preocupado com ele preso na Ucrânia”.

Rafael foi o primeiro brasileiro a se alinhar as tropas separatistas. Raul se uniu depois a outros brasileiros na Ucrânia.

O grupo de combate comandado por Rafael contava com cinco  brasileiros, um espanhol, três franceses e um norte-americano. Ele fazia parte do Exército Regular da República Popular de Donetsk – autoproclamada pelos rebeldes após uma consulta pública à população local que foi considerada ilegítima pelas autoridades em Kiev e pela maioria da comunidade internacional.

Raul Athaide e Rafael Lusvarghi (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)

Era o governo da região de Donetsk que oferecia documentação, atendimento médico, alimentação e alojamento aos combatentes. Outros 12 brasileiros já passaram pelo grupo. A principal tarefa era observar a movimentação do exército ucraniano e reportar ao comando do batalhão.

Para Raul, seu amigo pode ter sido vítima de uma "emboscada" armada entre a empresa que o contratou para trabalhar em cargueiros e o serviço secreto ucraniano.

"Essa empresa que contratou Rafael para ser segurança de navios ucranianos na costa africana seria vinculada ao serviço secreto da Ucrânia. Acho que ela acionou os agentes ucranianos", falou Raul, que afirma saber do que acontece em Kiev por meio de conversas que ainda mantém com integrantes das tropas separatistas.

Na opinião de Raul, os separatistas estariam tentando incluir Rafael numa lista de troca de prisioneiros. "Tem prisioneiros ucranianos que poderiam ser trocados pelos que lutaram pela Nova Rússia", disse.

Por causa da prisão de Rafael, algumas pessoas criaram uma página no Facebook pedindo a soltura dele: "Free Rafael Lusvarghi". Em 14 de outubro, o Itamaraty divulgou nota informando que o serviço consular do Brasil entrou em contato com Rafael e ele estava “bem”, sem sinais de que tenha sido maltratado na cadeia.

O G1 não conseguiu localizar a família de Rafael ou seu advogado no Brasil para comentarem o assunto.

Página criada no Facebook pede liberdade a Rafael Lusvarghi (Foto: Reprodução / Facebook)

Perfil de Rafael

Mais velho de quatro irmãos nascidos numa família de origem húngara e de classe média, Rafael é jundiaiense. A mãe professora é separada do pai, empresário em Minas Gerais. Na adolescência, ele fez curso de técnico de agronomia.

Aos 18, Rafael se alistou na Legião Estrangeira, na França, onde serviu por três anos. Na volta ao Brasil, foi soldado da Polícia Militar de São Paulo, entre 2006 e 2007. Depois tentou a carreira de oficial na PM no Pará, mas abandonou em 2009.

Em 2010, ele seguiu para a Rússia para estudar medicina. Tentou entrar para o exército russo, mas não conseguiu e voltou à América do Sul. Afirmou ter entrado no território colombiano, onde ingressou nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Rafael Lusvarghi em vilarejo na periferia da cidade de Debaltseve, no leste da Ucrânia (Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi)

Descontente, retornou ao Brasil. Começou a dar aulas de inglês e trabalhar numa empresa de informática em Indaiatuba, interior paulista. Mas após ter sido preso pela PM em junho de 2014 durante os atos anti-Copa, perdeu os empregos.

Rafael chegou a ficar 45 dias preso, mas a Justiça de São Paulo o absolveu das acusações de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de material explosivo.

Depois de solto, em setembro de 2014, Rafael viajou a Ucrânia, onde lutou com os militares pró-Rússia. Enquanto esteve combatendo nas forças separatistas, ele chegou a ser ferido. Ficou no país até o acordo de cessar fogo ser assinado. Voltou ao Brasil e seguiu novamente a Ucrânia, após receber proposta de emprego para ir ao Chipre.

Rafael Lusvarghi combatente (Foto: Divulgação / Arquivo pessoal)

Segundo nota do Serviço de Segurança da Ucrânia, Rafael foi preso no aeroporto quando entrava no país. Ele foi detido por agentes do Serviço de Segurança da Ucrânia e do Serviço de Fronteiras do Estado. Com o brasileiro foram encontrados passaporte estrangeiro, uma medalha por serviços de combate e um laptop que tem uma conversa com representantes de grupos terroristas.

Desde o início da guerra na Ucrânia, em abril de 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) registrou 9.640 mortos e 22.431 feridos entre membros das Forças Ucranianas, civis e de grupos armados. A Ucrânia e outros países do Ocidente acusam a Rússia de enviar tropas e apoio aos rebeldes, o que o presidente russo, Vladimir Putin, sempre negou.

Rafael (acima à esquerda) segura bandeira brasileira ao lado de combatentes no leste da Ucrânia (Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi)