Interior

Funai denuncia invasão de terra indígena

Fundação acusa prefeitura de doar terreno a terceiros para construção de parque aquático em terras dos Xucuri-Kariri

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 24/07/2024 08h40 - Atualizado em 24/07/2024 15h01
Funai denuncia invasão de terra indígena
Parque Aquático está sendo construído por investidores, após a Prefeitura de Palmeira dos Índios comprar terreno por R$ 1 milhão e fazer doação do espaço - Foto: Divulgação

O coordenador regional da Funai – Fundação Nacional dos Povos Indígenas –, em Alagoas, Cícero Ferreira de Albuquerque, enviou ofício à Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e à presidente nacional da Funai, Joenia Wapichana, denunciando a construção de um parque aquático, de propriedade privada, que está sendo erguido em terras dos povos indígenas Xucuru-Kariri, em Palmeira dos Índios.

Conforme a denúncia da Funai em Alagoas, o terreno onde está sendo edificado o parque, cujo nome, é Parque Aquático Graciliano Ramos, foi cedido aos investidores pela prefeitura municipal de Palmeira dos Índios, quarta maior cidade do Estado. No ofício, o escritório alagoano pede a intervenção do governo federal.

Cícero Ferreira de Albuquerque assegurou que a obra havia sido suspensa, no entanto, foi retomada a plenos vapores, com inauguração prevista, inclusive para final de setembro ou início de outubro, conforme apurou a reportagem.

O parque fica na rodovia AL-210, em frente à indústria Valedourado. A área total é de, aproximadamente, 30 mil metros quadrados e contará com piscinas, toboáguas, restaurantes, entre outros espaços. Para isso, o município entrou com apoio fiscal e locacional, a partir de uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores do município. Depois de pronto, o valor do empreendimento é estimado em R$ 20 milhões. O valor foi estimado pelo proprietário.

O terreno, situado dentro da área declarada como indígena, foi adquirido pela prefeitura por R$ 1 milhão de um posseiro e “doado” ao empresário, segundo informações da prefeitura.

Os proprietários do Parque Aquático são investidores do município de São José da Laje, distante cerca de 98 quilômetros da capital e que faz limite com União dos Palmares e Ibatequara. Em São José da Laje, que fica na Zona da Mata alagoana e faz divisa com Pernambuco.

Obras do Parque Aquático Graciliano Ramos estão em andamento com inauguração prevista para este ano (Foto: Divulgação)

“Documento é pedido de socorro”, diz coordenador

O documento expedido pelo braço da Funai em Alagoas, também foi direcionado ao procurador da República do Ministério Público Federal, em Alagoas, Eliabe Soares da Silva; ao defensor público da União, Diego Bruno Martins A ves e aos caciques e lideranças da Comunidade Indígena Xucuru Kariri, em Alagoas.

No documento, Cícero Ferreira de Albuquerque, chega a evocar “a memória dos guerreiros Alfredo Selestino, Miguel Celestino, das guerreiras Maninha Xucuru e Raquel Xucuru e de várias outras lideranças do povo Xucuru-Kariri que já partiram porque sabemos das agressões que o povo Xucuru-Kariri vem sofrendo ao longo de anos, de séculos e sabemos bem das humilhações e ameaças recentes”.

De acordo com ele, o pedido de socorro feito ao governo federal é um dever ético, um apelo às autoridades e um chamado ao povo Xucuru- Kariri. A denúncia foi robustecida por fotos datadas e georreferenciadas. “É ultrajante o território tradicional do povo Xucuru Kariri continuar intrusado, machucado, ofendido. Alfredo, Miguel, Maninha e Raquel, assim como tantas e tantos outros encantados, foram protagonistas da luta e da resistência do seu povo. Que essa história seja inspiração para que não haja subjugação dos que ainda pisam o solo tradicional de Palmeira dos Índios”, disse.

Placa de lançamento do parque, ocorrida no ano passado (Foto: Divulgação)

Empresário nega que parque esteja em terras indígenas

O empresário Eraldo Pedro da Silva afirma que o parque aquático pertence ao “VP de Omena”, abreviação do nome da sua esposa Valdete Pereira de Omena. Ele nega que o terreno seja de propriedade indígena.

“Quando a prefeitura fez a doação do terreno pra mim, nós averiguamos toda a papelada. Esse terreno, há quase uns 50 anos, estava no nome de uma mulher. A prefeitura comprou pra fazer um distrito industrial.

“Desmembrou uma parte e nessa parte será o parque. Os indígenas dizem que o terreno é deles. “Temos toda decisão tomada pelo Supremo [Tribunal Federal]. Se os indígenas alegam que a terra é deles, eles precisam provar”, salientou, acrescentando que está à disposição para sanar quaisquer outras dúvidas”.

Eraldo Pedro da Silva fez questão de frisar os benefícios que, na sua avaliação, o empreendimento irá garantir a Palmeira. “Vamos empregar diretamente cerca de 120 pessoas. “Iremos ajudar o município a ter renda. Todo o material de construção está sendo comprado no comércio local”.

Todos os funcionários da obra são de Palmeira. O prefeito queria trazer um parque para o município, mas não achava uma empresa legalizada que pudesse assumir a obra. Certo dia, ele visitou meu parque, sentamos, conversamos e ficou tudo acertado, acrescentou o empresário.

Prefeitura confirma que adquiriu o terreno do local

Por meio da assessoria de comunicação, a prefeitura de Palmeira dos Índios confirmou que o terreno em questão foi adquirido pelo município com a finalidade de transformar o local em um Polo Multisetorial. Sem detalhar o que é será esse polo, afirmou também que o parque em construção é de propriedade privada.

“Em nenhum momento, frise-se, o município foi cientificado tratar- se de terra indígena”, destacou.

Ainda segundo a prefeitura, o terreno pertence ao município. “Houve uma reunião no Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas sobre a inclusão de terras de Palmeira dos Índios como áreas indígenas Xucuru-Kariri. A Funai queria registrar essas terras como inalienáveis, ou seja, que não podem ser vendidas ou transferidas, com base na antiga Instrução Normativa 03/2012, que proibia a emissão de atestados administrativos para terras reivindicadas por indígenas. Porém, essa instrução foi revogada pela Instrução Normativa 09/2020, que permite a comercialização de terras indígenas ainda não homologadas pelo presidente da República. A nova instrução de 2020 mudou as regras, permitindo que apenas terras indígenas homologadas sejam reconhecidas oficialmente. Isso significa que terras não homologadas podem ser vendidas e licenciadas , completa.