Esportes
Pelada com direito a VAR em Alagoas
Times disputam final de campeonato de bairro em Maceió, juiz apela para filmagem para tirar dúvida de lance polêmico e quase apanha
Hoje em dia está na boca ou mente de qualquer pessoa ao redor do planeta ou num papo entre amigos — alheios ou não ao futebol — que um tal de “VAR” se tornou a grande vedete para tentar “acabar” com as polêmicas da arbitragem no esporte mais popular do mundo. O VAR (do inglês Video Assistant Referee), o árbitro assistente de vídeo, foi implantado em 2018 pela Fifa, na Copa da Rússia.
Sua grande finalidade foi modernizar o futebol profissional, com uso de alta tecnologia para justamente “acabar” com as tais injustiças no futebol.
Mas êpa, alto lá!
Imagine usar a “alta tecnologia” do VAR, ao invés de ser em um jogo do futebol profissional, em um campo de várzea, poeirão, ou “pelada”, como se dizia antigamente, para tirar a dúvida de um lance polêmico, numa partida quente entre dois times amadores de um bairro periférico e popular no Brasil...
Pensou?
Pois bem! E não é que o tal do VAR chegou e virou mania também numa simples “pelada” em um bairro periférico de Maceió.
Isso ocorreu na partida entre as equipes amadoras do América contra o Bola Mais Um (sim, é esse mesmo o nome do time), ambos do bairro do Eustáquio Gomes, na parte alta periférica de Maceió, em pleno sol causticante, às 11h da manhã.
Pois some-se a isso, ainda, em plena pandemia do coronavírus, quase ninguém de máscara, em um campo de várzea lotado, com estimativa de quase mil pessoas presentes à pelada que tinha um atrativo a mais, além do próprio VAR improvisado: os dois times disputavam a decisão do Campeonato de Várzea do bairro Eustáquio Gomes, no glorioso “campo” (em verdade piso de barro ou poeirão), do “Campo do Genaro”, espaço futebolístico pertencente ao amador time do Vitória, também do Eustáquio Gomes.
Juiz Ricardo Melo, no momento em que consulta o “VAR” improvisado (estrutura acima com uma câmera) sob protestos e aplausos de torcedores que invadem o campo
Ah, e a pelada ainda teve direito a locução oficial, com o narrador se esforçando a todo momento para ver os lances por causa da invasão de campo frequente dos torcedores dos dois times.
“VAR” NÃO ERA VÁLIDO, MAS NOSSO HERÓI ENTRA EM AÇÃO E QUASE APANHA
Bem, mas sobre a peleja decisiva propriamente dita entre o América e o Bola Mais Um, no poeirão do Genaro, sem comodidade alguma para quem assistia à pelada, a partida já estava nos seus minutos finais e o América vencia pelo placar de 1 a zero. Foi quando um lance polêmico esquentou ainda mais a partida. Confusão na área do América e um jogador do Bola Mais Um disputa uma cabeçada dentro da área e a bola supostamente bate na mão de um defensor do América.
Foi aí que entrou em cena o grande personagem da pelada decisiva. Incontinenti, o juiz Ricardo Melo, 49 anos, pressionado pelos jogadores do Bola Mais Um, marca pênalti.
Confusão formada, reclamação dos jogadores do América e invasão de campo, quer dizer, do poeirão. Imbróglio generalizado pra cima do pressionado juiz.
Para tentar encontrar uma solução e resolver a polêmica na pelada, Melo lembrou que a partida estava sendo filmada e surpreendeu a todos. Como que, por encanto, para espanto de todos, cercado por todos os lados, o juiz fez o famoso gesto com os braços imitando os árbitros do futebol profissional para consultar o famoso VAR: e assim, nosso herói pressionado, fez o desenho gestual de que iria consultar a filmagem, ou seja, o VAR improvisado no campo do Genaro.
Sob vaias e aplausos dos prós e contras, correu e subiu até onde estava o câmera e a câmera, olhou, olhou e, sob suspense geral, decidiu rever a decisão e anular o pênalti.
Nova confusão: a torcida e os jogadores do Bola Mais Um o cercaram, ameaçaram até agredi-lo, sob a justificativa que ali naquela pelada não estava acordado consultar a filmagem ou o VAR improvisado.
Melo então cedeu às pressões e refez novamente a decisão, mantendo o pênalti.
“Eu me equivoquei, confesso, mas foi a alternativa que tive na hora para realmente ter certeza da minha marcação. Lembrei que o jogo estava sendo filmado”, explicou Melo à reportagem.
Ricardo Melo, que nos dias de rotina vive da profissão de vigilante, tem 26 anos de experiência nas peladas de bairros afora em Maceió.
Pênalti mantido. O jogador do Bola Mais Diego bateu, mas o goleiro americano Irlã defendeu o chute, garantindo o placar por um a zero e o caneco do campeonato, além da premiação de R$ 3. 500 para ratear entre os jogadores do América.
Jogador Diego bate o polêmico pênalti marcado com o “VAR”, mas goleiro Irlã defende e garante o título da várzea para o América, no campeonato do Eustáquio Gomes
ORGANIZADOR PEDE APOIO PARA VÁRZEA
Apesar de toda polêmica com a introdução inesperada de um VAR improvisado na decisão do campeonato do Eustáquio Gomes, o organizador e presidente da Liga de Futebol de 7 do torneio, Anderson Melo, torce que este episódio sirva para divulgar os campeonatos de várzeas espalhados em Alagoas, e angariar mais apoios de parceiros, pequenos empresários de bairros e do poder público. Ele espera que haja mais incentivo ao esporte nos bairros periféricos das cidades que ainda mantêm viva o futebol de várzea.
“Na decisão, tivemos filmagem, locutor, além de um lindo troféu dado ao campeão e premiação em dinheiro. Tudo isso foi possível com esses pequenos apoios. Quem sabe se no próximo poderemos ter realmente um VAR profissional?”, disse Anderson.
O campeonato de Fut 7 do Eustáquio Gomes reuniu 22 times de vários bairros da capital alagoana em sete meses de disputa e no próximo dia 4 de abril já inicia um torneio chamado Copão.
“Isso sem contar que esses torneios ainda revelam jogadores e talentos para os clubes profissionais”, completou Anderson Melo.
Pois que assim seja, em nome do futebol genuíno, de raiz, brasileiro, com ou sem VAR.
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