Entretenimento
Curta ‘Dois Cabras’ comprova a força e o caráter do cinema alagoano
Amor entre dois homens é, sem dúvida, a maior ousadia e o maior mérito do filme

Uma direção que enxerga a natureza como um personagem e sabe articulá-la a um elenco afiado são dois ingredientes importantes do curta-metragem alagoano Dois Cabras [BRA, 2022], que participa do Tietê Internacional Film Awards, em dezembro, em São Paulo.
Em pouco mais de 20 minutos de vídeo, o cineasta alagoano Alex Walker conta a história de um inusitado triângulo amoroso capaz de ruborizar até mesmo Nelson Rodrigues, que viveu e produziu suas crônicas de comportamento no Rio de Janeiro, em meados do século passado.
Walker, que além de dirigir, integrou o grupo de roteiristas, lança seu primeiro curta com suficiente competência para um estreante. O tema do amor entre dois homens é, sem dúvida, a maior ousadia e o maior mérito de Dois Cabras, cujos diálogos e estética estão repletos de elementos como solidão, virilidade e desejo. A expiação de culpas e o fanatismo religioso que vêm a reboque, atormentando os personagens, parecem ter ficado em algum lugar do século XX, mas numa época de perplexidade com um Brasil conservador e intolerante às liberdades e à diversidade, a angústia e a dor tornam a obra ainda mais autêntica.
A direção de Walker articula com competência a natureza do litoral alagoano e seus tipos humanos, permitindo um mergulho naquelas típicas cidades costeiras do interior do Nordeste: seus cheiros, seus barulhos, sua gente.
Entretanto, isso não seria possível sem personagens bem construídos, em parte pelo trabalho do diretor e do preparador de elenco, Cleyton Alves, mas também pelos esforços e talento dos próprios atores. Aqui, merece destaque o veterano Abides de Oliveira na pele do envelhecido e solitário pescador Sebastião. Há mais de 30 anos, Oliveira dedica-se às artes cênicas, tendo passagem por cursos de formação de ator da Ufal e grupos como a Associação Teatral Joana Gajuru. Chama atenção também a entrega do jovem Alan Cardoso, como o atormentado Jorge, que passa longe de qualquer personagem-estereótipo. É de espantar como esses dois atores de gerações distintas fazem saltar aos olhos do telespectador a cumplicidade de Sebastião e Jorge. É de se tirar o chapéu para Oliveira e Cardoso, por cumprirem tão bem essa missão em apenas de 24 minutos e 55 segundos de filme.
A força das mãos, o olho no olho
Se os dois cabras do título estão presentes e mostram a que vieram, seu universo humano poderia ser melhor explorado, como a Prazeres e a Maria, verso e reverso de um só personagem, vivido pela atriz Arilene de Castro, e que é o fio condutor para o desfecho da história. Mereceriam também algum espaço personagens que aparecem de relance no Bar da Marival, como a bicha travestida debruçada no parapeito da janela, cuja simples presença e caracterização levantam curiosidade. O que ela sabe sobre esses dois cabras e sobre a vida ambígua de Prazeres-Maria?
Se, por um lado, fatores como tempo de produção e orçamento restritos explicam parte dessa e de outras limitações nesse tipo de produto audiovisual no Brasil, por outro, a iniciativa de Walker e de sua equipe de superar esses limites e trazer para as telas um filme alagoano com uma temática gay mostra que não há empecilhos que a arte não possa ultrapassar.
Somadas à força dos artistas e produtores, a exuberante natureza de Alagoas e a potente sonoridade das suas águas são uma prova de quanto é importante valorizarmos o país que temos e o povo que somos, especialmente em momentos que políticos reacionários agem contra o potencial da nossa arte, da nossa cultura. “O caráter de um homem a gente sabe na força das mãos e no olho no olho”, diz Sebastião, a certa altura do filme. Dois Cabras comprova que a arte alagoana e cultura brasileira continuam cheias de força e de caráter.
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