Educação

Metade dos estudantes do ensino fundamental e médio sofre impacto da violência armada no Grande Rio

Mais de 800 mil crianças e adolescentes, de 1.800 escolas públicas do Rio de Janeiro e outros 19 municípios da região metropolitana, estudaram em áreas dominadas por grupos armados em 2022

Por Assessoria 29/05/2025 13h48
Metade dos estudantes do ensino fundamental e médio sofre impacto da violência armada no Grande Rio
O relatório, lançado nesta quinta-feira, analisa o impacto do controle territorial armado (notadamente por facções e milícia) sobre escolas públicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro - Foto: Jose Cruz / Agência Brasil

Cerca da metade (48%) das crianças e adolescentes que cursam os ensinos fundamental e médio, das redes municipais e estadual, do Grande Rio (cidade do Rio de Janeiro e 19 municípios), está exposta cotidianamente aos efeitos da violência crônica imposta pelo controle armado nas regiões em que suas escolas se encontram. Essa é a conclusão do relatório Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Fogo Cruzado (IFC), o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) e o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (CERES-IESP).

O relatório, lançado nesta quinta-feira, analisa o impacto do controle territorial armado (notadamente por facções e milícia) sobre escolas públicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com foco na exposição de crianças, adolescentes e a comunidade escolar à violência crônica e aguda. A partir do cruzamento de dados sobre o mapa de áreas dominadas por grupos armados e a localização das escolas públicas, foi possível concluir que boa parte dos estudantes estava inserida, em maior ou menor grau, em contextos de violência armada – com 48% dos estudantes de 19 municípios do Grande Rio e 55% dos estudantes da capital sendo afetados pela violência armada.

Eventos de violência armada aguda - tiroteios em situações ou não de operações/ações policiais - nas imediações de escolas foram contabilizados mais de 4.400 vezes somente em 2022. A Zona Norte do Rio concentra o maior número de ocorrências: em um ano, escolas da região foram afetadas por tiroteios 1.714 vezes. O número da Baixada Fluminense também é preocupante: 1.110. Já a Zona Sul é a que possui menos escolas em áreas dominadas por grupos armados e é também a que teve menos escolas afetadas (29) por tiroteios (86 vezes) em 2022.

“Esses dados são alarmantes e têm contornos ainda mais preocupantes quando comparamos o impacto da violência armada entre estudantes das diferentes regiões do Grande Rio. Essa situação reforça as desigualdades já conhecidas, mas também a necessidade de promover maior integração entre as políticas de segurança pública e educação para lidarmos com os efeitos do controle territorial armado no acesso à educação. Com isso, queremos garantir que nenhuma criança ou adolescente, seja qual for a escola que estude, esteja sujeita à violência armada”, afirma Flavia Antunes, chefe do escritório do UNICEF no Rio de Janeiro.

Essa desigualdade imposta aos estudantes de acordo com a região onde moram é observada em outros dados do relatório: enquanto 29 escolas da Zona Sul da capital, ou 30% do total, registraram ao menos um episódio de violência armada aguda na sua vizinhança, o número chega a 510 na Zona Norte (ou 65% das escolas). Ainda assim, mesmo dentro da região mais rica da cidade, há desigualdades: enquanto 54% das escolas em áreas sob controle territorial na Zona Sul estiveram expostas pelo menos uma vez a tiroteios, nas áreas não controladas da região esse percentual é de 15%.

É preocupante também a frequência com que algumas escolas estão expostas a episódios de violência armada. Em 2022, uma mesma escola de São Gonçalo registrou 18 episódios de violência armada aguda — na média, um tiroteio a cada duas semanas — liderando o ranking de unidades mais afetadas.

Maria Isabel Couto, diretora do Instituto Fogo Cruzado, explica como os dados que revelam a desigualdade do impacto da violência armada são importantes para a formulação de políticas públicas. “Vivemos em um estado que registra níveis inaceitáveis de confrontos. Mas eles não acontecem da mesma maneira e com a mesma intensidade em todos os locais. Hoje podemos identificar padrões da violência armada que podem ajudar a priorizar áreas de intervenção do poder público e que demonstram como a participação da polícia nos confrontos pode ser decisiva em alguns locais. Informações como essas são instrumentos poderosos para agir hoje e reduzir as desigualdades de amanhã. Negá-las é negar o direito igual à educação de todas as nossas crianças e adolescentes", afirma. O relatório conclui também que as áreas de violência armada aguda envolvendo o Estado, por meio da polícia, são áreas com alta incidência de tiroteios. Embora áreas controladas tenham menos escolas se comparadas com as áreas não controladas (1839 e 1933, respectivamente) em 2022, o número de tiroteios em ações policiais foi três vezes maior em áreas controladas do que em áreas não controladas.

O coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), Daniel Hirata, destaca a importância de compreender e enfrentar as distintas manifestações da violência armada no Rio de Janeiro. “As duas dimensões da violência armada do Rio de Janeiro, a crônica e a aguda, precisam ser enfrentadas com urgência. O primeiro passo este relatório já oferece, ou seja, uma caracterização precisa dessas dimensões da violência armada e o apontamento de soluções específicas para cada uma delas.Mas é necessário seguirmos para o segundo passo, da atuação concreta na proteção de crianças e adolescentes”, defende.

Recomendações

O relatório apresenta algumas recomendações aos atores públicos com foco na prevenção da violência armada contra crianças e adolescentes, em especial em relação ao impacto dos confrontos armados na educação. Elas incluem:

Enfrentar e reduzir o controle territorial armado e seus efeitos sobre crianças, adolescentes e a comunidade escolar;
Integrar políticas de segurança e educação e erradicar os impactos negativos de operações policiais no entorno de escolas;
Fortalecer uma educação que protege contra as violências;
Desenhar e implementar um modelo protetivo de segurança pública para a infância e adolescência, e enfrentar com inteligência e investigação os grupos armados no Rio de Janeiro;
Implementar a Lei Ágatha Felix e priorizar o esclarecimento de homicídios, especialmente de crianças e adolescentes
Implementar e ampliar protocolos de resiliência em serviços e comunidades;
Desenhar e implementar um modelo de reparação de serviços e da comunidade
Segunda parte da série

O relatório de caracterização dos territórios onde se encontram as escolas é o primeiro de uma série de dois estudos. No segundo, serão avaliados os efeitos da influência da violência armada sobre aprendizado e taxa de abandono

escolar, em uma tentativa de medir especificamente o impacto da violência armada na educação pública do Rio de Janeiro e mais 19 municípios da Região Metropolitana, para além dos aspectos socioeconômicos já conhecidos da literatura sobre desigualdades educacionais.

SOBRE AS ORGANIZAÇÕES

UNICEF

O UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, trabalha para proteger os direitos de cada criança e adolescente, em todos os lugares, especialmente os mais vulneráveis, nos locais mais remotos. Em mais de 190 países e territórios, fazemos o que for preciso para ajudar crianças e adolescentes a sobreviver, prosperar e alcançar seu pleno potencial. Em 2025, o UNICEF comemora 75 anos no Brasil.

O trabalho do UNICEF é financiado inteiramente por contribuições voluntárias. Acompanhe nossas ações no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e LinkedIn.

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FOGO CRUZADO

O Fogo Cruzado é um Instituto que utiliza tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida. Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 50 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife, de Salvador e de Belém.

Por meio de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado obtém e disponibiliza informações sobre tiroteios, verificados em tempo real, sendo o único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto ou dos relatórios produzidos mensalmente.

Acompanhe o Fogo Cruzado: site, X (antigo Twitter), Bluesky, Facebook, Instagram e LinkedIn ou baixe o aplicativo para Android ou iOS.

GENI/UFF

O Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) é um grupo de pesquisa registrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq e especializado em temas associados às diferentes formas de violências e os conflitos sociais. O GENI-UFF se beneficia de estar sediado na Universidade Federal Fluminense, cuja centralidade na formação de recursos humanos é reconhecida em nível nacional e internacional. Neste espaço tão rico de formação e pesquisa na área, o GENI-UFF vem desenvolvendo projetos de pesquisa que envolvem discentes e docentes provenientes dessa rede institucional da UFF. Também é fundamental para o GENI-UFF a participação em redes interinstitucionais com outros grupos de pesquisa sediados em diferentes universidades brasileiras.

Acompanhe os estudos e relatórios do GENI pelo site https://geni.uff.br/ Conheça mais do nosso trabalho pelo Instagram, no perfil https://www.instagram.com/geni.uff/