Educação
Além dos muros da Universidade
Contingenciamento em recursos e bolsas de pesquisa representa ameaça às esperanças e garantia de direitos promovidas por projetos da Ufal
ÚNICO DO ESTADO
Projeto leva educação a crianças em tratamento contra o câncer Enfrentar um câncer é uma batalha pesada para qualquer pessoa. Isso se torna ainda mais difícil quando se trata de crianças. Ainda em formação, é preciso amadurecer rápido, lidar com o peso de um tratamento severo e até perder momentos únicos da infância. Em meio a tudo isso, o direito constitucional à educação precisa ser assegurado. Um grupo de pesquisadoras do curso de pedagogia da Ufal desenvolveu o projeto “Estudar, não importa o lugar!”.O projeto acontece no Hospital Veredas, no bairro do Farol.Crianças em tratamento contra o câncer pelo SUS são atendidas por projeto do curso de pedagogia da Ufal (Foto: Cortesia)
“Nosso objetivo é garantir que a criança internada não perca o ano letivo por conta da doença”, esclareceu a professora Edna Prado, coordenadora do projeto. Edna explica que o projeto surgiu de uma demanda levada à Universidade. “Na realidade, nasceu de um pedido das crianças que eram atendidas em ações das ONGs [Organizações Não Governamentais] e que queriam ‘ter aula’, ‘ter lição’. Não só ouvir história e pintar desenhos”, afirma. A rotina de atividades acontece tanto com pacientes que estão internos, quanto com os que precisam ir fazer quimioterapia ou outros procedimentos pontuais. O projeto conta com uma estrutura de nove pessoas. Quatro vão à pediatria todas as terças-feiras, trabalhando com pacientes que estão internos. Nas quartas-feiras, outro grupo com três pesquisadoras vai até a Casa da Criança, que, em Maceió, defende direitos de crianças e adolescentes e trabalha para a influência nas políticas públicas. Segundo a organização, em menos de um ano já passaram pelo projeto mais de 50 crianças. O foco são as crianças com câncer, mas também já foram atendidas crianças com anemia falciforme, que ficam muito debilitadas e precisam de internação. As responsáveis pelo projeto contam que os pacientes atendidos têm uma continuidade. No entanto, ao longo do projeto, algumas crianças não resistem ao tratamento e falecem. Há também aquelas que recebem alta e podem voltar a frequentar a escola regularmente. “Há um planejamento quase individualizado”, esclarece uma das idealizadoras do projeto, Williane Santos, que é psicóloga voluntária e estudante de pedagogia. “As crianças gostam do projeto, mas, às vezes, estão tão fracas que nem aguentam muito. As meninas sabem que não podem forçar”, diz a coordenadora Edna Prado. Os profissionais também têm um acompanhamento com psicólogos da Ufal e voluntários. “Todas as nossas pesquisadoras fazem terapia. É muito difícil ver uma criança com dor. Eu mesma não tenho muito preparo emocional. Tenho que segurar o choro. Doei mais de 30 centímetros do meu cabelo para fazer peruca”, completa. Todas as crianças são pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Grande parte das crianças – cerca de 80% em tratamento – é do interior de Alagoas. Uma das várias histórias que comovem o grupo é a de um menino de 11 anos. Criado pela avó, que ele chama de mãe, conta com incentivo total para realizar as atividades do projeto. Ele é um paciente que não vai para a brinquedoteca. Realiza atividades no leito, porque é muito debilitado. Depois de 4 meses internado, teve alta, foi para casa, passou menos de 15 dias e voltou ao hospital. No total, são quase 6 meses de internação. “É uma criança que está constantemente internada, então acaba sendo uma das que mais participam do nosso projeto. Ele cursa o 6º ano, mas devido ao tratamento, se afastou do colégio. Ele não tem previsão de alta e provavelmente só voltará a estudar no próximo ano”, relata Williane. “Com cortes, trabalho morre”, diz coordenadora A semente plantada com o projeto já representa a mudança na vida de todas as crianças que participam dele e a ideia é ampliar. O projeto tornou-se possível por causa do financiamento do edital do Programa Círculos Comunitários de Atividades Extensionistas (Proccaext). O trabalho das pesquisadoras tem uma ajuda de custo com a qual elas podem pagar despesas básicas, como transporte e material para trabalhar com as crianças. O edital costuma ser publicado anualmente e, contando com isso, o grupo planeja manter e até expandir o projeto. No entanto, com o recente corte anunciado pelo Governo Federal, é muito difícil que o edital seja lançado em 2019.Devido à complexidade dos tratamentos, muitas crianças ficam sem estudar; daí surgiu a ideia do projeto (Foto: Cortesia)
“Com o corte de quase 40 milhões de reais na Ufal, não terá dinheiro nem para contas básicas como água e luz. Já estamos com transporte limitado e esses alunos fazem as refeições no restaurante universitário, usam os laboratórios... A situação é muito séria. Com esses cortes, com certeza o trabalho morre”, afirma com preocupação a professora Edna. “Sem as bolsas, não tenho como contar com a ida das alunas ao hospital, pois muitas não têm dinheiro para a passagem de ônibus. O hospital disponibiliza o espaço físico, mas todo o material didático comprado pelo projeto precisa de recurso”, comenta a coordenadora. As pedagogas planejam ir mais adiante. “Além das atividades com as crianças, nosso objetivo é sensibilizar a sociedade alagoana acerca da regulamentação das classes hospitalares. Em outros estados, o professor presta o concurso público e no lugar de ir para a escola vai lecionar no hospital. É um trabalho de parceria entre a Secretaria da Saúde e da Educação”, afirma Williane Santos. A modalidade de ensino ainda não é difundida em Alagoas. É comum, no estado, crianças em tratamento oncológico perderem o ano letivo e se distanciarem da escola. Ao contrário de outras unidades do país que têm classes hospitalares regulamentadas, em Alagoas esse projeto é a primeira iniciativa do tipo. Atualmente, não existe legislação estadual nem municipal que garanta o trabalho da pedagogia hospitalar.MEIO AMBIENTE
Projeto no litoral norte está ameaçado No litoral norte alagoano, área que abriga as mais diversas espécies marinhas e terrestres da fauna e da flora, um projeto do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal destaca-se no meio acadêmico internacional. Ligado ao Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e Conservação dos Trópicos, o projeto Pesquisas Ecológicas de Longa Duração da Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais, ou, simplesmente, PELD Costa dos Corais – Alagoas, está em atividade desde 2017 com o objetivo de realizar pesquisas em microbiologia, plantas, ecologia de peixes, aves, répteis, mamíferos, pesca, turismo, recursos hídricos, sensoriamento remoto interagindo com pesquisadores da área social no que tange a percepções, conflitos, educação ambiental, entre outros. Os coordenadores do projeto estão temerosos com o anúncio do contingenciamento de 30% no orçamento da Universidade.Pesquisadores do PELD realizam mergulhos em diversos pontos do litoral norte de Alagoas para monitoramento da vida marinha (Foto: Cortesia)
“O projeto tem um alcance muito amplo. Eu trabalho com peixes recifais, mas há professores que trabalham com peixes da pesca, outros pesquisadores trabalham com os corais. É uma equipe multidisciplinar que durante os próximos dois anos vai trabalhar na Área de Proteção Ambiental [APA]”, afirma Cláudio Sampaio, professor da unidade de Penedo da Ufal que atua no PELD no litoral norte. O professor comenta que a área que ele exerce atividades dentro do projeto compreende os municípios de Japaratinga e Maragogi. “Nas duas cidades, selecionamos duas áreas. Temos uma área de visitação, que é aquela destinada ao turismo, como os Galés de Maragogi. Pesca não acontece ali, por exemplo. É uma área exclusivamente de atividade turística”, diz. A outra área chama-se Zona de Preservação da Vida Marinha. Cláudio Sampaio diz que essa é a área mais preservada da APA. “Todas as atividades nessa área, que não sejam pesquisas autorizadas pelo ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] são proibidas. A pesca é proibida. O turismo também é proibido. Até mesmo uma pesquisa que não tenha sido registrada não deve acontecer ali. Então é a área que consideramos mais livre do impacto da presença humana”, afirma. Um dos trabalhos que Cláudio exerce no projeto é comparar a vida marinha da área visitada por turistas de todo o mundo e da área preservada. “A gente faz mergulhos e, durante os mergulhos [nas duas áreas], a gente conta os peixes, estima o tamanho e também identifica espécies ameaçadas de extinção e espécies alvos da pesca. Através do tamanho, nós estimamos o peso dos peixes por metro quadrado e a biomassa que eles possuem nos recifes visitados e nos recifes destinados à preservação”, explica. Restrições põem em xeque preservação em Alagoas Fazendo uma estimativa do que será afetado dentro do projeto com o corte de verbas na Ufal, Cláudio Sampaio diz que o transporte para realizar as atividades de pesquisa pode ser o primeiro setor prejudicado. Ele relembra que reside em Penedo, na região sul de Alagoas, ou seja, no extremo oposto de onde ocorre o projeto.Cláudio Sampaio explica que o primeiro setor prejudicado do projeto pode ser o de transportes (Foto: Sandro Lima)
“Para a gente participar dessa pesquisa, nós praticamente cruzamos o estado. Sem o veículo oficial da Universidade se torna inviável por causa do volume de alunos que participam. A gente faz não só a capacitação de estudantes de graduação e pós-graduação, como também transportamos equipamentos. Estamos falando de transporte, mas também temos que pensar em energia elétrica, em serviços de terceiros, que é o pessoal da limpeza e da segurança, por exemplo. É muito preocupante, principalmente para quem está longe. Isso, talvez, algumas pessoas não entendam. No Campus da Ufal em Maceió, o corte será sentindo. Mas quem está mais afastado, nas unidades do interior, sentirá profundamente. Isso sem falar nos cortes nas bolsas de estudos, que servem praticamente de salário para essa nova geração de pesquisadores. Se a gente interromper esse processo, de onde virá a próxima geração de pesquisadores alagoanos?”, declara o professor. Segundo Cláudio, o projeto tem direito há várias solicitações de transporte oficial da Universidade por mês. Porém, com o contingenciamento, essas várias solicitações podem se transformar em apenas uma por mês. COMUNIDADES O coordenador de Componente de Governança e Socioecologia do projeto, João Campos-Silva, comenta que as atividades de pesquisa no litoral norte do estado, além de aumentarem o conhecimento sobre a natureza da área, ajudam a compreender quais são as oportunidades de geração de renda, melhoria da qualidade de vida da população local, conservação da biodiversidade e como se dá fortalecimento da gestão da APA. “O projeto tem por finalidade monitorar os recursos naturais, as ameaças e os modos de vida das populações que utilizam as áreas da APA Costa dos Corais. Especificamente, investigamos a condição das pessoas que utilizam essa área. Quais dificuldades enfrentam? De quais recursos dependem? Como as pessoas são inseridas na gestão da área? Quais impactos locais e globais podem ameaçar as comunidades de pescadores, marisqueiras e artesãos? Essas são algumas perguntas que o projeto busca responder”, afirma João. O coordenador diz que as comunidades locais participam do projeto de várias formas, seja em conversas e entrevistas com membros da equipe, ou participando de forma mais ativa, como bolsista do projeto, por exemplo. “A população pode ser protagonista no estabelecimento de um desenvolvimento sustentável e equitativo para a região”, comenta. CORTES NAS BOLSAS A vice-coordenadora do PELD Costa dos Corais - Alagoas, professora Nídia Fabré, afirma que o contingenciamento já começou a ser sentido na Universidade. De acordo com Nídia, setores fundamentais como segurança já estão sendo reduzidos. Apesar das dificuldades no campus, Nídia Fabré ressalta que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) já honrou com os compromissos que possui com o projeto e repassou a parcela deste ano. A parcela anual já paga pela Fapeal é direcionada para os recursos necessários dentro do PELD Costa dos Corais – Alagoas. “São recursos usados, por exemplo, para compra de materiais”, comenta. Além da Fapeal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também ajudam a manter o projeto. “O nosso problema é o seguinte: se, em setembro, o governo não repassar os recursos para o CNPq, não vai ter dinheiro para pagar nenhuma bolsa”, diz. Se o futuro é incerto, o projeto atualmente já sofre com o corte do MEC. “Nós temos alunos do PELD que estão com previsão de fazer estudos no exterior, e a gente não está conseguindo orçamentar essas bolsas, no momento, por causa do corte. Segundo a professora, atualmente, metade da turma de mestrado que participa do PELD está sem bolsa de iniciação científica. Já na turma de doutorado que participa do projeto, o problema se agrava. Nídia estima que 60% dos alunos não estejam recebendo os valores referentes às bolsas.SORRISOS
Odontologia chega em áreas onde faltam políticas públicas A Faculdade de Odontologia da Universidade (FOUFAL) presta à comunidade diversos serviços. Além da parte teórica, os alunos desenvolvem a prática com a comunidade. De acordo com o professor e membro do colegiado, Ricardo Bessa, a prática externa, isto é, fora da Ufal, realiza mais de 800 atendimentos. Os atendimentos ocorrem em cinco clínicas e também há a modalidade de iniciação científica com 8 programas. “Desenvolvemos trabalhos de extensão e prática acadêmica no Hospital Universitário [HU], Hospital Geral do Estado [HGE] e unidades de saúde. O HU, por exemplo, nos fornece o cenário de prática para nossas atividades, são atividades da faculdade que ocorrem em outros lugares. São cenários de prática fora do ambiente ambulatorial normal. Só para ter uma ideia, são 815 atendimento por semestre”, explica o professor.Trabalho de odontologia presta atendimento em áreas sociais vulneráveis em Maceió (Foto: Sandro Lima)
Bessa destaca que o trabalho desenvolvido pelo curso de odontologia alcança áreas sociais vulneráveis e que não estariam recebendo assistência do poder público caso não houvesse a presença da Universidade. “O trabalho que desenvolvemos atende os pacientes com necessidades especiais, paralisias cerebrais, problemas cognitivos, pacientes autistas que precisam de um cuidado bucal. Todas as pessoas precisam de cuidado bucal, mas no caso delas é mais difícil, são pacientes agressivos, que têm dificuldades para fazer higiene bucal. É um público que ninguém atende e se não fosse o nosso trabalho ninguém atenderia. Nem os cursos particulares, onde há prática acadêmica fazem um trabalho tão específico”, diz. A estudante de odontologia Mariana Gomes conta que além da prática do curso, ela participa de projetos de extensão que envolvem pacientes com necessidades especiais como síndrome de Down, fenda palatina, entre outros. “Tem a DownSorriso, que é uma extensão onde prestamos atendimento para pacientes com síndrome de Down. Atendemos em média 30 pacientes. É um serviço muito difícil, porque pacientes com necessidades especiais têm uma dificuldade muito grande para serem atendidos em Maceió. Essa extensão da faculdade de odontologia presta atendimento para eles e também fazemos encaminhamento para outros tipos de profissionais, como fonoaudiólogo, médico, terapeuta ocupacional. Também tem outro projeto que atende outras síndromes e fazemos um trabalho com a odontopediatria”, detalha a estudante. A partir da prática acadêmica, os alunos realizam mutirões de atendimento em comunidades carentes e fazem diagnósticos de problemas associados à saúde bucal. “Temos a Liga Acadêmica de Dentística, que faz atendimento para a população, fazendo serviço de restauração dentária para pessoas de baixa renda. Fazemos triagem de pacientes para detectar algum tipo de lesão ou patologia. Também fazemos mutirão. No último, fizemos na quadra poliesportiva do Village Campestre e realizamos 120 atendimentos, destes conseguimos detectar 30 lesões. Além do diagnóstico oral, fazemos esse tipo de atendimento, já fizemos na Vila dos Pescadores e na Faculdade de Odontologia”, afirma a estudante.Mariana Gomes fala sobre a DownSorriso, extensão que atende pacientes com síndrome de Down (Foto: Sandro Lima)
Todo esse envolvimento com a comunidade gera satisfação para os estudantes e retorno social para a população. “Os pacientes costumam dizer que dão graças a Deus por conseguirem ser atendidos aqui. Nós temos uma lista enorme de pacientes. São poucos alunos, mas nós nos dividimos para dar conta de todo mundo”, pontua. LIMITAÇÃO DE RECURSOS Todas as atividades desenvolvidas para a sociedade fazem parte do currículo acadêmico do curso, isto é, entre as disciplinas e aulas teóricas os alunos fazem o atendimento à população sob a orientação dos professores. No entanto, com o contingenciamento de recursos, o cenário que já é bastante limitado pode ser agravado e até haver suspensão de atendimentos. “A limitação dos recursos é muito grande. Nós acabamos arcando com os EPI’s, tiramos do nosso bolso para custear, porque a Universidade em si custeia o básico, que é anestésico, gaze... Mas se for tirado isso vai ficar mais pesado para nosso bolso e talvez não seja possível dar continuidade ao projeto”, diz a estudante. “Já atuamos com limitações e restrições financeiras, a diferença é que hoje falta, demora, mas chega. Com os cortes, vai faltar, eu vou pedir, mas não vai chegar, porque não vai ter dinheiro”, lamenta Ricardo Bessa.TALENTOS DO ESPORTE
Jovens produzem ciência e rotas para o futuro na Ufal Para muitos jovens, a universidade pode parecer um mundo distante, fora de suas realidades. Um ambiente elitizado, para poucos. Será? Com a Fábrica Coletiva de Talentos (FCT), um projeto de extensão promovido por pesquisadores do curso de educação física, ficou provado que não. Novos atletas vêm sendo descobertos há anos entre estudantes de ensino médio por conta dos treinos realizados pelo projeto, mas isso é só o começo. Atraídos pelo esporte, os adolescentes descobrem novas possibilidades e percebem que a ciência pode ser feita por todos e para todos.Luan dos Santos e Higor Spineli (Foto: Edilson Omena)
Aluno de doutorado da Ufal, Higor Spineli é treinador e grande entusiasta do time. Ele explica que a iniciativa do professor Gustavo Araújo foi levada para o ambiente acadêmico para que, além de criar atletas, pudesse apresentar a realidade da Universidade e tudo que ela pode oferecer. “Através disso, eles podem pensar em um futuro diferente. Levamos para o laboratório, onde eles têm contato com a pesquisa participando de testes, ajudando no desenvolvimento dos estudos e da extensão dentro da Ufal”, conta. O trabalho envolve treinamento nas áreas de atletismo e vôlei. A equipe já acumula resultados visíveis, como a participação em jogos estudantis nacionais e até a contratação de muitos dos participantes para atuar profissionalmente como atletas. O projeto conta hoje com cerca de 50 alunos entre 13 e 19 anos. Só em 2017, 8 alunos foram chamados para a seleção alagoana de voleibol e competem hoje em nível nacional. No âmbito educacional, 17 alunos entraram para universidades só nos últimos 2 anos. Muitos outros estão esperando para ser chamados. Luan dos Santos não pensava em seguir os estudos. Pensando na carreira militar, ele teve contato pela primeira vez com alguns cursos que ampliaram os horizontes. “Eu abri esse leque. Pretendo desenvolver pesquisas dentro da meteorologia. Eu vi que eu poderia ter a graduação de meteorologia e ainda assim entrar na Marinha. Na Marinha, eu também iria desenvolver pesquisas, porque é isso que eu quero”, diz. Longe de ser uma exceção, o futuro marinheiro meteorologista conta que a maioria dos colegas almeja fazer parte da Ufal. “Se o projeto acabar por falta de recursos, o que eu acho um completo absurdo, são vários sonhos que vão acabar. Investir em educação não é gasto. Será um prejuízo enorme para o nosso Brasil, tanto na educação, quanto no esporte, porque vai perder grandes atletas”, lamenta o estudante. Outro que começou no projeto foi Valter Barbosa. Hoje na Universidade, ele lembra que antes de conhecer o projeto não sabia o que ia fazer da vida. “Com a influência do Higor, eu fui moldando meu pensamento e descobri uma paixão pelo esporte e pela educação física. Isso influenciou na minha educação, pois tinha dificuldades em algumas matérias e aí a exigência de boas notas me ajudou muito”, relata. ATLETAS FAZENDO CIÊNCIA Muita gente não sabe, mas equipamentos de última geração utilizados por atletas de alto desempenho são desenvolvidos por essas pessoas que estão trabalhando a ciência dentro de universidades. Durante a pesquisa do mestrado de Higor sobre polimorfismo genético e suplementação nutricional, ele investigava potenciais esportivos e os alunos participavam ativamente como pesquisadores e também colocando os estudos em prática. Atualmente, ele segue a mesma conduta durante o doutorado. Os alunos convivem no cotidiano do laboratório e auxiliam na coleta para conhecer a realidade prática. São pesquisadores também. O estudo de Higor utiliza a genética para melhorar as atuações dos estudantes como atletas. Antes de entrar na universidade, Luan participou do projeto. Hoje, já é visto como um futuro protagonista de outras pesquisas. “Questão de umidade e temperatura podem influenciar o desempenho. Luan pode desenvolver ótimos estudos na meteorologia”, disse o treinador. Com o sucesso, a ideia é ampliar a FCT. Algumas parcerias estão sendo firmadas dentro da Universidade com outras áreas de conhecimento. Um exemplo é o Instituto de Matemática, em que os alunos vão ter aulas para reforço escolar, serão preparados para Olimpíada de Matemática e até para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Tem também o Hospital Universitário, onde os atletas podem fazer exames e avaliações periódicas e serem acompanhados por uma médica especialista em adolescentes. O projeto está registrado no edital do Programa de Extensão e Currículo Comunitário. Com isso, são viabilizados todos os recursos para sua existência. Materiais, bolsas para monitores, transportes para participar dos campeonatos, tudo isso pode deixar de existir em outubro se o edital não for renovado. “O projeto deve ser encerrado e não vai ter como continuar”, lamenta Higor. Além dos atletas, o projeto tem profissionais que participam voluntariamente, como nutricionistas e médicos. O projeto é aberto à comunidade, independente do perfil. Hoje, cerca de 90% do time é composto por adolescentes de famílias de baixa renda. “Eles não têm condições, a situação de moradia não é tão boa assim... Então, a gente está sempre pegando doação, realizando campanhas. Recentemente, montamos uma campanha de doação de tênis ao projeto, porque às vezes não tem tênis para competir, para jogar”, afirma o treinador.PÓS-GRADUAÇÃO DE CONCEITO MÁXIMO ESTÁ AMEAÇADA
Programa do Instituto de Física é o único sediado na Ufal a ter conceito 5, nível de excelência segundo o MEC Classificado no nível máximo e referência nacional, o programa de pós-graduação em Física da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) passa por um momento de incertezas quanto ao futuro. É que mesmo sendo “preservado” na próxima etapa de cortes, anunciada pelo Ministério da Educação (MEC), não está ileso dos efeitos. O coordenador do programa, professor Eduardo Jorge, explica que é preciso lidar também com perspectivas limitadoras e até de escassez, que podem paralisar as atividades de pesquisa.Programa de pós-graduação em física passou por grandes investimentos ao longo da última década (Foto: Edilson Omena)
“Nosso curso como é nível 5 e a gente não sofreu nenhum corte. Mas já faz um tempo em que a gente não tem bolsas renovadas. Temos 26 bolsas de mestrado e 46 de doutorado, a grande maioria da Capes. Então se a Capes hoje decide não ter mais as bolsas, a gente basicamente entra em colapso. Temos desenvolvido muita coisa com a farmácia, biologia... E esses são os cursos que mais sofrem com os cortes, porque precisam basicamente de insumos para desenvolver seus estudos. São cursos que sofrem também com o corte de bolsas. Esses cursos que temos uma colaboração muito grande sofrem mais, e isso é uma consequência direta. É óbvio que a Universidade como um todo vai ser afetada, porque vai se cortando pela base. Não existe uma universidade onde não conseguimos interagir, ou com um curso sobrevivente. Isso não faz parte da Universidade, pois é preciso um corpo, se não perde a essência, perde o sentido de existir”, afirma. O professor explica que o programa de pós-graduação em física é o único sediado na Ufal com a classificação máxima. Para chegar ao nível 5, o curso passou por profundos investimentos em estrutura, pessoal e equipamentos. O conceito 5 é dado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que avalia diversos aspectos dos programas em todo o país. “Nestes últimos dez anos, foi investido muito. A gente se preocupou muito em equipar, contratar professores que pudessem nos ajudar a crescer a pós-graduação como um todo. O projeto de crescimento que a gente teve deu resultados. A maioria da nossa pós-graduação é de pesquisadores, bolsistas do CNPq. De fato, fizemos um projeto a médio e longo prazo que deu resultado e manter os alunos é essencial. Se a gente não tiver aluno, não faz sentido ter investido tanto em equipamentos, estrutura”, ressalta Eduardo. Para ele, mesmo não havendo corte direto, há risco de o trabalho desenvolvido ao longo de uma década perder “o sentido de existir”. “Isso para nós é desperdício, é jogar dinheiro fora, porque você produz. São pesquisas, teses, dissertações, vários trabalhos publicados, patentes e você vê tudo isso sendo estancado, pouco a pouco, porque não tem financiamento. E o que é pior, se você não tem pessoas não faz sentido. Sem bolsa é pior, porque se não tem mão-de-obra não tem como funcionar. Se não temos material humano, não faz nem sentido a gente estar aqui. Se não tem estudante para que serve o professor?”, questiona. Paralisação é gradativa e afeta todos os cursos, aponta coordenador Desde 2016, as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) vêm sofrendo com limitações orçamentárias. Com a aprovação da PEC que limita os investimentos públicos, o cenário ficou ainda mais delicado. Agora, segundo o professor, o contingenciamento é um novo golpe na produção científica e de conhecimento nessas instituições. “Todos os nossos equipamentos precisam de manutenção, seja corretiva ou preventiva, porque estão sendo usados. Temos microscópios que conseguem ver algo em nanômetro, consegue ver a diferença planar das estruturas. E são equipamentos que por si só, pelo próprio uso, necessitam de uma verba que supra as necessidades. E, de fato, a Fapeal tem dado um aporte financeiro razoável, dentro das suas possibilidades. E isso é o que tem nos salvado um pouco, mas financiamento de grande porte como tínhamos antigamente, a gente não consegue mais. Tenho um projeto aprovado em 2016, da Finep, um projeto de manutenção, contratação de serviços de manutenção de equipamentos não só do Instituto de Física, mas da Ufal, e esse projeto corre um grande risco de não ser liberado”, aponta.Professor Eduardo Jorge explica que escassez de recursos afeta toda a comunidade acadêmica (Foto: Edilson Omena)
Segundo Eduardo Jorge, o programa vem sofrendo uma paralisação gradativa e as perspectivas são cada vez mais desanimadoras. “Temos equipamentos parados por falta de nobreak. O pessoal que faz teoria precisa de um suporte computacional muito grande, com várias máquinas, que também por várias situações, inclusive energia, precisamos de manutenção, e não está ocorrendo. Já temos sinalização de coisas que estão parando, e não vemos perspectivas de novos financiamentos, novos projetos, novos editais. A gente não consegue a curto prazo vislumbrar um cenário onde a gente possa dar continuidade”, avalia. Para além dos números, na avaliação do pesquisador, os cortes representam um prejuízo para alunos, professores e pesquisadores que investiram tempo, sonhos e planos. “O cruel de tudo é matar a esperança das pessoas. É o componente mais cruel. Manter um laboratório desses não é fácil, não pense que eu ganho dinheiro por isso. Cada equipamento desses não me rende um centavo. Eu ganho dinheiro para dar aula, não para fazer pesquisa. Não ganhamos absolutamente nada por fazer pesquisa no Brasil. Esta semana uma aluna nossa recebeu um prêmio de melhor resumo da América Latina. Eu acho que esse é o momento de correr atrás, obviamente não podemos ficar calados, porque isso significa acabar com tudo que foi construído”, diz. “Governo tenta confundir opinião pública”, diz assessor da Ufal Na avaliação do historiador e assessor internacional da Ufal, Aruã Lima, há um processo claro de interferência na autonomia das universidades. A consequência disso, segundo ele, é a desestabilização da estrutura, o que trará prejuízos em longo prazo. “Diante do quadro criado, o governo tenta confundir a opinião pública com argumentos tecnicistas, que mais confundem que ajudam a esclarecer o drama do financiamento da educação pública em nosso país. No caso específico das universidades federais, aparentemente, o governo está lançando mão de duas estratégias combinadas para fragilizar as instituições de ensino federal (técnicas e de educação superior). A primeira parte da estratégia é vincular o desbloqueio de orçamento à aprovação da reforma da Previdência. É algo completamente descabido imaginar que um governo e o Congresso Nacional do ano passado tenham elaborado e aprovado o orçamento baseado na perspectiva de aprovação de reforma da Previdência. Além disso, o ministro da Educação tem reiterado seu desejo que os reitores das universidades e institutos federais se dirijam ao MEC para expor os problemas específicos para que o ministério, então, estude a possibilidade de liberar recursos para determinados fins. Ora, a isto nós chamamos nas universidades de política de balcão. Esse procedimento atenta contra a autonomia pedagógica e administrativa das instituições, já que caberá ao MEC decidir o que deve, ou não, ser financiado”, destaca.Historiador diz que financiamento público da pesquisa é fundamental para desenvolvimento da sociedade (Foto: Edilson Omena)
Para Aruã Lima, o financiamento público da pesquisa e da produção de ciência é fundamental e imprescindível para o desenvolvimento da sociedade. Ele afirma que é preocupante a possibilidade de formar profissionais que não tenham recebido um suporte pedagógico e científico a contento. “Não há caminho senão o financiamento público de ciência e, mais que isso, de formação de cientistas. Parece chavão barato, mas o desmonte atual é um descarte do futuro. É jogar fora essa geração. Imagine a diferença entre estudantes que cinco anos atrás fizeram parte do Programa Ciências Sem Fronteiras, que aprenderam línguas estrangeiras, que vivenciaram diferentes modelos científicos, com os estudantes de hoje. Para finalizar, existe um programa chamado Pibic. Este programa é o mais exitoso programa de iniciação científica da ciência brasileira. Cerca de 1/5 dos estudantes de Pibic chega ao mestrado e 1/10 chega ao doutorado. Talvez seja uma das taxas de sucesso mais elevadas do mundo de um programa institucional. O estado gasta cerca de R$ 4.800,00 com bolsa para esse aluno se formar, na graduação, enquanto iniciante em ciência. É muito? Não creio”, questiona.Mais lidas
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