Educação

Com cortes, futuro incerto ameaça trabalho de pesquisadores em Alagoas

Produção científica amarga cortes federais da ordem de 55% em três anos

Por Tribuna Independente 18/08/2018 19h41
Com cortes, futuro incerto ameaça trabalho de pesquisadores em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
  Edição e reportagem Evellyn Pimentel  Revisão  Bruno Martins   Em meio a um cenário de arrocho financeiro, limitações estruturais e falta de investimentos, produzir ciência no país tem sido cada vez mais difícil.  No caso de Alagoas, uma das principais fontes nacionais de financiamento reduziu em 55% o volume de recursos em três anos. Salvo exceções, o futuro da pesquisa recebeu um novo elemento: A incerteza. A Tribuna Independente foi em busca dos valores de recursos destinados ao estado. O volume tem caído drasticamente. Em 2014, as bolsas pagas totalizaram R$ 16,49 milhões. Três anos depois, em 2017, houve queda de 55%, o valor não passou de R$ 7,4 milhões. De 3.660 beneficiários, incluindo as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado no ano de 2014, apenas 3.066 continuaram em 2017. Os números são do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC), referência quando o assunto é financiamento de pesquisa no país. A situação é tão crítica que especificamente a bolsa de Iniciação Tecnológica Industrial do CNPq, área que chegou a financiar 154 pesquisadores no estado em 2014 com um volume de recursos na ordem de R$ 271 mil, financiou apenas R$ 400,00 para um pesquisador em 2017. “Segue nessa, apagando incêndios, tapando o sol com a peneira o tempo todo e a gente vai perdendo o que tem de melhor no Brasil, que é cérebro. Eu vejo com muita tristeza” - Josealdo Tonholo, professor e pesquisador da Ufal (Foto: Edilson Omena) Se o momento atual é de crise e aperto, para o futuro as perspectivas não são nada animadoras. Conforme o pesquisador, professor e Doutor em Físico-Química, Josealdo Tonholo, a crise atinge outras entidades. “A crise está generalizada, CNPq está investindo muito pouco, tem cortado bolsas de iniciação científica, que eram sagradas. Não tem mais bolsas de produtividade. Ao passo que nossa ciência cresceu e quando ela cresce precisa de mais dinheiro, e gente mais capacitada, o dinheiro zerou. Para a nossa sorte nós ainda estamos conseguindo manter bolsas da Capes e da CNPq e aqui no estado quem vem salvando nossa pele é a Fapeal”, explica. De acordo com o pesquisador, mesmo que a conjuntura atual sofra um revés, os prejuízos para a ciência serão sentidos dentro de, no mínimo, quatro anos. “Nos próximos quatro anos a gente vai ter que amargar, mesmo com uma eventual e improvável retomada de investimentos, uns quatro anos para colocar em situação regular. Se hoje a gente tivesse dinheiro na mão ou possibilidade de projetos a gente precisaria de três a quatro anos para regularizar. Isso para voltar ao que a gente estava em 2012. Para avançar necessita de investimento e perenidade. Mas segue nessa, apagando incêndios, tapando o sol com a peneira o tempo todo e a gente vai perdendo o que tem de melhor no Brasil, que é cérebro. Eu vejo com muita tristeza”, avalia o pesquisador. Frustração e obstáculos viram rotina para bolsistas O Doutor em Física Elias Júnior, de 33 anos, lida diariamente com as consequências dos cortes. Ele conseguiu uma bolsa de pós-doutorado na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mas para desenvolver sua pesquisa baseada em Simulação de Moléculas ele precisa de um equipamento sofisticado que só pode ser adquirido por meio de financiamento. Como isto ainda não foi possível, ele tem dado um “jeitinho” para não deixar a pesquisa parada. “Tem influenciado diretamente. Falando especificamente da minha área, eu trabalho com simulação de moléculas e simulação computacional, então eu preciso de materiais, equipamentos e computadores para fazer esses cálculos. Computadores simples, domésticos, não são suficientes. Não têm capacidade de processamento e memória suficiente para realizar esse trabalho. Eu preciso de recursos para a compra desses computadores. Então se eu não tenho um computador assim eu não consigo trabalhar, fico sem pesquisar nada”, relata. “O que eu consegui foi graças à colaboração de alguns professores da Ufal, que já possuem o equipamento, consegui acesso aos computadores deles e eles estão compartilhando essas máquinas comigo. Aí eu tenho que entrar na fila, se o dono ou alunos precisam fazer os cálculos eu preciso esperar que eles terminem para poder ter a vez quando ninguém estiver trabalhando e, mesmo assim, não dá para passar muito tempo”, explica. Bolsista de pós-doutorado, Elias Júnior precisa contar com ajuda de professores para desenvolver pesquisa (Foto: Arquivo pessoal) Conseguir o equipamento, em condições extremamente favoráveis, segundo Elias, pode levar até um ano e meio. “Na verdade já demorou um tempo para conseguir a bolsa. Terminei meu doutorado em julho de 2017 e só consegui a de pós-doutorado recentemente. A perspectiva é de que demore em torno de um ano e meio para conseguir esses recursos para dar seguimento na minha pesquisa. Até professores daqui já pediram e esperam anos. A Fapeal abriu o último edital disso em 2016, pode ser que eles abram este ano ainda ou apenas no ano que vem. Para mim pode demorar de seis meses até um ano para eu conseguir a aprovação e mais seis meses para receber o dinheiro”, detalha. Com quase 14 anos dedicados ao estudo da Física, o pesquisador se diz frustrado com a situação. “A frustração é muito grande. Quando eu entrei, havia muito incentivo, muitas bolsas, minha graduação inteira foi como bolsista. Mas no fim do meu doutorado a perspectiva foi piorando, as vagas de bolsas e concursos foram se esgotando. Se para mim foi ruim, imagina para quem está ingressando agora. É muito frustrante e a realidade de mercado, para conseguir passar em um concurso, também não é favorável. Se antes, os doutores se formavam pensando em ir para grandes centros, hoje a luta é para passar num concurso no interior do Ceará, não desmerecendo a pesquisa lá, mas as expectativas mudaram totalmente. Você vê que a queda foi tão grande que há uma frustração pessoal: vale a pena fazer ciência no país?”, questiona. (Foto: Ilustração) Um aluno de doutorado em Ciência da Computação, na área de Engenharia de Software, que faz parte de uma cooperação entre a Ufal e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, teme que os impactos dos cortes alcancem sua pesquisa. “Estou com a defesa marcada para esse mês, porém ainda não sei se a bolsa de pós-doutorado no exterior será aceita. O resultado sai esse mês, porém estou preocupado que esse corte de bolsas venha a afetar minha situação”, expõe o jovem que preferiu não se identificar para não comprometer sua pesquisa. Em dez anos dedicados ao sonho, ele aguarda o posicionamento do CNPq para dar seguimento ao trabalho. “Em primeiro lugar eu me sinto preocupado em saber que estou dependendo de uma bolsa que pode sofrer um corte. Embora o corte anunciado tenha sido o da Capes, eu ainda fico preocupado, uma vez que esse corte pode se estender para o CNPq também. Eu sei que eu estou em uma situação privilegiada, pois venho pensando em plano B, caso esse corte venha a acontecer. Entretanto, nem todos os bolsistas possuem um plano B. Além da preocupação, outros sentimentos que aparecem são o da indignação e o da raiva. Nós, bolsistas, deveríamos estar preocupados em conduzir os estudos/pesquisa e não ficar esquentando a cabeça com um corte na nossa bolsa; bolsa esta que é irrisória comparada com os benefícios que os políticos recebem, daí o sentimento de raiva”, expressa. Incerteza geral: orçamento para 2019 gera polêmica No início do mês de agosto o conselho superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência vinculada ao Ministério da Educação (MEC), emitiu um alerta público sobre a possibilidade de “falência” e suspensão de todas as bolsas no ano que vem. O posicionamento veio após a informação no Orçamento da União para 2019. Segundo a nota da Capes, 200 mil bolsas poderiam ser suspensas a partir do segundo semestre do ano que vem, sendo 93 mil de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado). “Tanto que quem se manifestou não foram os professores, foi a Capes, se insurgindo dentro de uma estrutura de governo dizendo que vai quebrar. Olha que aberração, o governo dizendo que o governo vai quebrar”, afirma Tonholo. Depois da manifestação da Capes, o próprio CNPq e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também se posicionaram sobre os cortes previstos para o ano que vem. No caso do CNPq a provável redução de recursos para o ano que vem chegaria a R$ 400 milhões. “Se, em 2018, o CNPq pôde contar com recursos da ordem de R$ 1,2 bilhão, em 2019 a previsão de R$ 800 milhões poderá limitar ações diversas como o lançamento de editais de pesquisa, contratações de novos projetos e outras iniciativas. Uma perda da ordem de R$ 400 milhões. Ainda que não se vislumbrem riscos a pagamentos de bolsas de pesquisa com os valores previstos para o ano de 2019, o CNPq destaca que o ‘encolhimento’ dos recursos disponíveis afeta o sistema brasileiro de pesquisa científica e reafirma a importância do envolvimento da sociedade no debate sobre a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação”, diz o documento assinado pelo presidente da entidade Professor Mário Neto Borges. POLÊMICA Em relação à Finep  o corte chega a 35% do valor previsto para 2018 que foi de R$ 1,15 bilhão. Para 2019, apenas R$ 700 milhões deverão ser executados. (Foto: Ilustração) O professor e diretor presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), Fábio Guedes, avalia que a manifestação das entidades teve impacto político. “O documento da Capes foi mais um grito, mais uma reivindicação política do que uma realidade catastrófica, porque o Ministério do Planejamento tinha o objetivo de cortar de 10% a 11% do MEC em despesas não obrigatórias, aquelas despesas que não são constitucionais. E boa parte dos programas e ações dentro do orçamento da Capes são de despesas não obrigatórias. O orçamento da Capes hoje é de R$ 3,8 bilhões. Significa que cortar de 10% a 11% fica em torno de 500 milhões. Não significa que tudo aquilo iria acontecer, mas uma boa parte daquilo iria. Não seria o fim da pós-graduação, mas no momento em que se encontra a Ciência e Tecnologia com tantos cortes, até no Ministério, já seria outro abalo. O documento foi mais uma postura política, mas serviu porque o próprio MEC junto com a Fazenda e o Planejamento disseram que não iam afetar novamente o orçamento”, afirma. As instituições de ensino no país também têm sofrido com as limitações financeiras. A Universidade Federal de Alagoas (Ufal), considerada o maior celeiro de pesquisas do estado, teve os recursos para bolsas “congelados” desde o ano passado. Segundo a instituição, “diante dos cortes orçamentários, que prejudicam o futuro de novas pesquisas, não existe perspectiva de aumento das cotas demandadas pelas agências de fomentos”. Ainda segundo a Ufal, entre os anos de 2016 e 2017 houve uma “demanda não atendida”, isto é, pesquisas que mesmo aprovadas, não foram supridas. “No Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica] ciclo 2016/2017 foram aprovados 474 projetos. Contou com 291 bolsas do CNPq, 300 bolsas da Ufal e 151 bolsas da Fapeal, totalizando 742 bolsas de Iniciação Científica. Mesmo diante desse quadro de bolsas, a Propep [Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa] deixou de atender 44 bolsas demandadas por projetos qualificados no ciclo 2016-2017. Para o ciclo Pibic 2017-2018, a demanda qualificada não atendida cresceu para 160 bolsas”, pontua a Ufal. Com mais de 20 anos atuando em pesquisa na Ufal, com experiências nacionais, Tonholo afirma que além da falta de bolsas, as dificuldades em infraestrutura têm comprometido a produção científica. “O cenário é caótico. E isso não é exclusividade, não é condição de Ufal, isso é uma situação da academia brasileira, estamos em subcondições”, aponta. Em meio à crise nacional, sistema interno de auxílio à pesquisa tem sido fortalecido Indo na contramão, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas tem alcançado números expressivos. Entre os anos de 2015 e 2017 a Fundação investiu R$ 33 milhões, num total de 1.985 bolsas. Além do convênio com a Capes que garantiu outras 956. As estatísticas são da própria Fapeal. “Foram 700 projetos de pesquisa apoiados em 2017 em parceria com o governo federal e órgãos governamentais. O volume de investimentos em projetos cresceu 233% entre 2015/2017. Em 3 anos, o volume de bolsas cresceu mais de 1.200 bolsas concedidas em 2017 com os parceiros. No mesmo período, foram 11,4 milhões de reais investidos em projetos e pesquisas, junto com parceiros federal e estadual. De 2015 a 2017 o volume de recursos cresceu 162%”, aponta o relatório de gestão da Fundação. O diretor-presidente da Fapeal, Fábio Guedes, explica que a entidade busca atender todas as áreas do conhecimento. “Além disso, com recursos próprios nós já lançamos 49 editais. Esses editais procuraram superar a crise que a gente vem enfrentando de 2014 para cá. Como a nossa comunidade científica não é tão grande como a de Pernambuco, por exemplo, então a  gente consegue atender todas as áreas do conhecimento e ao mesmo tempo superar a crise que a gente vem passando. Mas à medida que a gente vem superando o sistema vai exigindo mais, porque vai se aprimorando, vai se qualificando, muitas das áreas e pesquisadores passam a participar de programas e ações internacionais que são muito mais caros. Então desses 49 editais nós fizemos 17 com parceria internacional”, garante. Mas avalia que uma redução no orçamento das agências federais de fomento poderia impactar diretamente nos incentivos concedidos no estado. “Se aquilo acontecesse para nós seria muito ruim porque nós temos um acordo com a Capes de prazo entre 2017 e 2022. Acordo que envolve R$ 38 milhões e nesse acordo a Capes coloca uma parte de bolsas todos os anos para mestrado e doutorado e a Fapeal coloca outra parte. Em 2017 nós já fizemos o primeiro extrato deste acordo, foram 220 bolsas. Este ano nós já fizemos outro edital, em torno de 150 bolsas. Neste edital eles iam colocar 120 bolsas e nós colocaríamos 35 de mestrado, no total seriam 210, mas passou para 150 porque eles cortaram 60. Mesmo sem esses cortes anunciados, já vêm havendo outros cortes”, reforça. “Para a pós-graduação alagoana nós temos um acordo até 2022. A Fapeal consegue dar contrapartida, vamos ver se eles [União] mantêm” - Fábio Guedes, diretor-presidente da Fapeal (Foto: Edilson Omena) A perspectiva é que até 2022 os acordos com as instituições federais sejam mantidos com a Fapeal. No entanto, Guedes expõe preocupação com a situação no país, que é delicada e vem afetando a pesquisa científica a nível nacional. “É uma sequência de cortes. Isto acontece não só no estado de Alagoas, mas em todas as Fundações no país. Tem estado que não conseguiu ainda assinar o extrato. Nós preparamos nossos acordos em 2016 e ficamos lutando para conseguir assinar. Então para a pós-graduação alagoana nós temos um acordo até 2022. A Fapeal consegue dar uma contrapartida, vamos ver se eles mantêm”, afirmou o diretor-presidente. CIÊNCIA E SOCIEDADE Alagoas tem somado pontos também em experimentação. É o único estado a ser contemplado com um projeto piloto para o desenvolvimento de pesquisas voltadas ao meio empresarial. “Outro lado é pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o CNPq e Finep. Até o momento, apesar de ter reduzido quase 50% do orçamento de 2015 para 2018 eles têm feito um esforço enorme para manter as parcerias. Nossa parceria com eles tem sido exitosa. Nós temos um edital agora em aberto de R$ 1,8 mi para estimular estudos que possam trazer soluções tecnológicas para empresas e esse programa é único no Brasil. O CNPq só desenvolve em Alagoas. Fora esse programa nós também cumprimos todos os convênios com eles e no mês passado eles pediram um levantamento de todas as nossas demandas para 2019 e já enviamos. Com o CNPq as coisas estão andando bem, inclusive com programas pilotos, e novas demandas que poderão vir em 2019”, acrescenta. Para Josealdo Tonholo, ciência e sociedade devem caminhar juntos. Ele explica que na história recente do país, a academia teve papel fundamental no desenvolvimento econômico e social. Por isso a importância e necessidade de investimentos. “A gente tem que pensar na evolução do sistema científico como um todo. É fundamental a gente entender um pouco da história do crescimento da ciência e tecnologia no Brasil para entender para onde estamos indo. Ou melhor, para onde a gente não está indo. Do ponto de vista da ciência, se não fossem as universidades brasileiras a Petrobras não teria a chance para conseguir fazer a detecção e exploração do pré-sal. Houve um momento de fortalecimento da academia brasileira, eu cito a Petrobras, mas muita gente da academia trabalhou junto com a Vale, com a Embraer, com as empresas de carnes, JBS, BRFoods e essas empresas acabaram transbordando o Brasil e se tornaram líderes mundiais. Se não tivesse esse pacote de interação da universidade com empresas, certamente essas empresas não estariam na situação de liderança mundial, só o efeito econômico não basta”, aponta o pesquisador. Efeito ampliado O historiador e assessor internacional da Ufal,  Aruã Lima, admite um desdobramento ainda mais severo para a produção científica e tecnológica no país: o isolamento nos grandes centros. Numa situação como esta, o estado sairia prejudicado, aponta. “Se o norte for esse mesmo que está colocado hoje a gente vai ter uma estrutura de produção científica e das universidades completamente diferente do que a gente tem hoje. A gente vai ter ilhas de excelência cada vez mais incrustadas nos grandes centros. Porque com a redução e recurso público para a ciência, eles que estão mais bem estruturados e consolidados vão ter mais acesso aos recursos e as universidades menores vão ter cada vez mais formações ‘simples’, iniciais, o que é importante, mas a gente vai ter cada vez menos espaço para  a produção de pesquisa”, destaca. Aruã explica que os valores investidos em ciência são rentáveis à sociedade, uma vez que retornam por meio de profissionais mais preparados, estudos que cooperam com o meio social e o mercado. “Se o norte for esse mesmo que está colocado hoje a gente vai ter uma estrutura de produção científica e das universidades completamente diferente do que a gente tem hoje. A gente vai ter ilhas de excelência cada vez mais incrustadas nos grandes centros” - Aruã Lima, historiador (Foto: Edilson Omena) “Um programa de maior sucesso entre os cientistas brasileiros é o Pibic. Alguns estudos demonstram que um aluno do Pibic tem 1,5 mais chance de chegar ao doutorado. É um estudante mais propenso a ser cientista, é um estudante que termina em média de seis meses antes a graduação. Então, apesar de receber bolsa, é um aluno que onera menos os cofres públicos porque passa menos tempo na universidade. Então a  gente vai percebendo, em estudos pontuais, que cada investimento em formação científica ao longo de um curso de tempo acaba devolvendo à sociedade o valor investido de forma exponencial. Isso dá um valor real muito grande para a sociedade”, diz o historiador. DESPERDIÇANDO TALENTOS Já para o pesquisador Josealdo Tonholo, as dificuldades em desenvolver pesquisa diante da falta de recursos têm gerado uma problemática séria e que pode trazer prejuízos ainda maiores para o país. Segundo ele, muitos pesquisadores recém-formados, advindos de programas como o extinto Ciência sem Fronteiras, têm deixado o país por falta de campo de atuação. “O orçamento da Ufal diminuiu drasticamente nos últimos três anos e as perspectivas são de uma situação ainda mais crítica. É um orçamento suicida. A preocupação que a gente tem é que os bons valores vão embora. Aquelas pessoas que têm a chance de fazer a transformação do país, melhorar a universidade estão sendo buscados no Brasil a peso de ouro e vão embora. Depois de ter gasto tanto dinheiro para formar mão de obra ultra qualificada a gente está correndo risco de perder os melhores cérebros que fariam diferença também na indústria, na sociedade”, frisa Josealdo. INSERÇÃO MUNDIAL Tonholo afirma que o programa deu a possibilidade de inserção mundial para pesquisadores brasileiros, e que a falta de continuidade em ações que apliquem o conhecimento obtido é extremamente negativa. “O Brasil mandou cerca de 100 mil pessoas, e esse era um programa fantástico, mas não houve continuidade. Acabou o programa por falta de dinheiro, por desestruturação do sistema federal e pessoas que tiveram todo o investimento para fazer doutorado, voltam com uma mão na frente e outra atrás. Sem suporte de dinheiro para trabalhar nos laboratórios, sem bolsa, sem possibilidade de contratações”, avalia. Além de prejuízo econômico, o professor diz que há um desperdício de capital intelectual. “Você fez o investimento de levar essas pessoas para fora, treinou esses caras, quando eles ficaram bons, você traz eles de novo e não consegue fazer com que eles trabalhem adequadamente. É um desperdício de dinheiro e mais do que isso, de capital intelectual. Eles vão acabar indo embora. O investimento que o Brasil fez foi tão pesado que não se pode negar à humanidade o direito de aproveitar essas pessoas que foram qualificadas”, destaca. “Futuro tenebroso”, diz pesquisadora A professora, pesquisadora e diretora do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes (ICHCA) da Ufal, Sandra Nunes Leite, lamenta os impactos da redução de investimentos. “A ciência já sofre tanta dificuldade na sua produção e depois de todo o conhecimento produzido?”, questiona. Segundo a diretora do ICHCA, a pesquisa científica precisa de uma rede de apoio que auxilie desde a ideia inicial, desenvolvimento da pesquisa até a finalização. “Quando a pós-graduação está fortalecida a gente costuma dizer que a pesquisa está fortalecida. E há expectativa de surgimento de novos pesquisadores. Então quando ela sofre um corte, já houve cortes grandes e foram sentidos, já foi muito ruim e diante de uma expectativa de um novo corte isso é arrasador com a atividade de pesquisa no Brasil se não há garantia de pagamentos de bolsas ”, acrescenta. DEPENDÊNCIA A preocupação dela é que o país volte a um patamar de dependência internacional para o acesso à tecnologia e avanços científicos. “O pagamento de bolsa garante não só a formação de novos quadros de pesquisadores, mas também o desenvolvimento da própria pesquisa. Como você vai fazer pesquisa sem toda essa rede que a pós-graduação traz? A Capes corta bolsas, não porque quer cortar, mas porque o Governo Federal manda. Isso sinaliza um futuro muito tenebroso para a pesquisa brasileira e aí é uma declaração de manutenção ou volta à condição de dependência total. Se havia a perspectiva de avanço, agora com esses cortes a gente sabe que não tem”, pontua a diretora do ICHCA. Mesmo com o cenário, Sandra ressalta que a pesquisa brasileira possui um diferencial: trabalhar com amor e dedicação. “A gente percebe que os pesquisadores brasileiros sempre lutaram muito para garantir a pesquisa no Brasil. Essa vontade não vai desaparecer, mas vai ser muito mais cansativo. Vai ser mais custoso para o pesquisador”, destaca. Para Sandra Nunes, vontade de atuação do pesquisador permanecerá, no entanto, exigirá mais esforço (Foto: Edilson Omena) Josealdo Tonholo é enfático: para ele, não há a nível nacional uma rede de apoio. “A institucionalização da pesquisa não existe no Brasil. O que existe são grupos de devotados tentando levar as coisas à frente e que conseguem dar murro em ponta de faca. As pessoas estão sendo colocadas num sistema opressivo tão grande, que muitas pessoas estão deixando a atividade de pesquisa no Brasil. Tem muita gente jogando a toalha, ou vão embora ou viram ‘dador’ de aula. Deixando os equipamentos do laboratório pelo cuspe e giz que é a única coisa que não depende do governo”, critica Josealdo. MÍNIMO APOIO A pró-reitora de pesquisa e inovação do Instituo Federal de Alagoas (Ifal), Eunice Palmeira, afirma que a comunidade científica está preocupada. Além disso, considera que há uma ameaça iminente de estagnação. “Estamos vivendo atualmente em um cenário de incertezas, dada a situação política que o Brasil vem passando. E a nota divulgada pela Capes sobre os cortes deixou a comunidade científica bastante preocupada. Diante disso a pesquisa científica no Brasil fica ameaçada de estagnação. A pesquisa já vem enfrentando dificuldades e se as fontes de fomentos têm seus recursos cortados, os pesquisadores não terão como avançar, realizarem novas descobertas e, sequer, darem sequência às que estão em andamento. Imagine trabalhos que vêm sendo feitos em áreas como medicina, biologia, tecnologia pararem por falta de recursos... Retomar esses trabalhos mais adiante, a partir do ponto em que se encontram, será praticamente inviável. Muitas mudanças e novas descobertas terão ocorridos em pesquisas realizadas em outros países”, aponta a pró-reitora. Eunice ressalta que as consequências já vêm sendo observadas. “O efeito imediato diz respeito aos cursos de pós-graduação. Os quais podem passar por um processo de declínio na oferta e demanda. Consequentemente, as pesquisas geradas nos programas de pós-graduação são impactadas, os laboratórios de pesquisas mantidos por programas de fomento, etc. Enfim, uma redução no desenvolvimento científico e tecnológico do país”, diz. Em relação à situação do Ifal, a pró-reitora explica que, sem apoio, o avanço nas pesquisas da instituição acaba seguindo uma perspectiva limitada, com apoio mínimo dos órgãos federais. “Estamos preocupados. A pesquisa vem sentindo os impactos ao longo do tempo. Com essa nota da Capes e com o atual cenário não conseguimos vislumbrar um futuro melhor para a pesquisa na nossa instituição. O Ifal cresceu muito nos últimos anos em número de servidores, discentes e campi, mas os recursos para a pesquisa das fontes de fomento do país não acompanham esse crescimento. A maior parte das pesquisas é feita com recursos próprios que destinamos a essas ações, mas não conseguiremos atuar adequadamente sem o apoio de órgãos como a Capes”, revela.