Educação

Mestres sob pressão: Quando o sonho de lecionar vira um pesadelo

Depressão por carga exaustiva e falta de respeito tem afastado professores

Por Ana Paula Omena e Thayanne Magalhães com Tribuna Independente 20/06/2018 11h02
Mestres sob pressão: Quando o sonho de lecionar vira um pesadelo
Reprodução - Foto: Assessoria
A professora Flávia Farias, de 46 anos, realizou seu sonho de lecionar há 26. Dedicou a maior parte dos seus dias a dar aulas de todas as Ciências Humanas: Geografia, História, Filosofia e Sociologia. Com a rotina exaustiva, dia após dia, a professora foi se sentindo infeliz pelas cobranças, pela falta de respeito de alguns alunos e pelo salário injusto, até não conseguir mais voltar para a sala de aula. “Sempre dei aula em escola pública e particular. Na pública os alunos da tarde são mais problemáticos do que os da noite, que já são adultos. Você percebe que o objetivo mais importante dos menores é manter os programas sociais da família. Eles não entram no horário da sala de aula e saem quando querem. As gestões das instituições, diretores, coordenadores, muitas vezes, são coniventes com esse comportamento, deixando a responsabilidade para nós, professores. É uma relação muito desigual. Enquanto o professor sofre muita pressão, não pode se atrasar, os alunos entram e saem quando querem”, relata Flávia. A professora comenta que os alunos chegam a intimidar os professores apenas com o jeito que olham.  “Já sofri assédio sexual de aluno e tive os quatro pneus do meu carro furados enquanto dava aula em escola de periferia”, lembra. Apesar de sofrer com esse comportamento de seus alunos, a professora sempre tentou entender os adolescentes. “Na escola pública os alunos em si querem de fato aquela oportunidade, só que eles se sentem aviltados com o abandono da coisa pública. A instituição de ensino degradada. Então paro o adolescente, é muito difícil ser mal recebido, entrar numa sala suja e mal conservada, além de todos os problemas sociais, familiares, culturais, financeiros, o contato com o tráfico de drogas, a sexualidade precoce. Nós temos que lidar com isso todos os dias”, explica. Já nas instituições particulares, a professora relata que o assédio é diferente. “Os alunos são arrogantes e boa parte dos pais incentiva esse comportamento. Alguns chegam a ficar na porta da escola esperando o professor para tirar satisfações. Muitas escolas já evitam que pais e professores tenham contato”, relata. Não bastasse todo o estresse sofrido na profissão, trabalhar até quinze horas por dia e ainda corrigir provas quando finalmente pode estar em casa, ter o casamento desgastado pela falta de tempo para se dedicar aos programas de casal com o marido, Flávia chegou ao fundo do poço. “Toda a minha doença foi somatizando durante dez anos, e mesmo quando entendi que tinha depressão aguda, eu a escondi e continuei dando aula. Cheguei ao ponto de sair da escola para o hospital passando mal todos os dias. Dar dois dias de aula, faltar um e o médico me pedindo para parar. Mas eu insisti. Era o meu sonho. Até que um dia perdi meu filho mais velho. Foi o estopim da doença”, relata. Suicídio, estigma e assédio moral Tem quatro anos que o filho de Flávia tirou a própria vida em casa, sem nenhum motivo aparente, fazendo o mundo da professora desabar completamente. “Meu filho não bebia, não usava drogas, tinha uma namorada linda, estava na universidade. Ele foi meu aluno durante três anos e eu fui madrinha da turma dele. Era um aluno brilhante, eu gostaria de ter uma resposta para o que ele fez, mas eu não tenho”, desabafa. Sete dias depois do enterro, Flávia estava de volta à sala de aula. Ela acreditava que seria acolhida no ambiente escolar e que a volta ao trabalho pudesse amenizar sua dor. “Eu achei que quando voltasse seria acolhida pelos meus alunos, mas passei a ser perseguida. Fui massacrada. As pessoas não respeitam nem o professor, quem dirá a sua dor, o seu luto e a sua doença. Começaram a questionar o meu estado, insinuando que eu estava fazendo drama, enrolando para não trabalhar. A depressão, apesar de já ser a doença do século, ainda é considerada como frescura por muitos. Eu tentei continuar, mas não consegui. Há dois anos estou afastada da profissão, depois de sofrer três acidentes de carro gravíssimos. Estou vivendo com o auxílio-doença do INSS, tomando antidepressivos e, sinceramente, eu não sei qual será o meu futuro”, lamenta Flávia. A professora explica que as instituições exigem a readaptação da função. “Mas eu dei aula a vida inteira. As pessoas querem que você diga que está bem e volte, mas eu não vou voltar. Não tenho condição alguma de conviver com a violência, o medo e o assédio moral. Eu acordei do meu sonho. Uma profissão tão digna, tão importante, com salários absurdamente baixos e que sofre total falta de respeito. Eu estou viva e tenho que estar de pé pelos meus outros filhos. Dois meninos, um de sete e outro de doze anos. Eles sofrem muito por causa da minha depressão, mas eu não tenho como controlar. Tem dia que estou melhor, mas nunca feliz. Os dias são sempre tristes”, desabafa. Na escola particular, Flávia passou a ser vista pela direção como algo “danoso” aos alunos. “Fui massacrada muito mais na escola particular. Passei a ser vista como algo danoso. Ser mãe de um suicida poderia ser uma má influência para meus alunos. Cheguei ao ponto de um aluno perguntar se meu filho se enforcou e eu confirmei. Na direção pediram pra eu mentir. Pra não afirmar mais. Eu poderia estar influenciando os alunos a cometerem suicídio”, lembra. Hoje, Flávia dá palestras para professores sobre os problemas que enfrentou e sobre a depressão, que muitas vezes está presente na vida do profissional, mas ele não enxerga. Ela também tem um canal no YouTube onde podem ser assistidos vídeos de suas aulas. “Eu me desiludi com a profissão, com as pessoas, com as instituições de ensino mais do que com os alunos. Os alunos são a melhor parte disso tudo e eles precisam de muito acolhimento. A relação de professor com aluno não tem que ser respaldada no tecnicismo. Os aspectos emocionais dos alunos também precisam ser avaliados”. Reféns do medo; de agressões verbais a surtos psicóticos Impunidade é a regra. Um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que o Brasil está em 1º lugar no ranking de violência nas escolas. Pesquisas apontaram que 22 mil professores foram ameaçados no país e houve 4.700 relatos de agressões contra os docentes em 2014. Os dados de estudos mais recentes da OCDE, feitos com base em depoimentos de mais de 100 mil professores de ensino fundamental e médio, apontam que 12,5% dos professores já foram vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana no país. Além da baixa remuneração, sobrecarga e das condições de trabalho, a indisciplina excessiva dos alunos tem feito os professores reféns do medo, explicando o aumento do número de profissionais fora da sala de aula tendo como principais causas a angústia e a fobia que produzem problemas psicológicos graves. No caso do professor de filosofia e sociologia Luiz Cláudio Silva Castro, de 40 anos, 15 deles dedicados à sala de aula, a sobrecarga de trabalho para garantir uma melhor sobrevivência para a esposa e as filhas o fez ter um surto psicótico partindo para a agressão verbal contra uma aluna. Há dois anos, ele está afastado de benefício pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sem previsão de retorno. O professor foi diagnosticado com a síndrome de burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. O transtorno também é conhecido como síndrome da exaustão. Luiz Cláudio era entusiasmado e bem ativo no que diz respeito ao envolvimento nas escolas. Não sabe o que houve com ele, mas acredita que o dom foi perdido. Durante a entrevista, se emocionou várias vezes e, com olhos marejados e demonstrando ainda certo nervosismo ao falar do assunto, confessou ter dificuldades para abordar o tema. Ele contou que uma psicóloga, de um dos estabelecimentos de ensino onde atuava, o chamou a atenção para uma busca profissional, mas Luiz Cláudio diz que não dava importância por acreditar que não precisava de tanto. O grau de irritabilidade do professor só aumentava e, consequentemente, a desmotivação. Ele trazia consigo a impressão de que o problema era apenas a rotina do dia a dia. Essa rotina girava em torno de duas faculdades, uma pública e outra privada, e três escolas particulares. Para conciliar, admite que não se alimentava direito e que um lanche rápido no carro seria o suficiente para dar conta do recado. Ele bem que tentou colocar o trabalho à frente da saúde, mas viu que foi em vão. Seu rendimento despencou até que em um momento em sala de aula, uma aluna o perguntou se estava bem. “Eu estava tão mal, que se o aluno não tivesse aprendido não estava nem aí; comecei a mentir e criar situações para faltar, percebi que a situação tinha fugido do controle e extrapolado todos os limites. Cheguei a agredir fisicamente uma aluna, quando pedi para a turma fazer silêncio e nada ser acatado, coisa que eu nunca fiz”, revelou. “Só não fui processado porque sabiam da minha conduta e esta aluna me conhecia e reconheceu, bem como a direção da escola, que eu não estava bem”, ressaltou. Poucos meses depois um novo surto o fez pedir demissões de todas as instituições de ensino. Bomba-relógio: prazer vira aversão controlada por antidepressivos Considerado um bom professor e de conduta exemplar para os patrões, Luiz Cláudio desistiu de lecionar e, após dois anos afastado das atividades escolares, não se vê mais em sala de aula, nem mesmo como aluno. Hoje, ele ainda toma três medicamentos antidepressivos e tem um cotidiano de consultas psiquiátricas e psicológicas. “Eu desabei, vivia chorando e amargurado. Minha maior tristeza é não conseguir mais ser professor, tenho dificuldade de participar da vida educacional até das minhas filhas. O universo educacional me incomoda, me bloqueou. Já tentei fazer outra faculdade, mas quando entro na sala me dá aversão impressionante”, frisou Luiz Cláudio. O professor de filosofia e sociologia foi diagnosticado com depressão, surto psicótico e síndrome de burnout. “Me arrependo muito do que fiz contra a aluna, só não foi pior porque acredito que Deus estava presente na hora. O que acarretou também esses problemas; não só em mim, mas em tantos outros colegas de profissão; é essa falta de respeito no dia a dia. Sofri muitas agressões verbais, perdi o encanto pela educação, algo pelo que eu tinha extrema paixão”, destacou, emocionado, remetendo-se ao que era e como está atualmente. “Tenho vergonha, sei que muitas pessoas não entendem, julgam como ‘safadeza’ e tenho a certeza comigo de que não procurei ajuda antes justamente por esse julgamento. Outro ponto humilhante é na perícia quando perguntam se já não está na hora de voltar. Devolvo a pergunta: o senhor confia em eu dar aula para o seu filho?”, mencionou. Para Luiz Cláudio, o que mais incomoda é a omissão das instituições de ensino, a submissão do professor, a exploração nas escolas, a ausência da família e a falta de respeito dos alunos. E esses foram os principais pontos que também geraram a situação degradante dele. Luiz considera que foi uma bomba-relógio que explodiu. “É um desgaste emocional grande. Todos os dias sabe-se que existem professores que estão fazendo alguma coisa para sair de sala de aula. Tenho colegas professores fazendo outros cursos para desistir de lecionar. Nos concursos, por exemplo, da polícia, perde-se muitos professores para a segurança pública, isto é, deixam o dom de lado e passam para a função de punir aqueles que não tiveram a oportunidade de serem educados”, afirmou. “Observo que a ausência familiar é o foco da violência nas escolas. Há muitos alunos perdidos por esta razão, eles não têm apoio. A própria família tem essa concepção. Para se ter uma ideia, já tive aluno o qual os pais passaram fila durante a prova pelo lado de fora da sala. Quando vi, não acreditei. Os pais não querem saber se o filho aprendeu, se pagam deve passar de qualquer jeito. A educação precisa ser repensada ou vão perder cada vez mais professores”, lamentou. “Para ir ao banheiro é preciso pedir ao fiscal para que fique na sala porque corre o risco do professor voltar e um aluno ter matado o outro. A situação é complexa e de guerra e quando parte para a rede pública o cenário é ainda pior”, salientou. “Sonho de lecionar torna-se pesadelo no sistema educacional do Brasil” A psicóloga Sarah Lopes diz que os casos de professores exaustos com a pressão do dia a dia no trabalho são cada vez mais comuns nos consultórios de psicologia e psiquiatria. “A síndrome de burnout atinge especificamente profissionais que passam por determinadas pressões. Inicialmente, esta síndrome era utilizada somente entre os policiais, vigilantes, eletricistas, que são categorias que estão em contato frequente com o perigo, porém os professores atualmente se incluem nesta síndrome. Quando falamos em sonhos, existe uma idealização de que vai conseguir realizar e da melhor forma, entretanto, quando se depara com o sistema educacional do país, o sonho acaba se tornando um pesadelo, gerando frustrações diante da sua atuação limitada”, explica. Para a profissional, atualmente, percebe-se que os alunos, as crianças e adolescentes, possuem seus direitos preservados e assim deve ser feito, entretanto é preciso ressaltar também seus deveres e estes deveres devem vir de casa. “A educação escolar deve ser pedagógica, a moral e os princípios são valores que devem ser trazidos de casa. Ocorre, neste contexto, uma mudança cultural capitalista, ou seja: pago, logo exijo! Diante deste conceito, adquire-se a ideia de que os professores são vistos como mercadorias que vendem o tempo e disponibilidade em sala de aula e se os pais das crianças é que pagam, logo elas têm que passar e se não aprendem é culpa única e exclusivamente do professor”, opina a professora, quando fala sobre a violência sofrida dentro da sala de aula. “Sabe-se que essa ideologia não partiu das crianças, mas elas a detém, transformando isso em rebeldia e violência dentro da própria sala de aula sem que o processor possa exercer a sua autoridade que é a nota. Sem sua arma, como o professor poderá exercer seu poder em sala de aula?”, continuou. Para Sarah Lopes, a solução do problema está na mudança do conceito social. “Existe solução sim, mas todos os envolvidos devem estar engajados nesta mudança. Os pais devem interferir sempre que possível conferindo aos professores a autoridade que lhes foi tirada. Deixando claro para as crianças e adolescentes que eles devem fazer a sua parte. Frequentemente, mesmo quando não se consegue tirar boas notas, seu bom comportamento faz com que o professor atente para aquele aluno. Os professores conseguem perceber quem está na sala de aula comprometido, e se esforça ainda mais para que o seu conteúdo possa ser compreendido”, opina. Para a psicóloga, o professor precisa, do mesmo modo, fazer a sua parte. “E se tem consciência do dever cumprido, não pode baixar a cabeça para os pais ou alunos. Entretanto, quando se fala em violência escolar, se for necessário ajuda policial, este solicitará, e ainda intervenção do Estado ou de outro órgão de competência como Conselho Tutelar, este deve utilizar de todas as armas possíveis para que possa exercer aquilo que se propõe”. Cartilha aponta principais problemas que afetam categoria Com o objetivo de informar e chamar a atenção dos professores e sociedade em geral, uma cartilha está sendo produzida pelo Sinpro/AL em parceria com o Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT/AL) mostrando os principais problemas psicológicos da categoria após uma violência sofrida, que incluem síndrome do pânico, bem como depressão, medo, esgotamento físico e mental pela síndrome de burnout. TIPOS DE AGRESSÕES Vertical - parte do empregador para o empregado, ou seja, superior hierárquico, não se restringindo ao patrão, mas também ao supervisor, coordenação, orientação. Horizontal - parte de professor para professor, que comunga do mesmo comportamento do empregado. A presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Alagoas, Bárbara Heliodora, disse que há cerca de 300 escolas em todo o Estado, porém apenas 70 são sindicalizadas. Ela colocou que desconhece que nas escolas sindicalizadas haja agressão por parte de superiores hierárquicos contra professores. “A escola tem uma clientela e ninguém quer ver seu nome estampado na imprensa porque um diretor, coordenador ou até mesmo outro funcionário da esfera administrativa tenha tratado o aluno ou os pais com agressão”, ponderou. Bárbara reconheceu que existam agressões, mas que não ocorreu nenhuma notificação no ano passado com relação a este tipo de violência. “Há muitos casos de alunos contra professores, inclusive no interior pelos mais diversos fatores”. A postura da escola, segundo a sindicalista, é que quando existe de aluno para professor e o discente é menor de idade, o Conselho Tutelar é acionado para que o estudante seja chamado à atenção dentro da legislação pertinente por não haver razão dele ficar impune diante da situação. Quando maior de idade, o sindicato orienta que seja feito um boletim de ocorrência e, em alguns casos, o aluno é expulso. Bárbara Heliodora ressaltou que a família deve estar presente e comungar de todas as ações educativas da instituição a qual ela matriculou o seu filho. As escolas têm propostas pedagógicas e nem sempre o aluno navega tranquilo dentro da proposta do regimento, caso seja necessário um instrumento legal para controlar ou contornar a situação dentro do contexto escolar. “A escola recebe vários tipos de alunos e cada um com a sua educação doméstica, a função dela é aglutinar a adversidade e ainda colocar para o aluno a educação científica para que no final do ano se tenha um resultado”, explicou. Com subnotificação, números não refletem realidade Um levantamento do Sindicato dos Professores do Estado de Alagoas (Sinpro/AL) indica um dado seríssimo envolvendo a categoria. De fevereiro a dezembro de 2017, foram 25 denúncias de assédio, os casos mais graves giram em torno de seis com depressão, sendo dois detectados como síndrome de burnout, dois em estado de depressão avançada e dois com tendência suicida. No ano passado foram apenas oito denúncias quando comparado com o mesmo período. Sem normas de segurança preconizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), esses profissionais se submetem ao que a escola e, consequentemente, o alunado impõem. O presidente do Sinpro/AL, Eduardo Vasconcelos, é enfático quando afirma que esse número é mascarado, haja vista que muitos professores, por medo de represálias, silenciam. “Este paradigma está sendo quebrado aos poucos, fazemos muitas campanhas no sentido do apoio a estes profissionais, para que eles não se calem diante da imposição dos patrões”, ressaltou. O cenário da rede pública de ensino é ainda mais dramático. Segundo o sindicalista, o estabelecimento que comumente está localizado nas periferias das cidades traz à tona a questão do tráfico de drogas e armas de fogo o que acaba refletindo na escola, no trabalho do professor e na qualidade da educação. Já quanto à condição da rede privada há a questão da subnotificação, porque, de acordo com Vasconcelos, muitos profissionais estão afastados não por acidente de trabalho, mas sim por doença. “Muitas vezes a escola não dá a devida atenção ao professor no que diz respeito ao ambiente saudável tanto do lado físico quanto do psicológico e os profissionais acabam adoecendo”, mencionou Eduardo. Nas escolas particulares, situação que se amplia para as faculdades, destacam-se as agressões, que se caracterizam como vertical e horizontal, isto é, entre professores, direção e coordenação, além do alunado. Para ele no sentido literal da palavra, a escola se transformou numa empresa, e como toda boa empresa, o estabelecimento de ensino deve garantir o seu resultado. “Cresceram 100% as agressões contra professores. Já houve vários Boletins de Ocorrência (BO’s) de professores por ameaças de alunos, quer dizer, virou caso de polícia com direito a viatura na porta da unidade de ensino e tudo mais”, observou em tom de tristeza. Vasconcelos lembrou um fato recente envolvendo um grupo de professores e o dono de uma escola que fechou na parte alta de Maceió. “Os profissionais estavam sendo ameaçados pelo dono quando iam cobrar os seus direitos, inclusive salários. Eles eram acompanhados (seguidos) pelo proprietário da escola até o ponto de ônibus como uma espécie de intimidação”, revelou o sindicalista. Os referidos professores tiveram que recorrer à Justiça para garantir seus direitos. Site revela que maioria de professores já sofreu violência Professores que lecionam do 5º ao 9º ano em escolas publicas e privadas responderam a questionamentos do portal Qedu e a maioria diz já ter sofrido violência física e verbal dentro da sala de aula. Em Alagoas, 46% dos mais de 4 mil entrevistados afirmaram que foram agredidos por alunos dentro da sala de aula. 74% já presenciaram alunos agredindo outros alunos. Os educadores foram perguntados também sobre já terem sofrido algum atentado contra a vida, e 94 deles confirmaram. 352 já sofreram ameaça dos alunos. Os professores também responderam questões relacionadas a roubos e furtos dentro das escolas e, dos entrevistados, 134 já foram vítimas de furto sem violência. 40 entrevistados foram roubados com o uso da violência. Muitos professores também comentaram que têm de lidar com alunos alcoolizados, consumidores de drogas ilícitas e até armados. 235 professores relataram que alunos frequentam suas aulas sob efeito de álcool. 368 professores têm de lidar com estudantes sob efeito de drogas ilícitas e 168 professores já tiveram alunos portando facas ou canivetes dentro da sala de aula. 44 dos professores entrevistados já tiveram que lidar com aluno portando arma de fogo. O QEdu é um portal aberto e gratuito, com todas as informações públicas sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e Estado do Brasil. Ele oferece dados da Prova Brasil, do Censo Escolar, do Ideb e do Enem de forma simples e acessível a qualquer um, seja estudante, professor, gestor, jornalista, pesquisador ou secretário. Estado possui 88 afastados; sindicato contesta números A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) informou por meio de nota, que atualmente possui 88 professores afastados das escolas com patologias diversas, e 246 professores readaptados, ou seja, afastados de suas funções por um tempo, porém trabalhando, obedecendo às restrições do laudo expedido pela Perícia Médica quanto às suas funções. A Seduc disse ainda que não tem como precisar o número dos que estão afastados por problemas psicológicos, tendo em vista que as causas de afastamento não podem ser divulgadas em virtude de proibição do Conselho Federal de Medicina existente na resolução CFM 1.819/2017, que diz o seguinte: “Proíbe a colocação do diagnóstico codificado (CID) ou tempo de doença no preenchimento das guias da TISS de consulta e solicitação de exames de seguradoras e operadoras de planos de saúde concomitantemente com a identificação do paciente e dá outras providências”. RESOLUÇÃO CFM nº 1.819/2007 (Publicada no D.O.U. 22 maio 2007, Seção I, pg. 71). Questionada acerca da existência de alguma estratégia de mediação de conflitos, a Seduc declarou que realiza o acolhimento ao servidor, orientações quanto à licença médica e readaptações, além de campanhas educativas, a exemplo do programa Escolha a Calma. Concluiu acrescentando que dispõe também da escuta qualificada das partes, bem como o encaminhamento aos Centros de Acompanhamento Psicológico Social - CAPS. Em 2017, a rede municipal de ensino contabilizou até o momento cerca de  847  professores afastados por licença médica motivada por diversos problemas de saúde. A Secretaria Municipal de Educação (Semed) ressaltou que esse dado inclui licenças por afastamentos e readaptação de função. Já no que diz respeito aos dados de servidores readaptados que englobam professores e administrativo, a rede contabilizou cerca de 472 até dezembro deste ano. Desse total, por volta de 80% são professores. O quantitativo é aproximado, visto que a estatística de 2017 ainda não foi finalizada. NÚMEROS FANTASIOSOS Para Consuelo Correia, presidente do Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas) os números da SEE e Semed são fantasiosos e não refletem a realidade. “Como é que num Estado com mais de 300 escolas só tenha 88 professores afastados no geral? Com certeza não é somente isso, o Estado inteiro apresentar 10% do quantitativo do município de Maceió”, frisou. Consuelo acredita que a questão da educação é sistêmica e complexa e vai muito além da sala de aula. “A situação indissociável para que possa melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores é um ponto que praticamente não é tratado nas pautas de reivindicação, mesmo que nós cobremos a condição do trabalhador envolvendo acústica, segurança, cultura de paz. Então são vários elementos, hoje as crianças passam o dia longe da família o que acaba sobrando para o professor, que passa a ser psicólogo, assistente social, educador, então é uma sobrecarga que toma para si, o que acaba no adoecimento, sem contar com as ameaças verbais de alunos”, explicou. Trabalhar a comunidade De acordo com a presidente do Sinteal, trabalhar a comunidade escolar é de fundamental importância para que ela tenha o sentimento de pressentimento da situação escolar, inclusive para não deteriorar aquele patrimônio que é de todos. “Somos desvalorizados e sem prestigio social, os cursos de licenciatura são os mais esvaziados. Apesar de se ter o mesmo grau de escolaridade de nível superior dos demais profissionais, tendo como exemplo, o concurso da educação daqui do Estado, são 850 vagas para professor com nível superior com jornada de 30 horas, com salário de menos de R$ 2.500, enquanto existem profissionais no judiciário com o nível médio ganhando R$ 7 mil e não levam trabalho para casa”, salientou. “É uma desvalorização sem igual com uma profissão que forma todas as demais. Essa política de desvalorização é proposital e tudo o que o governo quer, porque o espaço educacional tem um empoderamento. As propagadas midiáticas não condizem com a realidade e ainda não saíram do papel. A impotência é vista como regra pelos que lecionam, e não temos muito o que fazer, há uma desmotivação generalizada”, observou.