Economia

O despertar do afroempreendedorismo em Alagoas

Mais de 70% dos alagoanos se consideram pretos ou pardos, mas o espaço para esse público empreender ainda enfrenta dificuldades no Estado; especialistas veem potencial e negócios de sucesso já começaram a surgir

Por Emanuelle Vanderlei e Valdirene Leão / Tribuna Independente 03/06/2023 08h25 - Atualizado em 03/06/2023 09h37
O despertar do afroempreendedorismo em Alagoas
Rosiléia Viana abriu uma loja colaborativa na periferia de Maceió e reuniu o potencial de sete mulheres negras que só precisavam de uma oportunidade para empreender e encontrar o seu lugar no mercado - Foto: Edilson Omena

Resistir ao racismo estrutural que ainda persiste na sociedade em que vivemos pode ter vários caminhos. Para além das lutas de rua ou cobranças coletivas por políticas afirmativas e reparação histórica, o povo preto no Brasil vem buscando estratégias de sobrevivência desde quando a escravidão foi abolida. É com esse objetivo que tem sido construído o afroempreendedorismo.

“É mais que um movimento econômico, é político e social. Nós sabemos que somos consumidores em potencial, nossos produtos são vendáveis, nossa história é vendável, só que querem contar a nossa história por nós. Não querem que a gente ocupe o espaço. A gente relata, contextualiza todo o processo, mas não faz parte”, descreveu Luíla de Paula, afroempreendedora da empresa Negra Mina, que faz consultoria em ancestralidade, vivências e negócios.

Com potencial para ser um mercado em expansão, o afroempreendedorismo ainda enfrenta dificuldade em Alagoas. “Essa visão do afroempreendedorismo está mais nas grandes capitais da Região Sudeste-Rio/SP. No Nordeste ainda está muito concentrado na Bahia. Têm sido abertos vários editais para impulsionar a carreira do afroempreendedor em que eles estão valorizando e priorizando as regiões do Norte/Nordeste porque têm menor visibilidade. Mas a gente ainda consegue perceber que, nos editais, a maioria dos contemplados está nessas cidades do Nordeste de maior destaque, Salvador, Recife... Enfim, em Alagoas ainda está muita lento esse processo. Vivemos um despertar”, destacou Luíla.

"Nossos produtos são vendáveis, nossa história é vendável, só que querem contar a nossa história por nós. Não querem que a gente ocupe o espaço”, diz Luíla de Paula, afroempreendedora da empresa Negra Mina (Foto: Reprodução / Instagram)

De acordo com Ana Sandes, gestora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no setor de negócios de impacto social e ambiental (incluindo projetos para mulheres e afroempreendedores), ainda há muito a avançar.

“Mais de 50% da população brasileira se autodeclara negra, mas as procuras são poucas e mesmo quando há adesão o engajamento também é pouco. Eventos realizados para esse público também não possuem muita procura e isso abre vários questionamentos de qual estratégia deve ser utilizada para atração desses empreendedores”, falou Ana.

Ela explica que há uma preocupação do Sebrae em incentivar. “O Sebrae Alagoas vem atendendo pontualmente às solicitações relacionadas ao afroempreendedorismo. Em 2021 realizamos o Empreende Afro e tivemos 79 inscritos, 40 pessoas foram selecionadas e a turma foi finalizada com 20”, destaca a gestora.

Na avaliação de Sandes, a principal motivação desse setor vem da busca pela sobrevivência e, muitas vezes, faltam detalhes técnicos. “A maioria dos afroempreendedores abre seus negócios por necessidade, ou seja, negócios que abrem para que as pessoas que empreendem possam sobreviver. Esses negócios são ricos de ancestralidade, de conhecimento e tecnologias que muitas vezes não sabemos e os negócios possuem dificuldades para expor e apresentar isso em seus produtos ou serviços”, diz.

Por isso, Ana fala que a contribuição do Sebrae pode ser decisiva. “Quando unimos inovação a esses negócios, podemos ter uma potencialidade muito grande e torná-los em negócios competitivos no mercado”.

Definindo conceitos, Luíla frisa que o principal critério para definir um negócio como afroempreendedorismo é o fato de ser feito por pessoas pretas. “Parece óbvio, mas o óbvio precisa ser dito. Conhecemos várias pessoas que trabalham com produtos afro. Uma mulher não negra ela vende acessórios afro, turbante, acarajé. Ela é uma afroempreendedora? Não”, explicou.

Segundo ela, o tipo de produto ou serviço oferecido pode ou não ter ligação com a afrodescendência, pois o movimento tem o objetivo de ajudar a combater dificuldades que pessoas pretas normalmente enfrentam. “Não tem que necessariamente fazer roupa afro, comida de matriz afro, o que legitima é a pessoa ser preta”.

A consultora explica: “porque isso deslegitima o espaço das pessoas pretas. A ideia não é separar, é impulsionar o mercado que existe e é legítimo nós estarmos ocupando, a gente tem um demarcador racial e social. Quando eu vou atrás de um crédito, meu atendimento é diferenciado”.

Luíla diz que as diferenças não têm a ver com a capacidade. “Não é que não tenha potencial para aprender, mas falta o acesso. Normalmente essas informações são direcionadas a outro grupo específico, outra classe, outro segmento. Acesso à informação ainda é muito restrito para pessoas pretas. A gente lida com a questão racial mesmo, preconceito. Acesso ao crédito é a maior dificuldade”.

Mesmo com as dificuldades, Luíla reforça que há persistência. “A maioria dos afroempreendedores sai das suas comunidades”. Ela usa o nome do seu próprio negócio, Negra Mina Consultoria, para fazer um resgate histórico.

“As negras minas eram escravas libertas que começaram a empreender. Não tinha esse nome naquela época, mas elas começaram dos seus próprios saberes ancestrais. Aquilo que sabiam fazer, comercializar e incentivar toda a comunidade ali. A escrava liberta que sabia cozinhar pegava seu tabuleiro e ia vender os quitutes. Incentivavam seus maridos e filhos a sair do lugar de subserviência aos seus senhores. Fomos libertas, mas jogadas. Eu acredito que toda mulher nasce empreendedora. Despertar esse potencial. Quando uma mulher se movimenta, ela movimenta toda a sociedade. Uma mulher preta então... potencializa!”, enfatiza a consultora.

Passados 130 anos da abolição da escravatura, a população preta ainda sofre com muitas barreiras para se consolidar no mercado. É o que se vê nas pesquisas.

O nível de escolaridade alto é um fator comum entre afroempreendedores, mas isso não é compatível com a renda. Segundo levantamento da pesquisa Afroempreendorismo Brasil, realizada pelo Movimento Black Money em parceria com a Inventivos e a RD Station, 61,9% dos empreendedores pretos e pardos possuem ensino superior. Apenas 15,8% apresentam renda familiar superior a seis salários mínimos.

Outro ponto constatado pela pesquisa é que iniciativas de afroempreendedorismo são predominantemente femininas. Mulheres representam 61,5% do total dos afroempreendedores.

Um relatório especial produzido pelo Sebrae e divulgado em 2019 aponta que as mulheres negras representam a metade das donas de negócios no país. Com um perfil do empreendedorismo feminino no Brasil por gênero e raça, o levantamento mostra que o empreendedorismo por necessidade é mais forte entre as mulheres negras (49%) do que entre as brancas (35%) e que a informalidade também é marcante nesse contingente. Somente 21% das empreendedoras negras têm Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), contra 42% das mulheres brancas.

Loja colaborativa reúne sete afroempreendedoras

Um exemplo de afroempreendedora que transforma sua comunidade é Rosiléia Viana. Ela, que era servidora pública concursada de uma grande empresa nacional, decidiu explorar sua relação com a própria ancestralidade em um empreendimento que contemplaria um público ainda pouco explorado em Maceió.

“Em 2017, eu, juntamente com uma irmã, estava pensando como é que a gente poderia abrir algum negócio. Ela estava desempregada e eu era concursada da Petrobras. Então a gente começou a perceber, como mulheres negras, que o mercado aqui no estado de Alagoas era muito carente em produtos específicos para pele negra, produtos de maquiagem. Então a gente buscou na internet conhecer empresas e demos preferência às empresas que eram de pessoas negras. Conhecemos uma linha chamada Negra Rosa, que era de uma mulher negra do Rio de Janeiro, ela desenvolveu uma linha de maquiagem para mulheres negras”, destaca Rosiléia.

Com o tempo ela foi se especializando, fez curso profissional de maquiadora e entre 2017 e 2022 se especializou em pele negra.

O negócio deu certo e Rosiléia decidiu ir além. Com a pandemia ela foi afastada por um tempo pela Petrobras e, em seguida, transferida para Curitiba. Foi o empurrão que faltava para ela focar mais no negócio. “Foi uma decisão muito dura, mas decidi pedir demissão em 2020 e abrir uma loja física. Como não queria que fosse apenas de cosméticos, abri a loja colaborativa. Convidei várias mulheres negras do nosso e de outros estados, fiz uma curadoria para elas fazerem parte da minha loja também”, detalha.

A loja colaborativa agrega desde então em um mesmo espaço, sete mulheres afroempreendedoras.

Riso Costa é proprietária da marca Meu Doce Poder (Foto: Edilson Omena)

Uma delas é Riso Costa, que tem a marca Meu Doce Poder e vende pijamas e roupas íntimas sob medida para todos os tamanhos e tipos de corpos. “A gente aqui trabalha para quem não se prende em padrões”. A afroempreendedora é também quem produz as peças.

Além dos produtos de maquiagem, existem roupas, acessórios e uma grande diversidade de produtos que atende preferencialmente o público preto, mas que já atrai com frequência pessoas não negras que se interessam pela qualidade e originalidade das mercadorias. “Uma fortalece a outra. Quando uma está querendo desistir, a outra vai lá e levanta, assim a gente vai seguindo”, falou Rosiléia.

Com dois anos de loja física, ela fala que ainda sente falta de algumas coisas do período em que era celetista, mas que hoje está melhor. “Ainda não consigo suprir o salário que ganhava na Petrobras, mas dinheiro não é tudo. Se tivesse ido embora daqui eu não estaria feliz, nem teria saúde mental”.

Para Rosiléia, seu negócio surgiu como uma oportunidade de transformação de vidas. “Às vezes a gente pensa: ‘ai, meu Deus, cadê meu salário naquele dia certinho?’, mas eu me sinto muito realizada em poder ajudar outras pessoas. Muitas mulheres aqui não tinham muitas perspectivas com os seus negócios, nem achavam que era negócio. Muita mulher talentosa. É mágico você saber que todas aquelas mulheres estavam ali guardadinhas, só esperando uma porta se abrir. A loja não é grande, fica situada em um bairro periférico, Canaã, mas já fez muito barulho”.

Sobre as questões raciais que interferem no crescimento do negócio, ela relata um pouco de sua realidade. “Tudo que vem do povo negro é bem mais difícil. Infelizmente a gente convive com o racismo estrutural, que fecha muitas portas. Muitos lugares abrem oportunidade para o povo negro, mas é temporariamente por conveniência, só naquele momento, não tem continuidade, não se preocupa com a causa. Mas eu me sinto muito realizada como afroempreendedora”.

Rosiléia reforça que ainda é preciso pertencimento por parte da população afro. “O povo preto precisa fortalecer. Comprar de negros. Precisa a gente se abraçar, o preto fortalecer o preto”.

Por outro lado, ela se mostra grata pelas oportunidades. “Às vezes aparece o Sebrae e outros órgãos que nos abrem as portas e eu sou muito grata. Sebrae me abraçou. Eu falo porque o Sebrae me abriu muitas portas, eu palestrei na Trakto há dois anos, um evento enorme de marketing do nosso estado. Já palestrei em muitos eventos do próprio Sebrae”, pontua.

Estilista alagoana alia ancestralidade à moda

Nascida e criada em uma família de mulheres costureiras, a estilista Mara Carol cresceu entre tesouras, linhas, retalhos e máquinas de costura. Ela aprendeu a costurar com a mãe e aos 12 anos já customizava as próprias roupas. "Costumava customizar minhas roupas, pintar, aplicar coisas. Sempre gostei. Gosto de criar. Eu acho que hoje moda é só bem-estar, conforto, segurança pra gente expressar quem somos e no que acreditamos".

E foi com essa ideia de customização, conforto e bem-estar, aliados ao resgate da ancestralidade, que nasceu a loja de moda Coloral. "Eu produzo moda casual numa perspectiva afro e aí pode ser a estampa, a modelagem, a temática que inspira e sobre quem ou o que falo através da roupa, dos acessórios, essa leitura sobre a identidade negra brasileira e alagoana se expressa dessas formas", afirma Mara.

A loja foi criada em 2018 e tem o formato online, pelo Instagram, mas algumas peças estão disponíveis na loja colaborativa Divinas Pretas. Mara conta que a Coloral nasceu quase que por acaso. "Como eu já costurava pra mim, passei a fazer peças pros amigos e auxiliar com figurinos no [Coletivo] Afrocaeté [grupo alagoano de maracatu]. Com o passar do tempo os pedidos foram se expandindo e fui vendo também um espaço interessante pra desenvolver moda. Sempre gostei de moda, mas não me via no que aparecia, nem na aparência, mas com alguns temas, o discurso. Mas a moda tem mudado, a forma como padrões de beleza, de vestuário, até as referências têm sido deslocadas de um lugar que antes era quase intocável e isso fez com que as ideias atuais sobre moda sejam mais diversas, questionáveis, mutáveis", detalha Mara.

O talento da estilista é evidente e se expressa em roupas e acessórios femininos e masculinos através das cores e estampas que rementem a suas origens. Inspirações não lhe faltam e vêm de muitos lugares. "A costura está na minha família há muito tempo e sinto que hoje ela ganhou um novo significado. E sempre que possível tenho nas costureiras da família minhas referências, mãe, tia avó. Como mulher negra, nordestina, tenho a oportunidade de construir uma moda que me representa, como também entendo que meu trabalho não é somente sobre mim. Quero que ele reflita as muitas identidades negras que merecem ter sua beleza e sua contribuição reconhecidas”, ressalta.

Mara produz moda em uma perspectiva afro e faz leitura sobre a identidade negra brasileira e alagoana (Foto: Adailson Calheiros)

Formada em Letras com mestrado em Literatura, ela trabalhou por muitos anos em sala de aula. Dos quase seis anos da Coloral, conciliou por cinco anos a profissão de professora com a de estilista. Agora seu tempo é dedicado exclusivamente à moda. Além da loja, ela está trabalhando em uma consultoria de moda e estudando alguns processos de estamparia artesanal.

Foi empreendendo que Mara sentiu a necessidade de se especializar na área. Ela participou da primeira turma de Produção de Moda do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e concluiu o curso no ano passado, o qual lhe deu a oportunidade de conhecer e explorar outras áreas, como consultoria de moda para o desenvolvimento de produtos. Também teve a necessidade de buscar ajuda profissional para o negócio. Com quase dois anos da Coloral, teve o apoio do Sebrae através de consultoria para expandir os negócios.

Na trajetória como estilista, editais e premiações foram aparecendo e abrindo oportunidades. Em 2021, por exemplo, ela participou de um edital promovido pelo Instituto C&A. Das cercas de 450 marcas concorrentes em todo o Brasil, a Coloral ficou entre as 10. "O edital 'Todes namora', que contemplou 10 empreendedores LGBTQIA+ no Brasil, me deu uma mentoria sobre branding de marca e uma nova identidade visual. Na época eu cursava Produção de Moda e foram duas atividades que se complementaram. Me deram argumentos pra enxergar com mais clareza os caminhos possíveis na moda que eu quero percorrer, compreendi mais sobre a minha marca e defini objetivos mais alinhados com o que eu acredito que é relevante na moda”, destacou.

No ano passado ela foi convidada pela C&A para lançar algumas peças em parceria com a loja. “Lançamos uma collab [venda colaborativa] com a C&A, celebrando esse edital e esse encontro. Foi uma experiência maravilhosa e de muito aprendizado”. Foram produzidos dois modelos, uma calça e uma camisa, com 10 unidades em tamanhos diferentes e disponibilizados para venda em loja virtual para todo o Brasil. As peças exclusivas tinham detalhes em filé, renda do Pontal da Barra, e logo se esgotaram no site da loja.

Em novembro do ano passado, durante a conclusão do curso de Produção de Moda, Mara recebeu um convite do Sindicato das Indústrias do Vestuário do Estado de Alagoas (Sindivest) para participar do Minas Trend, um evento de moda voltado para o negócio. A estilista conta que esses acontecimentos vieram com o tempo. Não foram no início da marca. Mas não são vistos por ela como algo ruim e sim como reflexo do tempo e do reconhecimento do trabalho.

A Microempreendedora Individual (MEI) acredita que tem ainda um longo caminho a trilhar. "Tenho muito o que fazer ainda, na verdade, sempre tem...", pensa Mara.

Ideias e projetos não lhe faltam. Na parte de criação ela já está focando em peças agênero. "E tenho pensado em propostas mais neutras, quanto ao gênero". E nessa "pegada" do gênero neutro, a estilista busca criar peças que sejam versáteis, confortáveis e não precisem expressar a ideia do masculino ou feminino. "Por exemplo, uma camisa é uma camisa, não precisa ser marcada na cintura". As ideias fervilham em sua mente criativa e a inovação não deve parar por aí.

Ambientalista cria negócio de impacto e colabora com a preservação dos mangues no Pontal da Barra

Um negócio de impacto socioambiental (Nisa), o Nosso Mangue nasceu sem pretensões econômicas. O projeto foi criado pela ambientalista Mayris Nascimento, moradora do Pontal da Barra, bairro histórico de Maceió banhado pela Lagoa Mundaú, berço de pescadores e artesãos. A jovem de 26 anos enxergou um problema e buscou a solução. O que ela não sabia é que a solução tomaria o caminho do empreendedorismo.

Desde os 12 anos ela atua como voluntária em projetos ambientais e nessa trajetória se apaixonou pelos mangues. "A lagoa para mim tem um significado muito grande porque é o ambiente onde eu brincava quando era criança. Toda minha vivência, toda minha história gira em torno da lagoa", destacou.

Quando o instituto onde atuava como voluntária demonstrou não ter interesse em dar continuidade ao projeto no mangue, Mayris se desvinculou da entidade e tentou continuar o trabalho. "Fazíamos o replantio com os recursos que a gente tinha. Era R$ 50 que eu tirava do meu bolso para poder pagar", falou.

O empreendedorismo surgiu quando ela percebeu que o trabalho precisava sobreviver financeiramente. "E aí foi dentro do Sebrae que a gente foi desmembrando o negócio", conta. E o Sebrae foi decisivo para despertar o olhar para o potencial do mangue. A entidade mostrou que Mayris podia gerar lucro e impactar a comunidade com o que ela estava fazendo em favor daquele ambiente.

Para Mayris, a lagoa tem um significado muito grande, porque é o ambiente onde ela brincava quando criança (Foto: Reprodução / Instagram)

No Sebrae ela percebeu o que tinha em mãos. "O Sebrae é a grande mãe dos negócios de impacto aqui em Alagoas. Eu nem sabia o que eram negócios de impacto e foi dentro do Sebrae, junto com a gestora Ana Madalena, que eu comecei a ser inserida dentro desse contexto", explica Mayris, CEO e fundadora do negócio.

Com o projeto criado e a consultoria do Sebrae, estava formado o Nosso Mangue. O CNPJ foi registrado em 2019. No período de pandemia foram feitas algumas ações pontuais. Mas a empresa só entrou em operação em 2022. O negócio que nasceu como MEI já evoluiu para média empresa (ME), gera emprego e renda para seus três integrantes, moradores do bairro, e ainda a mais sete terceirizados nas áreas jurídica, contábil, de publicidade, de marketing e biologia. Ele tem o objetivo de preservar, recuperar e regenerar áreas de manguezais a partir do turismo regenerativo e da compensação da pegada de carbono.

O Nosso Mangue funciona com a comercialização de pacotes de passeios pela Lagoa Mundaú, na região do Pontal da Barra.

A empreendedora explica os benefícios que os manguezais podem trazer para quem está às margens da lagoa e para todo o mundo em todos os contextos. "Ele é um berçário natural. O mangue tem a capacidade de sequestrar de 5% a 10% de carbono. A cada um hectare de mangue recuperado você aumenta a reprodutividade das espécies. Têm diversos fatores. Se toda a costa que fica às margens da lagoa estivesse recuperada, o impacto das enchentes que a gente teve [ano passado] não seria esse, seria bem menor. Porque ele é um bloqueador desses impactos que as marés trazem durante as enchentes. Então são diversos benefícios que ele traz. E quando a gente traz a iniciativa de valoração desse ecossistema, é justamente para que as pessoas tenham o olhar do quanto ele é importante. E ele não está ali por acaso no meio ambiente", reforça Mayris.

PREMIAÇÕES

A ideia inovadora de Mayris, que proporciona imersão nos mangues da Lagoa Mundaú, gera renda e ainda contribui para regeneração do ecossistema, mudou sua realidade. O projeto já lhe rendeu três premiações: Startup Nordeste, BNDES Garagem e GDH Indústria. As premiações têm o objetivo de ajudar a acelerar o negócio.

No DemoDay do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Garagem, que reconhece e acelera negócios que geram impacto social e ambiental, o Nosso Mangue concorreu com mais de 604 startups do Brasil e conquistou o primeiro lugar na edição 2022. "Ganhar o prêmio do BNDES foi a validação de que, independentemente de onde você venha, você pode ocupar qualquer lugar no mundo. Só basta a gente sonhar, acreditar e realizar. Mas nunca sozinho, sempre juntos. Porque é uma rede. Pra a gente chegar aonde a gente chegou foi uma rede de pessoas que acreditaram num propósito, seguraram minha mão e disseram vá. Então o fato de eu ter chegado lá foi justamente para mostrar a todos os jovens de comunidade, de periferia, que vêm de uma família pobre que eles podem alcançar o mundo. E que a educação realmente transforma a realidade deles. Só basta eles quererem. Mas têm que estudar também. A educação salva vidas e transforma o mundo. Eu hoje ganhei o prêmio, mas quero que outros jovens, outras mulheres como a Mayris também ocupem qualquer lugar do mundo", enfatizou.

Plantio de muda de mangue durante o passeio, que tem o objetivo de preservar, recuperar e regenerar áreas de manguezais (Foto: Divulgação)

Ela relata que os próximos passos são criar raízes dentro da comunidade. "Quero trazer mais pescadores e marisqueiras pra perto. Porque a gente consegue ampliar o raio de alcance da gente e gerar esse pertencimento que as pessoas muitas vezes não têm, não se reconhecem fazendo parte disso tudo. Impactar cada vez mais pessoas, trazer mais gente para essa construção. Porque é do coletivo para o coletivo. E se não for, não faz sentido existir. Então é isso, quando fincar raiz é que eu vou estar realizada como pessoa", afirmou a ambientalista.

Os passeios são feitos aos finais de semana. Mas o Nosso Mangue já está com projeto de expandi-los também aos dias úteis. A Colônia de Pescadores do Pontal da Barra é o ponto de encontro do público que pretende vivenciar a rota regenerativa. A embarcação comporta oito pessoas. O valor cobrado atualmente é de R$ 50 por pessoa e já está incluso um lanche natural com frutas da estação. Mais informações sobre os passeios e outras ações podem ser conferidas na conta do Nosso Mangue no Instagram.

A jovem empreendedora destaca a importância dos programas sociais para transformar a vida das pessoas. "Eu sou fruto de projetos e programas sociais dentro da minha comunidade".

Ela finaliza reforçando a importância dos projetos como o que ela desenvolveu para o meio ambiente e para toda a população. "Os negócios de impacto são os negócios do presente, porque o que a gente faz hoje vai gerar impacto para as gerações futuras".