Economia

Alagoanos cortam na própria carne para sobreviver à crise

Em todo o país, foram 59,76 milhões de CPFs negativados até o mês de junho

Por Tribuna Independente 26/08/2017 08h15
Alagoanos cortam na própria carne para sobreviver à crise
Reprodução - Foto: Assessoria

“Meu filho, a vida da gente que depende somente do salário e que sequer teve reajuste não está nada fácil. Temos que nos virar como podemos, cortando uma coisa aqui e outra ali para se equilibrar nestes tempos difíceis no nosso país e no nosso Estado”.

A afirmação é da funcionária pública alagoana Ruth Nogueira, ao resumir o sentimento da grande maioria da população brasileira, que tem feito das “tripas coração” para se virar como pode na atual crise econômica brasileira.

O desabafo de Ruth reflete-se em grande parte por causa do discurso do Governo Federal que tem à frente o presidente Michel Temer (PMDB), que assumiu o comando do país em 2016 prometendo austeridade. Mas nos últimos dias o governo federal aumentou gastos e abriu mão de impostos. E a soma dessas ações passa dos R$ 127 bilhões.

(Foto: Sandro Lima)

Dona Ruth revela que teve que cortar o cursinho e o lazer da filha Rebeca para se adaptar à difícil crise econômica

CAMPANHA PUBLICITÁRIA

Além disso, pressionado pela baixa popularidade, Temer já gastou, em 2017, R$ 100 milhões com uma campanha publicitária para defender a necessidade da reforma da Previdência, uma das principais bandeiras do seu governo.

Fora isso, o país acompanhou estarrecido o rolo compressor de Temer para salvar a própria pele e que não considerou limites, no episódio em que pôs suas mãos para barrar a investigação de corrupção e salvar seu mandato, apresentada, em 26 de junho, pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que teve como principal fontes de recursos para o pagamento dos parlamentares os cofres públicos.

Segundo dados levantados pela imprensa, o governo federal gastou o equivalente R$ 13,2 bilhões para pagar favores aos 263 deputados federais que votaram contra a investigação de corrupção contra Temer.

Enquanto isso, Ruth e milhões de brasileiros apertam os cintos e cortar na própria carne para não piorar o que já está ruim. “Infelizmente tive que cortar o cinema e o cursinho para o Enem da minha filha porque o salário não dá, não tive reajuste este ano”, revela Ruth, ao testemunhar o sorriso amarelo da filha Rebeca, de 16 anos, que a acompanhava durante o depoimento à Tribuna Independente.

Esse é o caso também de dona Genilda Rodrigues, que negocia no Mercado Público do Jacintinho, na periferia de Maceió. “A clientela sumiu, tá muito fraco porque o povo está sem dinheiro”, diz a comerciante de feijão, cenouras e limão do mercado popular. 

(Foto: Sandro Lima)

Dona Genilda Rodrigues: “A clientela sumiu porque o povo está sem dinheiro”

CPFs negativados aumentam fosso social com crise

Mesmo com a recuperação lenta da atividade econômica e do emprego no Brasil, o número de consumidores inadimplentes aumentou no primeiro semestre do ano. Isso é o que aponta pesquisa da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil, ao informar que a quantidade de CPFs negativados no País chegou a 59,76 milhões no final de junho, um volume 1,5 milhão superior ao do final do ano passado e equivalente a 39,6% da população com idade entre 18 e 95 anos.

Sobre o atual quadro tanto em relação ao baixo consumo quanto à inadimplência, o economista Cid Olival, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), analisa que dois fatores servem de espelho para a atual crise econômica.

“No caso de Alagoas, é mais grave porque é um Estado pobre que depende muito ainda das transferências federais, como o Bolsa-Família, por exemplo, recursos os quais têm sofrido uma forte contingência por parte do governo federal e que deixa de injetar uma soma muito significativa na economia, principalmente na baixa renda e nas classes mais populares”, pontua Olival.

SALÁRIO MÍNIMO

“Outro ponto são os juros altos, uma vez que a pessoa sente-se inibida de contrair empréstimos e que se torna bem mais caro, pois não pode amortizar os pagamentos com parcelas mais suaves e prazos mais longos”, explica. “Isso sem contar que muita gente está inadimplente no comércio e os efeitos da dependência do salário mínimo, que atinge principalmente as classes populares que deixam de comprar”, completa o economista.     

Preço alto de gastos vai para conta da população

O fato é que, enquanto a maior parte da população, seja ela no país ou em Alagoas, aperta os cintos ao fazer malabarismo financeiro para economizar, entre junho e julho, o governo Temer empenhou 95% dos R$ 4,15 bilhões em emendas parlamentares. Nos primeiros dias de agosto, o valor empenhado superou toda a liberação de janeiro e março. Poucos dias antes da votação, o presidente editou a Medida Provisória 793, que refinanciou dívidas de produtores rurais e da agroindústria contraídas com o Funrural.

Trata-se de uma renúncia fiscal que atinge R$ 7,6 bilhões em quase 15 anos ante o que se arrecadaria sem descontos de multa e juros. Esse cálculo foi divulgado pelo Fisco nacional. Quanto aos royalties da mineração, que vinham sendo negociados há mais de três anos, deverão elevar em R$ 1,5 bi as receitas das prefeituras e dos estados produtores, que ficam com 65% e 23%, respectivamente, da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).

APERTANDO O CINTO

De acordo com o que se tem visto no noticiário, o Governo Temer gastou muitos cartuchos e dinheiro que iriam financiar a compra da reforma da Previdência para se livrar da denúncia de Rodrigo Janot. Com isso, cogita pôr em curso um Plano B que visa a assegurar a reforma da Previdência a qualquer custo. Ou seja, planeja efetivar o desmonte da Seguridade Social de forma fatiada, por meio de medidas provisórias.

Inadimplência e fiado são as consequências

O caso mais emblemático desta atual crise por que passa a população brasileira e alagoana é exemplificado por outros dois comerciantes que negociam há 15 anos no Mercado Público do Jacintinho, o casal Manoel Gomes da Silva, 60; e Marlene Gomes da Silva, 55, que comercializam coco no local.

“Tivemos uma queda nas vendas de quase 80% porque o movimento está fraquíssimo; o povo está sem dinheiro. Nem nos dias de maior movimento a gente consegue apurar o necessário para ter capital de giro”, reclama Marlene.

(Foto: Sandro Lima)

Dona Marlene fala em queda de 80% nas vendas

RUIM COM ELA, PIOR SEM ELA

“A consequência desse movimento é que não estamos mais pagando os impostos da prefeitura e compramos fiado para poder vender”, completa Marlene, ao desabafar. “Olhe, se já estava ruim com a Dilma {Rousseff), depois que este presidente assumiu, tudo ficou ainda pior para nós, os pequenos comerciantes”.

“O senhor pode conferir aí no mercado quantas barracas e lojas estão fechadas por causa desta situação”, completou o esposo de Marlene, Manoel Gomes.

E de fato. Numa rápida circulada da reportagem no entorno do Mercado Público do Jacintinho, é fácil constatar que várias barracas e lojas estavam com as portas fechadas.

“Já vai fazer um ano que o movimento é este que o senhor está vendo, muito fraco, mesmo nos dias que são de maior movimento”, reclama dona Maria Lourdes, que tem uma barraca há 20 anos.

(Foto: Sandro Lima)

Muitas barracas e lojas fechadas é um dos sintomas claros da crise que atingiu comerciantes em mercado público

Falta de consumidor para comprar tem levado negociantes a apertar os cintos e se virar como pode