Cooperativas

Por que o Brasil precisa de uma lei para a economia solidária?

Está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PLC) que tem como objetivo regulamentar o setor

Por Texto: Thays Puzzi com Assessoria / Unicopas 16/12/2019 16h01
Por que o Brasil precisa de uma lei para a economia solidária?
Reprodução - Foto: Assessoria
Está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PLC) que tem como objetivo regulamentar o setor da economia solidária no Brasil. Dentre os principais pontos do PLC 137/2017 está a regulamentação da Política Nacional da Economia Solidária e a criação do Sistema Nacional de Economia Solidária. A proposta ainda estabelece uma definição do que é a economia solidária e quais são os princípios que caracterizam os empreendimentos econômicos solidários no Brasil. Fruto de forte incidência das organizações da sociedade civil, entre elas a Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), o PLC 137/2017 foi aprovado pelo plenário do Senado Federal nesta semana. Como ele sofreu alterações, agora, o projeto volta para a análise e aprovação da Câmara dos Deputados para depois seguir para sanção presidencial. Outra conquista que promove o setor no país foi a entrada para o calendário oficial de datas comemorativas do Brasil do Dia Nacional da Economia Solidária. Instituído no dia 15 de dezembro – nascimento de Chico Mendes -, a sanção presidencial foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 11 de dezembro. Mas por que regulamentar a economia solidária no Brasil é importante? Estima-se que no país, atualmente, existem cerca 19.708 empreendimentos que reúnem 1 milhão 423 mil e 631 associados, em 2.804 municípios. O levantamento foi feito pelo Sistema de Informação da Economia Solidária (Sies), da Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes). Economicamente, a estimativa é que o setor movimente anualmente cerca de R$ 12 bilhões. É importante destacar que as primeiras práticas de economia solidária surgem, no mundo, em resposta à pobreza e ao desemprego em massa em meados do século XVIII, causado pela chegada do capitalismo industrial. A introdução e a difusão de máquinas a vapor e o cercamento das propriedades rurais fizeram com que milhares de trabalhadores perdessem seus empregos e começassem a se organizar em cooperativas. Paul Singer, economista e professor brasileiro nascido na Áustria, morto em abril de 2018, explicava que “as cooperativas eram tentativas por parte dos trabalhadores de recuperar o trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia”. As práticas em torno desse novo modelo de geração de trabalho e renda, de base autogestionária e com princípios que promovem a sustentabilidade, já ocorrem, no Brasil, desde o século dezenove, mas foi somente em meados da década de 1990, que essas práticas passaram a ser consolidadas e institucionalizadas em torno do termo economia solidária. “Nós falamos muito em economia solidária, mas nós não temos uma lei que a regulamente. A economia solidária existe e é reconhecida pelo Estado, mas ela não tem um suporte legal. Esse projeto de lei incentiva a atividade produtiva de forma solidária para gerar renda, superar a desigualdade, envolver a população – principalmente às mais vulneráveis – em iniciativas de produção coletiva que possam distribuir renda entre os que mais precisam e, ao mesmo tempo, constituir uma força de articulação que apoiem essas iniciativas coletivas”, destaca Daniel Rech, assessor da Unicopas. Em um cenário em que há intensa precarização do trabalho com perdas de direitos, em que o desemprego atinge mais de 12 milhões de brasileiras e brasileiros, segundo dados recentes do IBGE, a cadeia produtiva da economia solidária se revela com uma importante estratégia para a retomada do crescimento no Brasil. Mais que isso, mostra-se como um pilar importante para a superação da desigualdade, uma vez que gera trabalho digno e renda às populações mais empobrecidas e ainda aquece a economia de municípios, principalmente, os com menos de 20 mil habitantes. O que é economia solidária? É um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizados sob a forma de autogestão e ajuda mútua. A economia solidária se apresenta como uma alternativa de geração de trabalho e renda, sobretudo às populações mais empobrecidas, a favor da inclusão social. “Existe uma variedade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário”, observou Rech. Para um empreendimento ser caracterizado como promotor da economia solidária é preciso seguir os princípios da cooperação, da autogestão, da ajuda mútua e da solidariedade. Além disso, as práticas são centradas no ser humano, valorizando a diversidade, o saber e a aprendizagem local, com justiça social na produção e cuidado com o meio ambiente. Conheça os princípios da economia solidária Autogestão: administração de um organismo pelos seus participantes, em regime de democracia direta. Em autogestão, não há a figura do patrão, mas todos/as trabalhadores/as participam das decisões administrativas em igualdade de condições. Em geral, os trabalhadores são os proprietários da empresa autogestionada. Cooperação: ação conjunta para uma finalidade, objetivo em comum. Cooperação é uma relação baseada entre indivíduos ou organizações, utilizando métodos consensuais. A cooperação opõe-se à competição. Solidariedade: união de simpatias, interesses ou propósitos entre os membros de um grupo. Cooperação mútua entre duas ou mais pessoas. Interdependência entre seres. Identidade de sentimentos, de ideias, de doutrinas. Centralidade no ser humano: a economia e suas formas de produção, troca, distribuição e consumo devem ser pautadas, primeiramente, pelo ser humano e seu bem-estar. Valorização da diversidade: a diversidade está ligada aos conceitos de diferença, oposição, pluralidade, multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade, comunhão de contrários, intersecção de diferenças ou tolerância mútua. Por exemplo, diversidade cultural, diversidade biológica, diversidade étnica, linguística, religiosa, entre outros. Valorização do saber local e da aprendizagem: saber local é o saber existente a partir das vivências das pessoas ou grupos de pessoas. Valorizar os saberes locais é compreender que o saber é algo construído através do tempo, gerações, vivências e territórios. Valorizar a aprendizagem está relacionado ao saber local e a todas as produções de saberes. Justiça social na produção: justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. O conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções em favor dos mais fracos. Cuidado com o meio ambiente: está associado à conservação, mas também com o uso racional de recursos naturais na produção em seus mais amplos aspectos. Também está relacionado a ações de recuperação ambiental, educação ambiental, entre outras.