Ciência e Tecnologia
Pesquisa da Ufal transforma subprodutos da cana em energia limpa
Com apoio da Fapeal, iniciativa do Programa Jovens Doutores viabiliza desenvolvimento de tecnologia automatizada com potencial de transformar a gestão de excedentes industriais em Alagoas

A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) liderou uma pesquisa inovadora que transforma resíduos industriais, como vinhaça e melaço, em bio-hidrogênio, uma fonte renovável de energia, ou seja, uma fonte de energia limpa. O projeto Monitoramento automático de reator anaeróbio contínuo para codigestão de vinhaça e melaço e produção de bio-hidrogênio, foi conduzido pela bolsista do programa Jovens Doutores, Fernanda Peiter, com coordenação e orientação do professor Eduardo Lucena, doutor em engenharia Hidráulica e Saneamento, ambos da Ufal.
Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto avança no Programa de Pós-graduação em Recursos Hídricos e Saneamento (PPGRHS) da Ufal. E foi financiado pelo Programa de Apoio à Fixação de Jovens Doutores no Brasil.
Finalizado em fevereiro deste ano, o projeto investigou, ao longo de dois anos, o uso de subprodutos oriundos da indústria sucroalcooleira – a vinhaça e o melaço – como matéria-prima para produção de bio-hidrogênio, utilizando um reator anaeróbio automatizado e monitorado em tempo real.
Neste trabalho, a responsável pela implementação da análise, Fernanda Peiter, explicou que o objetivo era criar uma tecnologia eficiente e acessível para o aproveitamento energético desses materiais. “A vinhaça é um efluente de alto volume e com grande potencial poluidor. Quando conseguimos transformá-la em bioenergia, resolvemos dois problemas: o do descarte e o da geração energética limpa”, afirmou.
Segundo o coordenador do estudo, para cada litro de etanol produzido, são gerados de 12 a 14 litros de vinhaça. "Esse subproduto é frequentemente utilizado para fertirrigação [aplicação de fertilizantes por meio da irrigação], mas seu uso excessivo pode comprometer o solo e até contaminar lençóis freáticos. Nosso intuito foi propor um destino mais sustentável, usando a vinhaça como insumo para a produção de bio-hidrogênio", explicou Eduardo Lucena.

A técnica utilizada por eles foi a digestão anaeróbia, processo que ocorre na ausência de oxigênio, com a atuação de microrganismos que decompõem a matéria orgânica. "Esse método gera gás hidrogênio, etanol e ácidos que têm valor agregado para a indústria. A codigestão com melaço permite melhorar o rendimento energético, já que um dos substratos é rico em nitrogênio e o outro em carboidratos", detalhou o professor.
Monitoramento automatizado
Narrando os frutos do projeto, Fernanda Peiter explica que a inovação tecnológica dele está atrelada ao desenvolvimento de um sistema de monitoramento automatizado do reator, capaz de acompanhar variáveis como temperatura, pH e concentração de sólidos. “O monitoramento automatizado foi essencial para tornar o processo mais eficiente e confiável. Normalmente, os dados desses reatores são coletados de forma manual, o que é mais demorado e sujeito a falhas. Automatizando, conseguimos acompanhar o desempenho em tempo real, tomar decisões mais rápidas e otimizar a produção de bio-hidrogênio”, explicou a jovem doutora.
Ela acrescenta que, com esse método, foi possível coletar uma quantidade consideravelmente maior de dados por experimento, o que também viabilizou o uso de ferramentas de inteligência artificial e machine learning para modelar o sistema e prever cenários operacionais do reator.
Emissão zero de carbono
Nesse cenário, os estudiosos abordaram que o bio-hidrogênio é considerado uma das fontes mais promissoras de energia limpa, com alto poder calorífico e emissão zero de carbono. “Ele possui três vezes mais energia que a gasolina e, ao ser queimado, emite apenas vapor d’água. Isso faz dele um elemento importante na transição energética global", pontuou Peiter.
Para o coordenador da pesquisa, embora o rendimento do bio-hidrogênio por digestão anaeróbia ainda seja inferior ao do hidrogênio verde – produzido por eletrólise da água –, essa técnica possui mais vantagens por aproveitar resíduos obrigatórios de tratamento. “Se já há uma obrigação legal e ambiental de tratar a vinhaça, por que não agregar valor a esse processo com a produção de gás energético?”, questionou.
O professor destacou também que há espaço para parcerias com o setor produtivo. “Já existem usinas no estado que utilizam vinhaça para produção de biogás. A ideia é acoplar o sistema de produção de hidrogênio para enriquecer esse biogás, formando o chamado biohitano, que tem maior poder de combustão e pode ser usado em turbinas ou motores de geração elétrica", concluiu.
Solução dupla
Durante a condução da pesquisa, foram utilizadas as instalações e infraestrutura do Laboratório de Controle Ambiental (LCA) da Ufal, com apoio de estudantes da pós-graduação. A mestranda Karla Machado foi uma das que integraram o projeto, participando dos ensaios experimentais e reforçando a relevância do trabalho colaborativo. "O projeto representa uma oportunidade de entender o funcionamento real de um reator e aprofundar os conhecimentos sobre parâmetros como sulfato e sua interferência na ação dos microrganismos", frisou Karla.
A investigação também prospecta impactos positivos para a própria agroindústria regional. A vinhaça, após passar pelo reator, mantém seus nutrientes e pode continuar sendo utilizada como fertilizante, só que nesta etapa, com menor carga orgânica e menor risco de contaminação, como explicou Fernanda Peiter: “Produzimos energia e, ao mesmo tempo, preservamos a função da vinhaça como biofertilizante. É uma solução dupla.”.
Nesta perspectiva, Eduardo Lucena reforça que o apoio da Fapeal foi substancial no estudo, tanto para fortalecer a formação de novos pesquisadores, como na consolidação do Programa de Pós-graduação em Recursos Hídricos e Saneamento da Ufal. "A bolsa permitiu que a Fernanda se dedicasse integralmente à pesquisa, atuando também na orientação de alunos e na redação de artigos científicos. Com isso, conseguimos elevar o nível da produção acadêmica e dar suporte à nossa primeira turma de doutorado", afirmou.
A pesquisadora enfatiza que a experiência foi, de fato, transformadora: “Com o incentivo da Fapeal, pude aprofundar minha linha de pesquisa e me aproximar ainda mais da realidade do setor produtivo alagoano. Os recursos se mostraram importantes, principalmente por se tratar de uma pesquisa experimental”.
Agora, a cientista tem como meta seguir desenvolvendo pesquisas em colaboração com o PPGRHS, buscando fixar-se permanentemente em uma instituição de ensino superior. Com passagens por centros de excelência como a Universidade de São Paulo e a Universidade de Oxford, Fernanda Peiter acredita na importância de compartilhar esse conhecimento para contribuir com a formação de novas gerações de pesquisadores em Alagoas, ampliando o legado de uma ciência cada vez mais aplicada, acessível e conectada aos desafios regionais.
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