Ciência e Tecnologia

Efeitos colaterais de fármacos anticancerígenos desafiam pesquisadores da Ufal

Química teórica tenta acender a luz para a experimentalista, por meio de simulações computacionais

Por Graça Carvalho / Ascom Ufal 09/05/2025 23h26 - Atualizado em 10/05/2025 00h04
Efeitos colaterais de fármacos anticancerígenos desafiam pesquisadores da Ufal
Coordenador da pesquisa, professor Júlio, a aluna de iniciação científica, Gabriela Silva, e toda equipe envolvida buscam soluções usando cálculos e simulações em computador - Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal

Difícil imaginar um laboratório de Química sem tubos de ensaio borbulhantes, sem cientistas de jaleco, nem óculos de proteção. Mas existe, e um deles está no Instituto de Química e Biotecnologia (IQB) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E é lá que está em andamento uma pesquisa teórica, de química computacional, que busca contribuir com pesquisas experimentalistas voltadas à descoberta de novos fármacos anticancerígenos, sem os temidos efeitos colaterais.

A química computacional é uma área interdisciplinar onde são utilizados conceitos de física molecular, computação científica e química para tentar formular modelos que ajudem a compreender processos químicos, tais como reações químicas. Para o tempo da ciência, é possível afirmar que se trata de uma área de pesquisa nova, porém já madura o suficiente para lidar com problemas em química, bioquímica e biologia molecular.

No comando da pesquisa, o professor Júlio da Silva e sua equipe, por meio de cálculos e simulações, buscam respostas para facilitar o desenvolvimento planejado de novos fármacos anticancerígenos mais adequados. “Nosso estudo é totalmente teórico baseado em cálculos computacionais. A proposta central é tentar auxiliar na compreensão detalhada das possíveis etapas que antecedem a chegada do fármaco ao alvo biológico”, afirmou o professor Júlio, coordenador da pesquisa.

Ele explica que nossa matriz bioquímica é muito complexa. Quando um fármaco está presente nessa matriz existe uma enorme possibilidade de interações com diferentes espécies biológicas. Essa rede de interações terá um efeito direto sobre como o fármaco atingirá o alvo desejado, neste caso, a região cancerígena.

O problema é que o fármaco anticancerígeno não interage somente com a região afetada pela doença. O professor explica que, devido a toda complexidade do meio biológico de cada pessoa, reações paralelas ocorrem fazendo com que diferentes espécies químicas sejam formadas e o fármaco acabe se ligando a algumas regiões saudáveis. E isso provavelmente é um dos fatores que levam aos chamados efeitos colaterais.

O “pulo do gato” é tentar entender, detalhadamente, por meio de simulações computacionais, possíveis etapas elementares que ajudem a compreender, previamente, quais as possíveis reações químicas que um determinado composto pode vir a sofrer ao interagir com espécies químicas específicas presentes no meio biológico. Numa analogia ao relógio de ponteiros, o trabalho dos pesquisadores é tentar entender as engrenagens internas que, quando ajustadas corretamente, fazem o relógio funcionar as horas com certa precisão.

Química computacional busca contribuir com pesquisas experimentais para descoberta de novos fármacos anticancerígenos (Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal)

Se conseguir essa façanha, por meio dessa química computacional – sem tubos de ensaio borbulhantes, sem cientistas de jaleco e sem óculos de proteção –, a pesquisa em andamento no IQB poderá auxiliar, de alguma forma, a pesquisa experimentalista no desenvolvimento planejado de novos fármacos capazes de não provocar, ou provocar menos feitos colaterais.

“Desde meu doutorado, vinha estudando reações elementares em compostos de platina – os mais tradicionais no tratamento de alguns tipos de câncer – e daí, então, unimos as expertises para tentar trabalhar nesse projeto bastante desafiador. Estamos agora estendendo a metodologia para investigar complexos à base de rutênio, que vêm sendo apontados como possíveis competidores dos tradicionais compostos de platina”, revelou o coordenador da pesquisa, Júlio da Silva, que trabalha em parceria com os professores Renaldo Tenório, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Roberta Dias, da Federal de Pernambuco (UFPE); e com o doutorando Carlos Vital, também da UFPB.

Todos, incluindo a bolsista Gabriela Silva, produziram e assinaram juntos o artigo Exploring Trans Effect Concept in Pt(II) Complexes through the Quantum Theory of Atoms in Molecules and Chemical Bond Overlap Model Perspectives, que em tradução livre quer dizer Explorando o conceito de efeito trans em complexos de Pt (II) por meio da teoria quântica de átomos em moléculas e perspectivas do modelo de sobreposição de ligações químicas. O texto foi veiculado em uma publicação científica internacional, a Advanced Theory and Simulations.

O artigo tem recebido algumas citações de publicações internacionais, mas ainda voltadas às questões metodológicas e não ainda sobre a relação com a bioquímica dos fármacos anticancerígenos. Contudo, os autores avaliam que esse trabalho abriu uma série de novas possibilidades.

Desafios

A pesquisa vem superando inúmeros desafios, segundo o pesquisador da Ufal, a começar pela deficiência na infraestrutura. “Os tipos de cálculos apresentados no trabalho requerem uso de computadores com alta capacidade de processamento. Esses computadores precisam ser alocados em espaços com refrigeração adequada e uma rede elétrica estável, pois muitas dessas simulações levam dias para serem concluídas”, destacou.

Ela lembra que, entre 2016 e 2022, os recursos financeiros para o financiamento de pesquisas científicas no Brasil sofreram cortes significativos. Isso inclui cortes para o orçamento das universidades, onde a maior parte das pesquisas é realizada.

Outro desafio apontado é o caráter interdisciplinar de pesquisas nessa área, que envolvem uma mistura de conceitos de ciência da computação, química quântica, física molecular e bioquímica. “É difícil encontrar estudantes dispostos a buscar uma formação nessa área. Para nossa sorte, encontramos o doutorando Carlos Júnior e a aluna de iniciação científica, Gabriela Silva, os quais foram extremamente ativos no estudo realizado”, reconheceu o coordenador.

Para Gabriela, apesar dos desafios, é possível realizar ciência no Brasil e ainda ter o reconhecimento em uma publicação internacional. Ela agradece à Ufal e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), em especial, ao professor Júlio, pela oportunidade de aprendizado. “Isso me motiva a querer contribuir, aprender e realizar cada vez mais. Atualmente faço pesquisa dentro da área de química teórica e computacional sobre dispositivos moleculares baseados em carbono. Portanto, o meu caminho natural é seguir para o mestrado e me aprofundar cada vez mais nessa área”, afirmou a graduanda.

Sobre o impacto da Química teórica na academia e na sociedade, o professor Júlio diz que se trata de uma questão difícil de responder. “Muitas vezes a pesquisa de caráter fundamental é vista como algo sem impacto real na sociedade, que “é só mais um artigo”. E até entendo em certo ponto. A sociedade financia a pesquisa, e é natural querer um produto em “mãos”, reconheceu, mas pondera porque considera que sua equipe contribuiu apresentando uma alternativa, uma possibilidade. “Talvez, com o tempo, possamos medir um pouco melhor o impacto na sociedade”, concluiu.