Cidades

Ufal entrega título de Doutor Honoris Causa in memorian a Hermeto Pascoal

Honraria outorgada pelo Conselho Universitário foi entregue pela vice-reitora Elaine Cavalcanti a Fábio Pascoal durante o encerramento do Femupe

Por Sandra Peixoto / Ascom Ufal 29/10/2025 01h44
Ufal entrega título de Doutor Honoris Causa in memorian a Hermeto Pascoal
Vice-reitora Eliane Cavalcanti entrega diploma a Fábio Pascoal, filho de Hermeto Pascoal - Foto: Renner Boldrino / Ascom Ufal

“Isso para mim, de todos, é a mais importante homenagem da minha vida, porque aqui [em Alagoas] que comecei”, disse Hermeto Pascoal ao tomar conhecimento de que a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) lhe concedeu, em setembro de 2024, o título de Doutor Honoris Causa. A honraria outorgada pelo Conselho Universitário (Consuni) foi entregue pela vice-reitora Elaine Cavalcanti a Fábio Pascoal, filho do gênio musical, em solenidade in memorian, durante o encerramento da 16ª edição do Festival de Música de Penedo (Femupe), no Centro de Convenções.

A leitura da Resolução nº 114/20024 do Consuni, que concedeu o título, foi feita pelo conselheiro Wellington Pereira, pró-reitor de Gestão de Pessoas e do Trabalho.

Hermeto era presença confirmada na edição 2024 do Festival, no qual receberia o título, mas complicações em sua saúde impossibilitaram sua presença. Infelizmente, o alagoano de Lagoa da Canoa faleceu no dia 13 de outubro, não sendo possível a celebração em vida. “O título de Doutor Honoris Causa é o mais alto reconhecimento concebido por nossa Universidade. É o gesto pelo qual o nosso Conselho Universitário homenageia personalidades cuja trajetória se confunde com a própria aplicação, com o conhecimento e com a liberdade de pensar e de sentir o mundo. E eu aqui indago, quem entre nós representaria melhor essa integração entre a sabedoria, a arte e a vida do que o nosso querido Hermeto Pascoal?”, questionou em seu discurso a vice-reitora Eliane Cavalcanti.

Passeando pela biografia do homenageado, a vice-reitora relembrou que o multi-instrumentista transformava o universo em sons, extraindo acordes de panela, do balde, do copo e, até, do silêncio, ensinando que tudo vibra e, portanto, tudo é música. Para ela, Hermeto foi - e sempre será - um pesquisador da alma sonora brasileira que fez da sua genialidade um território de liberdade, de invenção e de encontro. “Hoje, quando lhe concedemos o título de Doutor Honoris Causa, reconhecemos o seu saber como pleno, legítimo e transformador; aquele que nasce da curiosidade, da escuta e do respeito à natureza da vida. Hermeto nos mostrou que o conhecimento não é um monopólio da academia; ele nasce do povo, da experiência, da intuição e do improviso. Este título é, portanto, uma a homenagem da universidade, à genialidade que não se aprende nos livros, mas que ao mesmo tempo, nos ensinam o que muitas vezes nenhum livro é capaz de dizer”, enfatizou.

A proposta de concessão do título a Hermeto foi uma iniciativa do professor do curso de licenciatura em Música da Ufal, Marcos Moreira, que também é vice-diretor do Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Artes, coordenador-geral e produtor-executivo do Femupe. “Nós sabemos da importância desse título ao Hermeto Pascoal pela grandeza, pela magnitude que é a música dentro de um contexto acadêmico. E Hermeto Pascoal, na verdade, avançou barreiras. Saiu desse sistema acadêmico e provou que a música poderia ser muito livre, mas dentro do contexto sempre laboral, sempre científico. Sua obra complexa é estudada no mundo inteiro”, assegurou.

O docente relembrou a sua própria emoção quando soube da frase dita por Hermeto ao saber da homenagem que a Ufal fez, por meio do Consuni. “Foi a maior honra que eu pude ouvir dos colegas de trabalho dele quando ligaram para mim e disseram que o Hermeto Pascoal sentiu como se estivesse nascendo um primeiro título, ‘porque finalmente Alagoas reconhece a minha importância’, disse ele, como se ele fosse um músico qualquer. Não era um músico qualquer! Hermeto Pascoal representa a própria vida dentro do sistema musical; a própria representação da relação do som”, relatou Moreira.

Bem ao estilo do pai, com partituras escritas no tênis e no chapéu, o filho percussionista que teve o privilégio de aprender na fonte e tocar com o pai por mais de três décadas, agradeceu a homenagem. “Sem palavras estar aqui representando esse grande gênio da música, o Hermeto Pascoal. Quero agradecer demais essa honraria. É realmente o que o professor Marcos falou, quando ele soube do Honoris Causa daqui de Alagoas, ele falou mesmo ‘Isso para mim, de todos, é o mais importante da minha vida, porque aqui que comecei’. Terminar, não, porque eu acho que o legado dele é eterno; vai ficar para a vida inteira. Fisicamente ele não está, mas eu tenho certeza de que ele está por aqui”, afirmou.

Em retribuição, Fábio Pascoal presenteou a Ufal com um quadro pintado pelo próprio Hermeto, em 2015. “Isso aqui faz parte de vários diplomas que Hermeto recebeu em vida e vocês também estão recebendo essa partitura assinada por ele. Isso foi escrito em 2015 e é como ele falava: ‘isso não é uma arte só para colocar na parede, não. A galera tem que tocar essa música’. Muito obrigada por essa honraria. Viva Hermeto Pascoal!”, disse.

Genialidade vista de perto

Enquanto aguardava o início da solenidade, Fábio contou um pouco sobre como foi crescer acompanhando o ‘bruxo’, como ficou conhecido seu pai, produzindo sons. “Hermeto sempre foi um pai um pouco diferente de alguns pais músicos que pegam o filho [e dizem] ‘olha, vem aqui por aqui no piano, ou vem aqui’. Ele sempre deixou todo mundo à vontade, tanto que nós somos em seis e só eu sou músico”, recordou.

E se a genialidade do multi-instrumentista quebrou paredes e levou sua música mundo à fora, é preciso reconhecer que sua esposa, Ilza Souza, tem participação indireta nestas criações, já que era ela quem segurava, por assim dizer, as pontas em casa “Então, não digo [que foi um pai] muito presente porque ele sempre viajou muito, sempre; ou em casa mesmo, ficava no quarto fazendo arranjos e tal. Quem segurou mesmo a criação dos filhos, eu digo escola e essa coisa cotidiana, foi a minha mãe Ilza. Mas ele acalentou todo mundo com a música; fez música para os filhos”, disse Fábio acrescentando que, musicalmente, seu pai tem muitos filhos por aí. “Há milhões no mundo afora”, brincou.

Isso se deve ao fato de que Hermeto quebrou o estigma de que música só se faz com instrumentos. “Principalmente na área percussiva. Na parte melódica, de harmonia, o cara é o rei das inversões. Quem conhece sabe o que eu estou falando. O cara inovou a escrita, acabou com aquelas coisas de você estar escrevendo 64 x 12. A partitura dele não existe; ele simplificou. Muita gente estranhava até a escrita dele, ‘nós não entendemos muita escrita do Hermeto’. Hoje muita gente fala ‘é muito mais fácil ler dessa maneira e tal’”, afirmou. E antes que cause estranhamento, como bem disse Fábio, quando ele se refere ao ‘cara’ é porque vê no pai um parceiro musical, pois tocou com ele por 37 anos.

Questionado quais eram os músicos que o pai mais ouvia, Fábio disse que ele não gostava muito de ouvir músicas, nem as suas, nem dos outros. “Ele não ouvia nem os CDs dele. A gente gravava em casa e ele nunca ouvia. Mas tinha os seus [preferidos], tinha vários. Sivuca, Dominguinhos, essa galera não precisa nem ser falada. Mas tem o Amito de Holanda, Carlos Malta e pessoas que ele viu pequenas e que hoje são grandes músicos. Ele admirava a boa música, na verdade”, falou, acrescentando que esse comportamento era um jeito que Hermeto tinha para não se influenciar; ficar livre para suas criações. Era, e é, um gênio.