Cidades

Tia Marcelina: símbolo da resistência dá nome a primeira Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis

Todas as vítimas de intolerância religiosa que deram entrada na unidade são ligadas ao Candomblé

Por Agências Alagoas 02/02/2025 11h37
Tia Marcelina: símbolo da resistência dá nome a primeira Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis
O nome da delegacia é um marco histórico que homenageia uma das figuras mais importantes das religiões de matriz africana - Foto: Ascom PC / Marco Antônio

Os golpes de sabre atingiram Tia Marcelina, a mais conhecida mãe de santo de Alagoas, durante o Quebra de Xangô, em 1912. Meses após o ataque, ela faleceu. Aqueles golpes, deferidos pela milícia da época, não atingiram apenas seu corpo, mas revelaram o profundo preconceito contra a população negra e a intolerância religiosa que marcavam a sociedade alagoana da época. Não foi apenas Tia Marcelina que sofreu naquele dia, mas todo o Candomblé, que viu sua fé e seus terreiros serem violentamente atacados.

O dia do Quebra carrega dor, e a memória de Tia Marcelina não pode ser apagada. Seu nome, hoje, simboliza resistência e justiça. Em sua homenagem, foi batizada a Delegacia Especial de Crimes contra Vulneráveis, localizada no bairro Mangabeiras, em Maceió.

O nome da delegacia é um marco histórico: além de homenagear uma das figuras mais importantes das religiões de matriz africana, reafirma o compromisso de garantir que os casos de intolerância religiosa sejam investigados e combatidos.

A delegada Rebecca Cordeiro, titular da delegacia, informou que, dos 1.337 registros realizados de 25 de agosto de 2022 (data da inauguração) até 31 de dezembro de 2024, foram contabilizados 43 casos de intolerância religiosa. Destes, 24 são de racismo religioso e 19 de injúria racial com referência à religião. Todos esses crimes foram cometidos contra pessoas/comunidades praticantes de religião de matriz africana.





"O crime de intolerância religiosa é um crime que atenta diretamente à liberdade de crença garantida pela Constituição Federal e atinge principalmente aos adeptos das religiões de matriz africana. Por isso, muitas vezes, ele é chamado de racismo religioso, quando é voltado contra essas comunidades. Na verdade, se você verificar, não se nota contra outras religiões que não cultuam o Deus cristão, uma animosidade tão grande quanto a que vemos dirigida às religiões de matriz africana”, pontua Rebecca.

O registro de ocorrências desse tipo é fundamental para que o poder público tenha conhecimento da amplitude dessas ocorrências, para que a polícia possa iniciar as investigações e levar os culpados à justiça.

A Delegada ainda completa afirmando que a delegacia de vulneráveis continua à disposição para as pessoas de religião matriz africana. “Ela foi criada, entre outras coisas, como intuito de oferecer um local seguro, onde elas se sentissem ouvidas, vistas e respeitadas, para que esse número de denúncias, exatamente, aumente cada dia mais. E a gente possa chegar próximo à realidade do que acontece nas ruas", finaliza Rebecca.

Diálogo Afro Jovem

As formas de evitar violência devem ser discutidas em todos os lugares, principalmente nas escolas. O Projeto Diálogos Afrojovens, conduzido pela Superintendência de Políticas Públicas para Igualdade Racial da SEMUDH/AL, através do Gerência de Execução e Monitoramento de Políticas Públicas para Igualdade Racial, foi desenvolvido com o objetivo de promover a conscientização sobre a igualdade racial, fortalecer a identidade afrodescendente e enfrentar práticas de racismo estrutural nas escolas públicas de Alagoas.

"Como gerente de monitoramento e execução de políticas públicas para igualdade racial, acredito que manter o diálogo com os jovens é fundamental. É por meio da conscientização e do engajamento dessa geração que podemos prevenir episódios de intolerância e construir uma sociedade mais justa e igualitária. Educar e sensibilizar é investir em um futuro onde o respeito e a equidade sejam valores inegociáveis", explica Jonathan Silva, Gerente de Políticas para a Igualdade Racial da Semudh.

A iniciativa integra ações educacionais e comunitárias voltadas para a juventude negra, buscando transformar o ambiente escolar em um espaço mais inclusivo e acolhedor. Durante o ano de 2024, o projeto atingiu diretamente 460 alunos em diferentes instituições de ensino do estado.

Sobre a Delegacia Especializada

Inaugurada em agosto de 2022, no primeiro ano do Governo de Paulo Dantas, a unidade policial atendeu a uma antiga reivindicação de entidades ligadas aos movimentos sociais e aos direitos humanos.

A delegacia conta com uma equipe multidisciplinar, composta por assistentes sociais, intérpretes de Libras e especialistas em Braile, para oferecer acolhimento e orientação às vítimas de intolerância racial, preconceito religioso, violência de gênero e outros crimes contra minorias.