Cidades

Vítimas da Braskem temem a volta do VLT

Moradores retirados dos bairros que afundam se mostram indignados com retorno dos trens nas áreas

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / com assessoria 08/01/2025 08h38 - Atualizado em 08/01/2025 10h28
Vítimas da Braskem temem a volta do VLT
Possibilidade de volta do Veículo Leve sobre Trilhos incomoda moradores retirados dos bairros com afundamento - Foto: Edilson Omena

Moradores dos bairros afetados pela mineração em Maceió estão preocupados com o retorno do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que teve sua circulação suspensa desde 2020 e deve voltar a operar até 2027, embora a data não tenha sido conformada pela CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos).
Para a moradora Andréa Karla, que foi obrigada a deixar sua residência no bairro do Pinheiro por determinação da Defesa Civil de Maceió, “é uma vergonha o retorno da passagem do VLT pelos bairros afetados pela mineração quando cerca de 18 mil pessoas foram expulsas de suas casas”.

Ela questiona se a subsidência do solo já foi estancada e se não há mais risco de afundamento. “Porque se os trilhos por onde passa o VLT estão seguros, a Braskem deveria devolver as casas das pessoas que foram expulsas”, observou a moradora, que teve a casa derrubada pela mineradora, mesmo sem ter recebido indenização.

Num vídeo postado na última segunda-feira (6/1) nas mídias sociais, Andréa Karla critica a volta do VLT e pede à prefeitura de Maceió que apresente um estudo do Serviço Geológico do Brasil (SGB), para dizer se há ou não risco de os trens trafegarem nas imediações das minas de sal-gema desativadas por determinação judicial.

Para ela, não importa se a tecnologia apresentada pela Defesa Civil, justificando o retorno do trem, seja do Japão ou da China. O importante é que a segurança de todos seja garantida. “Como o VLT vai voltar a passar pela área de risco, quando o problema do afundamento do solo não foi resolvido. Ou foi?”, questionou.

Segundo Andréa Karla, “a própria Defesa Civil Municipal divulgou que a Lagoa Mundaú estaria com o nível de suas águas subindo e com um buraco de mais de 400 metros, mesmo assim quer colocar o VLT de volta nos trilhos, para passar justamente nas áreas de maior risco e de maior proximidade das minas”.
“Disseram também que a Ladeira do Calmon [que fica em Bebedouro] estaria cedendo, por conta do afundamento do solo. Como pode então, agora, essa mesma Defesa Civil anunciar o retorno do VLT, sendo monitorado por equipamentos de alta tecnologia”, questionou mais uma vez a moradora do Pinheiro, no vídeo postado por ela, nas mídias sociais.

Outros moradores se solidarizaram com a postagem de Andréa Karla, a exemplo do vendedor ambulante Valdemir Alves, morador do Flexal de Cima. Para ele, é uma temeridade o retorno dos trens quando o solo, por onde passam os trilhos, continua se movimentando, nas imediações das minas de sal-gema.

“É interessante o desabafo dessa moradora, porque ela questiona exatamente a intenção do coordenador da Defesa Civil Municipal, Abelardo Nobre, de querer colocar o VLT de volta aos trilhos, exatamente, numa área condenada pela própria Defesa Civil e pelos demais órgãos de fiscalização ambiental”, observou Alves.

“Se a população teve que sair às pressas de suas casas, nos bairros do Bom Parto, Mutange e Bebedouro, por onde passava o trem, por que agora, do nada, a Defesa Civil anunciar a volta do VLT, logo agora, com as minas colapsando e um buraco de mais 400 metros na lagoa?”, questionou Alves.

“Quem é que vai ter confiança de passar por ali? Eu jamais colocaria a minha vida em risco, sem que o Serviço Geológico do Brasil dê o aval para o retorno do VLT”, acrescentou.

Procurada, a Defesa Civil Municipal não se posicionou sobre as críticas das vítimas da Braskem, mas a prefeitura de Maceió, por meio da assessoria de comunicação, confirmou o retorno do VLT, após recomendações técnicas.

O VLT está com sua circulação suspensa desde 2020, em decorrência do afundamento do solo nos bairros por onde passava.

“A decisão pelo retorno foi tomada após estudos realizados pelo órgão que buscou tecnologias japonesas para chegar à possibilidade de retorno de uso da região para a passagem do veículo”, afirmou a prefeitura, em material divulgado por sua assessoria de comunicação.

Trajeto do veículo será o mesmo de antes das erosões do solo; CBTU ainda não se pronunciou sobre a decisão (Foto: Edilson Omena)

Experiência japonesa é a base para a reativação

A prefeitura divulgou ainda que “uma equipe de técnicos da Defesa Civil de Maceió, incluindo o coordenador-geral, esteve em novembro de 2024 no Japão, com o Ministério da Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo (MLIT) e também visitou o Railroad Technical Research Institute para conhecer as melhores práticas internacionais no gerenciamento de emergência sísmico ferroviária”.

Na oportunidade, que também contou com a presença de técnicos da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), a equipe conheceu como funciona o sistema e os métodos de comunicação que são fundamentais para proteger vidas e mitigar os impactos de desastres, no país que utiliza um dos planejamentos mais avançados contra eventos sísmicos no mundo.

“Essas tecnologias já são utilizadas no Japão e trouxeram resultados satisfatórios para o país. E queremos utilizá-las aqui em Maceió para que os impactos desse desastre possam, na medida do possível, serem minimizados”, destacou Abelardo Nobre.

A prefeitura disse ainda que “para que a circulação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) seja possível e ocorra de forma segura, o órgão municipal, repassou uma série de recomendações de segurança que devem ser rigorosamente cumpridas”.

RECOMENDAÇÕES

1. É imprescindível a conclusão das obras de estabilização e contenção da encosta do Mutange, visando mitigar o risco de movimentação de massa na região;
2. Os trilhos situados no trecho da Avenida Major Cícero de Góes Monteiro devem ser equipados com tecnologias de mitigação de riscos operacionais e monitoramento em tempo real, permitindo a detecção de alterações em sua geometria e deformações na região dos dormentes, a fim de garantir uma operação segura para os usuários do Veículo Leve sobre Trilho (VLT);

3. Considerando os dados de monitoramento e os estudos realizados, que indicam a correlação positiva entre a redução da velocidade de deslocamento e as atividades de preenchimento das cavidades com areia (backfilling), torna-se evidente a necessidade de continuidade no enchimento das cavidades 20/21, 27, 15 e demais cavidades necessárias para dar segurança à passagem do trem;

4. O trecho da linha férrea localizado na Av. Major Cícero de Góes Monteiro, entre o antigo Colégio Bom Conselho e a ladeira da Gruta do Padre Cícero Romão Batista, independentemente da operação, deverá permanecer sob monitoramento contínuo realizado pela Defesa Civil de Maceió e demais órgãos competentes.

MONITORAMENTO

A prefeitura disse ainda que a utilização da região para o retorno da passagem do trem segue critérios de segurança e monitoramento. “O trem só poderá voltar a circular na região após todas as recomendações serem realizadas pela CBTU com anuência da Defesa Civil de Maceió”, garantiu.

“O uso do local será momentâneo, somente por um curto espaço de tempo, que é o tempo de passagem do trem pela região. Não serão construídas paradas de trem em todo o trecho dentro dos bairros afetados. A política do desastre não nos permite viabilizar o retorno de construções que ocupem a região de forma permanente”, explicou o coordenador-geral da Defesa Civil.

Retorno previsto para 2027; CBTU não confirma

Segundo ele, com as recomendações, o trem poderá voltar a utilizar o trecho que fica dentro da região afetada, que passa pelos bairros do Mutange e Bebedouro. “O sistema de monitoramento que será implementado utilizará tecnologia de ponta, para que a região seja ininterruptamente monitorada para este fim e, todos os critérios de segurança devem ser completamente realizados”.

A prefeitura disse ainda que as discussões relacionadas ao tema vêm sendo realizadas há mais de um ano entre a Defesa Civil Nacional, a Defesa Civil de Maceió e o Serviço Geológico do Brasil (SGB).

No entanto, a CBTU de Alagoas ainda não se posicionou sobre o retorno do serviço. Um documento da prefeitura teria sido encaminhado à Companhia, com as recomendações para que fossem iniciadas as tratativas com a Braskem para a execução das recomendações. A expectativa do retorno da utilização da linha férrea na região é, inicialmente, para 2027.

“Mesmo com esse tempo que ainda será necessário para este retorno, é uma notícia muito boa e uma vitória para nós conseguirmos adequar um sistema que trará segurança para quem vai utilizar o VLT, e o principal que é devolver a mobilidade urbana, ainda que parcialmente, a esta região”, conclui Abelardo Nobre.