Cidades
Moradora do Flexal de Cima comete suicídio ingerindo veneno
Deprimida, Dona Pureza deu veneno para o gato, para a filha e depois se matou; ela deixou um bilhete dizendo que estava cada vez mais depressiva, sabendo que iria viver 'nesse isolamento para sempre'
Cinco dias depois de conversar com o defensor público Ricardo Melro, na porta da sua casa, no Flexal de Cima, a dona de casa conhecida como Pureza tirou a própria vida, ingerido veneno, na tarde desta quinta-feira (31), na região de Bebedouro, em Maceió. Segundo os vizinhos, antes de cometer suicídio, ela teria dado veneno ao gato de estimação e à filha. “Ela morreu, o gato também e a filha foi levada na ambulância do Samu, entre a vida e morte, para o Hospital Geral do Estado, onde se encontra internada”, afirmou o vendedor ambulante Valdemir Alves. Assista no link ao final do texto, parte da conversa de Dona Pureza com o defensor público, ocorrida no final de semana passado.
O defensor público Ricardo Melro disse que ficou “estarrecido” quando recebeu a notícia da morte da dona Pureza. “É muito triste. Estive com ela, no sábado passado, quando fomos visitar os moradores dos Flexais, mas preciso aguardar outras informações para saber direito o que ocorreu. Saber desde quando ela passou a sofrer de depressão”, relatou Ricardo Melro, que acabara de receber um bilhete deixado pela vítima, confessando que estava deprimida e se sentindo muito só.
“Cada vez que eu vejo os benefícios da Braskem, a minha desilusão aumenta. Estou cada vez mais depressiva, em saber que vou ficar nesse isolamento para sempre. Pureza”. Foi esse o bilhete que a dona de casa deixou escrito com letra do próprio punho em uma folha de papel pautado, com data do dia 30 de outubro de 2024. O bilhete foi achado pelos vizinhos e colocado nas mídias sociais, com sinal de luto e protesto por mais uma vida ceifada, entre as vítimas da mineração em Maceió.
Para Cássio Araújo, procurador do Trabalho e coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (UMVB), o bilhete é um sinal da depressão que dona Pureza vinha passando, angustiada com a situação de isolamento dos Flexais. “Com certeza, ela se matou por conta dessa situação angustiante”, afirmou Araújo. “Lembro das declarações dela e do seu semblante de desalento diante da requalificação que a Braskem quer impor aos moradores. “É a perpetuação do sofrimento, do isolamento e da desesperança!”, acrescentou.
Os moradores dos Flexais, em sua maioria, defendem a realocação, mas a Braskem, a Prefeitura de Maceió, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública da união defendem a revitalização dos Flexais. Para tentar fazer com que a vontade da maioria dos moradores fosse respeitada, a Defensoria Pública do Estado (DP/AL) entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal pedindo que os moradores fossem realocados do bairro e levados para um local seguro, já que a comunidade vive numa área de risco.
“A gente vive numa espécie de ditadura. A gente quer viver uma vida digna lá fora, mas a Justiça obriga a gente a permanecer nesse local, isolados”, afirmou Sassá Domingos, que é uma das lideranças dos Flexais. “As autoridades insistem para que a gente continue morando aqui, mas nenhum deles quer morar aqui”, acrescentou Sassá. “Agora eu pergunto, quem é vai cuidar da filha dessa senhora que se matou, quem vai dar o sustento da casa?”, questionou o morador, dizendo que “é muito triste; a gente só tem a lamentar”.
ATÉ QUANDO?
No sábado, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas realizou uma visita às comunidades dos Flexais de Bebedouro. A ação, conduzida pelo coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva, Ricardo Melro, teve como objetivo ouvir os moradores, oferecendo apoio e esclarecimentos sobre a atuação da Instituição para assegurar o direito de realocação a todos que desejam deixar o local, afetado pelo isolamento socioeconômico decorrente da tragédia geológica provocada pela mineradora Braskem.
Quando ficou sabendo da morte de dona Pureza, o defensor Ricardo Melro ficou chocado. “Até quando?”, questionou o defensor, preocupado com a repercussão que um suicídio como esse pode ter. Ele aparece num vídeo feito durante a visita da Defensoria Pública aos Flexais, no sábado passado. Quando esteve com dona Pureza, na porta da casa dela, ela revelou que estava “sem chão” desde que a tragédia da mineração predatória praticada pela Braskem retirou a vizinhança da zona de risco e deixou isolada a comunidade dos Flexais.
RECLAMAÇÕES
Durante a visita da Defensoria, a maior parte dos moradores relatou dificuldades resultantes do isolamento, como problemas de locomoção e acesso à transporte público e privado, falta de comércio local, equipamentos públicos e insegurança. Muitos também relataram problemas estruturais em suas residências, incluindo rachaduras e afundamento do solo. Segundo os moradores, a Defesa Civil do Município teria informado que essas questões estruturais são consequência do processo de acomodação do terreno.
“Ocorre que são casas que existem há 40 ou 50 anos e nunca tiveram esses problemas. De 2019 pra cá passaram a rachar. Por que está havendo essa ‘acomodação’ do solo somente neste momento? Acomodação é afundamento. Coincidência?”
Confira no link abaixo, breve trecho da conversa da idosa com o defensor público Ricardo Melro:
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