Cidades

Livros de registros de mortos somem de cemitério

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 13/08/2024 10h08 - Atualizado em 13/08/2024 18h56
Livros de registros de mortos somem de cemitério
Cemitério Santo Antônio foi abandonado após efeitos da mineração da Braskem em Bebedouro e agora prefeitura diz que os documentos sumiram - Foto: Edilson Omena

Moradores e ex-moradores da região de Bebedouro, vítimas da mineração predatória da Braskem, denunciaram nas mídias sociais, no último final de semana, o sumiço dos livros de registro de mortos do Cemitério Santo Antônio, que foi desativado despois da tragédia do afundamento do solo que afetou a vida das pessoas em pelo menos cinco bairros de Maceió.

Segundo o professor José Balbino dos Santos Filho e a bióloga Neirevane Nunes de Souza, foi a própria gerência da Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb) – órgão da prefeitura de Maceió responsável pelos cemitérios públicos da capital – quem informou sobre o sumiço dos livros de tombo, como são chamados os livros de mortos, com as informações sobre as pessoas sepultadas.

“Nós ficamos impactados com mais um descaso, gravíssimo. Sumiram com os registros dos mortos do cemitério de Bebedouro. O professor Balbino foi na Alurb, no final da semana passada, e o gestor informou a ele que os livros de registro dos sepultamentos feitos no Cemitério Santo Antônio tinham sumido. Isso mesmo, sumiram”, denunciou Neirevane.

Apagar história

“Isso é um crime contra nós, vítimas da Braskem. Mais uma violação terrível. Não tem como não se indignar. Afinal, estamos mais uma vez diante de um descaso com as famílias vítimas da mineração em Maceió. O sumiço desses registros é uma tentativa de apagamento da nossa história, da nossa existência, da nossa memória”, acrescentou a bióloga.

Neirevane disse ainda que o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU), que atuam no Caso Braskem, bem como o Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) e a Defensoria Pública do Estado (DP/AL) exijam da Prefeitura de Maceió a restituição desses livros. “Esses documentos têm que aparecer. Eles existem, sabemos disso”, enfatizou.

As vítimas da Braskem desconfiam que por trás do sumiço dos livros de registro de sepultamento do cemitério de Bebedouro esteja a intenção da empresa em não indenizar, na totalidade, as famílias dos mortos.

Segundo as lideranças dos movimentos que defendem as vítimas da mineração, o recadastramento dos donos de túmulos do cemitério Santo Antônio, convocado pela Alurb, esconde essa intenção.

A convocação foi feita na quinta-feira passada (8/8), pelo site oficial da Prefeitura.

Em nota, a Alurb solicitou aos proprietários de jazigos no Cemitério Santo Antônio, localizado em Bebedouro, que comparecessem à sede do órgão, no bairro de Jaraguá, “para realizar uma atualização cadastral obrigatória, visando garantir a organização e a manutenção adequada dos registros, bem como melhorar os serviços prestados aos usuários do campo santo”.

Descaso: quase 60% dos falecidos foram enterrados em covas rasas

Para o coordenador do Movimento Unificado das Vítima da Braskem (MUVB), Cássio Araújo, “a alegada perda dos livros de sepultamento do Cemitério de Santo Antônio é mais uma agressão contra as vítimas da Braskem, pois significa o apagamento da memória de quem tem entes queridos enterrados naquele local”.

Segundo Araújo, a Defensoria Pública, que está tratando do caso do Cemitério de Santo Antônio, já foi informada do acontecido e está esperando as explicações que a Prefeitura de Maceió, que a Alurb ficou de fornecer, para tomar as providências legais cabíveis.
“Esse fato demonstra o descaso e a inépcia de quem hoje está administrando o município, que é incapaz de preservar os livros de registro de algo tal importante que é a conservação dos registros de quem se foi. Informações importantes para seus familiares que permanecem e que esses possam honrar e cultuar seus antepassados”, completou Araújo.

COVAS RASAS

Quase 60% dos mortos enterrados nos cemitérios públicos de Maceió foram sepultados em covas rasas, este ano. A notícia foi divulgada no final da semana passada pela Agência Tatu que só teve acesso aos dados oficiais de mortos na capital alagoana, por meio da Lei de Acesso à Informação. Até então, segundo a agência, a Prefeitura de Maceió, por meio da Alurb, vinha se negando a fornecer as informações solicitadas.

“Somente após ter protocolado uma denúncia no Ministério Público do Estado de Alagoas contra a Prefeitura de Maceió, devido ao descumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI), a Agência Tatu obteve os dados conforme solicitados referentes aos sepultamentos nos cemitérios públicos da capital. Estes dados mostram que 59,2% dos enterros realizados em 2023 ocorreram em covas rasas”, informou a reportagem, assinada pela jornalista Karina Dantas.

Segundo ela, “a busca pelos dados iniciou em março deste ano, com o intuito de seguir com uma investigação iniciada em 2023. Depois de várias tentativas para obter o que é assegurado por lei – o acesso à informação – foi necessário ingressar com uma denúncia por meio da Ouvidoria do Ministério Público Estadual de Alagoas”.

“Apenas depois de uma audiência presencial, solicitada pela 14ª Promotoria de Justiça da Capital e realizada em 19 de julho, foi que a Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana assinou um termo se comprometendo em enviar os dados que restavam, no formato correto”, acrescentou a jornalista, na reportagem publicada pelo Portal da Agência Tatu, na internet.

A reportagem mostra que é possível analisar que dos 3.075 sepultamentos realizados em 2023 nos sete cemitérios ativos de Maceió, 1.820 (59,2%) ocorreram em covas rasas. Ainda de acordo com os dados, de 2021 para 2023 houve uma redução no número total de sepultamentos na capital, uma vez que entre 2021 e 2022 foram registradas muitas mortes em razão da pandemia da Covid-19. 

São José concentra 55% dos sepultamentos da capital


Durante o ano passado, aconteceram 1.332 sepultamentos em covas rasas no Cemitério de São José. Foto: Edilson Omena

A matéria revela ainda que o cemitério São José, localizado no bairro Trapiche da Barra, concentra mais da metade (55%) dos enterros da capital. No último ano, foram realizados 1.332 sepultamentos em covas rasas neste cemitério, representando 70% do total de enterros no local.

CORPOS NO IML

A questão é agravada por conta do problema da superlotação nos cemitérios públicos de Maceió, que vem sendo denunciado pela imprensa local desde a pandemia da Covid-19.

Portanto, a existência tão elevada de covas rasas é evidenciada grande quantidade de corpos represados no Instituto Médico legal (IML) de Maceió.

Apesar do esforço concentrado que foi feito pela direção do IML, para reduzir o número de cadáveres represados, até o dia 5 de agosto, pelo menos 75 corpos ainda estavam acumulados nas gavetas do Instituto Médico Legal de Maceió, aguardando um lugar para sepultamento. A informação foi passada pela assessoria do órgão. 

“Além dos corpos, o IML Estácio de Lima também acumula 159 ossadas de achados cadavéricos, encontradas desde 2018, que ainda não foram colocadas nos ossuários dos cemitérios por falta de espaço”, conforme noticiou a reportagem da Agência Tatu, que ouviu especialistas no assunto e mostrou a preocupação deles quanto aos perigos para o meio ambiente sobre a quantidade exagerada de covas rasas nos cemitérios públicos administrados pela Prefeitura de Maceió.