Cidades

Pontal: bairro que abriga a Braskem vive no abandono

Descaso do poder público pode ser visto na entrada, com estrutura do portal comprometida e ameaçando cair

Por Valdete Calheiros - Colaboradora / Tribuna Independente 27/07/2024 10h45
Pontal: bairro que abriga a Braskem vive no abandono
Artesãos reclamam da falta de turistas, do descaso do poder público e dizem que faturamento caiu em torno de 70% no bairro do sul de Maceió - Foto: Adailson Calheiros

O bairro Pontal da Barra está na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Pelo menos essa é avaliação dos artesãos que pedem socorro ao poder público para sair do estado crítico e voltar a ser o bairro alegre que transpira arte.

De acordo com a população, o descaso do poder público com o local já pode ser visto logo na entrada do bairro, no portal, cuja estrutura está comprometida e arrisca ruir a qualquer momento.

Um grupo de artesãos membros da Federação das Organizações da Cultura Popular e do Artesanato Alagoano (Focuarte) avalia que o faturamento representa atualmente apenas 30% do que era registrado em anos anteriores. A Focuarte estima que cerca de 400 pessoas vivam exclusivamente de arte no Pontal da Barra.

Durante o tempo de permanência da equipe de reportagem do jornal Tribuna Independente, não foi visto um turista sequer. Ou mesmo moradores de Maceió em busca de artesanato.

Na avaliação do artesão Beto Gomez, há artesão que sequer alcança a renda de um salário mínimo mensal. “Faz medo o artesanato acabar daqui a algumas décadas. Os jovens quase não se interessam mais para aprender a técnica do filé, por exemplo”.

Com características bastante peculiares, o bairro – que parece uma pequena cidade do interior – tem ruas estreitas, povo acolhedor e artesanato pulsante à porta de cada casa.

Para a artesã Lucineide Gomes Barbosa, os artesãos que ainda mantem as portas abertas fazem-no por amor à arte. “Tínhamos uma movimentação diária de 10 ônibus de turistas pelo menos. Atualmente, quando aparecem dois já festejamos. Não há como vender artesanato desde forma. Vivemos aqui como se não fizéssemos parte das atrações turísticas de Maceió. Mas fazemos sim! E precisamos desse olhar!”, esbravejou.

As mãos dos artesãos ávidas em fazer arte e tão conhecidas pelos turistas nacionais e internacionais hoje sofregam pedindo clientela. A artesã Aurilene Duarte Lopes pede que o bairro seja olhado da mesma forma como são olhados os demais bairros da capital, a exemplo da Ponta Verde e da Pajuçara.

Arte do filé é um patrimônio do bairro e bordado é feito nas ruas (Foto: Adailson Calheiros)

Segundo ela, os turistas que chegam ao local, vão por conta própria porque pesquisaram antes, receberam informações dos hotéis ou seguiram indicações de amigos que já estivem no bairro em viagens anteriores.

Para a artesã falta de tudo no Pontal. “Mais infraestrutura e investimentos em propagandas para mostrar que o bairro é referência em artesanato e gastronomia”, detalhou.

A população reclama também que o bairro está sem transporte coletivo frequente, uma vez que a única linha que atendia a comunidade foi retirada. Agora, restou um ônibus que leva a população até o Trapiche da Barra.

Moradores foram primeiros a gritar contra a indústria

O bairro bucólico que abriga a Braskem é histórico e tombado. Fica entre as águas. De um lado a Lagoa Mundaú, do outro a Praia do Pontal. O local é também conhecido pelos passeios de catamarã que ofertam um roteiro de nove ilhas e canais na Lagoa Mundaú.

No entanto, nem mesmo toda a riqueza do bairro e as agulhas do filé que dançam nas mãos das filezeiras – e filezeiros – tem conseguido tirar o Pontal da Barra das vias de destruição.

Os moradores do Pontal da Barra foram os primeiros a gritar pedindo socorro contra a Braskem, antiga Salgema. A população sempre se sentiu ameaçada com o que considerava uma mineradora bomba-relógio.

Antes de o afundamento do solo ser registrado nos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol, o bairro Pontal da Barra foi o primeiro a sofrer a pressão da instalação da empresa ainda nos anos 1970.

As reações contra a instalação da então Salgema Indústrias Químicas começaram em meados dos anos 70, quando o governo da época autorizou o início das obras da empresa em Maceió.

O medo de o alarme da empresa soar avisando sobre acidentes envolvendo vazamentos dos produtos químicos fazia tremer as mãos dos mais experientes artesãos.

Descaso atinge artesãos e outros tipos de comércio

A técnica do filé tem origem nos pontos dos bordados que são transmitidas de mãe para filha. Encontra-se de tudo no Pontal da Barra, onde é possível fazer um enxoval completo. Produtos de cama, mesa e banho são facilmente encontrados em cada pedacinho do Pontal. Tanto nas casas mais humildes quanto em galerias com o conforto do condicionador de ar. De caminhos de mesa a roupas femininas e masculinas passando por pano de bandeja, toalhas, colchas, saídas de praia, chapéus e xales, no Pontal de tudo tem.

Nem só de arte vive o Pontal da Barra. A gastronomia também é peculiar. Pratos à base de sururu e maçunim têm um gosto especial quando apreciados à beira da lagoa. Mas, nem mesmo o tempero especial está tirando o Pontal da eterna sensação de baixa temporada turística.

Além dos donos dos bares e restaurantes, os comerciantes de peixes e frutos do mar também sentem a escassez da clientela.

Que o diga Luciano Duarte que tem um ponto comercial há quatro anos onde comercializa peixes. “O Pontal está precisando de tudo. Estamos abandonados. O comerciante para sobreviver aqui tem que ter muita força de vontade e amor ao trabalho. Senão, fechas as portas”, alegou.

Rua das Rendeiras faz pulsar a cultura e a história do local

Passear pela famosa Rua das Rendeiras é sentir o pulsar da arte que enche os olhos com a riqueza cultural e histórica. Em meio ao filé, é possível também ver arte em forma de madeira, cerâmica e ferro. Ultimamente a pujança da via deu lugar à tristeza. O único vai e vem visto é dos próprios moradores.

Rua das Rendeiras já foi local de grande movimentação de pessoas em busca do artesanato do Pontal da Barra; hoje vive praticamente vazia (Foto: Adailson Calheiros)

A importância do Bordado Filé na cultura alagoana é tão profunda que, em reconhecimento a essa herança, foi oficialmente designado como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado. O título, concedido em 2014, honra a habilidade artística e a tradição passada de geração em geração e representa um compromisso com a preservação e celebração desta forma de expressão tão singular. Mas não garante, na prática, que o bairro tenha a visibilidade que os artesãos sonham.

Os registros mais antigos do bordado filé são datados do século XVI e há registros de sua chegada no Brasil durante a época colonial. O bordado de filé é característico pela renda de linhas coloridas ou brancas que são feitas sobre redes que lembram as redes de pescas dos maridos das artesãs, quase todos pescadores e marisqueiros locais. Eles também sofrem com o abandono do bairro.