Cidades

Maceió: vítimas da mineração entram com notícia-crime contra a Braskem

Representação no MPF pede apuração de crimes atribuídos à empresa e conivência dos órgãos ambientais

Por Ricardo Rodrigues - colaborador com Tribuna Independente 30/08/2023 10h15
Maceió: vítimas da mineração entram com notícia-crime contra a Braskem
Bairro do Mutange foi uma das localidades de Maceió desocupadas e hoje é uma das regiões inabitáveis - Foto: Edilson Omena/Arquivo

A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió deu entrada, no Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), esta semana, com uma representação criminal contra a Braskem. Na notícia-crime, protocolada na última segunda-feira (28/8), a entidade pede a abertura de uma investigação criminal para apurar os crimes ambientais supostamente cometido pela empresa, com a conivência dos órgãos ambientais.

De acordo com os signatários da representação, apesar de ter colaborado diretamente para o maior desastre ambiental de todos os tempos no Brasil, a mineradora Braskem nunca admitiu, nunca foi criminalizada, nem nunca foi investigada como deveria. Muito menos pagou pelo afundamento do solo em cinco bairros de Maceió e pelos demais crimes que teria cometido, e que vão muito além dos delitos ambientais.

“O maior crime socioambiental do mundo em área urbana não pode passar impune. Acordos unilaterais, sem a participação das vítimas, que só privilegiaram o poderio econômico da Braskem, jamais poderiam ser usados como desculpas para a não responsabilização criminal da mineradora. Esperamos que o MPF cumpra seu papel constitucional e defenda o direito das vítimas, da natureza, da sociedade e apure sem temor o crime da Braskem”, afirmou Alexandre Sampaio, presidente da Associação e um dos signatários da representação, assinada por um grupo de advogados.

Denunciantes

Segundo Alexandre Sampaio, que representa mais de 6 mil empreendedores da região afetada pela mineração, a Braskem estaria envolvida em vários ilícitos, sendo o principal deles aquele que se enquadraria na Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/98. Na representação, os denunciantes pedem também que além da Braskem, responsam também pelos crimes dois órgãos de fiscalização ambiental: o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e a Agência Nacional de Mineração (ANM).

Essas autarquias do serviço público, que deveriam zelar pelo cumprimento da lei, teriam negligenciado em suas ações fiscalizadoras e colaborado para os crimes perpetrados pela Braskem – de acordo com a denúncia. Entre os crimes suspostamente atribuídos ao IMA, à ANM, à mineradora e ao BNDES, estariam a poluição qualificada, concessão de licença ambiental em desacordo com a legislação e fraude no licenciamento ambiental.

Na representação, os autores da denúncia classificam todos os crimes supostamente cometidos pela Braskem, seu parceiro financeiro – o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) – e os órgãos fiscalizadores: IMA e ANM. Alguns desses crimes, com possibilidade de multas altíssimas e até prisões, de até 6 anos de reclusão.

Acordo não atendeu interesses da maioria dos moradores dos 5 bairros atingidos

Segundo Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores e Vítimas da Braskem, o processo civil, aberto pelo MPF/AL, em abril de 2019, logo após o Serviço Geológico do Brasil ter apontado a mineração como causa da subsidência do solo, resultou num grande acordo, mas não criminalizou os responsáveis pelo desastre ambiental.

Naquele momento, a ação do MPF foi importante, mas apenas no aspecto civil, para indenizar as famílias que precisaram abandonar cerca de 15 mil imóveis na região do Pinheiro e adjacências. No entanto, apesar do órgão ministerial ter pedido o bloqueio de R$ 6,7 bilhões para as despesas com indenizações de quase 60 mil moradores, esse acordo em nada atendeu os interesses da maioria dos moradores dos cinco bairros atingidos pela mineração.

“Esse acordo não representou os anseios das verdadeiras vítimas da Braskem. Ou seja, a maioria das pessoas que aceitou a indenização da Braskem depois se sentiu lesada, nos valores oferecidos e nas indenizações pagas, na bacia das almas”, lembrou.

Alexandre disse ainda que moradores de áreas correlatas, nas imediações das minas de sal-gema exploradas pela Braskem, como as comunidades dos Flexais de Baixo e de Cima, além da Avenida Marquês de Abrantes, ficaram de fora do mapa de subsidência, mesmo sofrendo as mesmas ameaças que as demais localidades condenadas à desapropriação.

Não por acaso, os moradores dos Flexais reivindicam a inclusão deles no programa de desapropriação capitaneado pela Braskem e sob a observância do MPF alagoano. De acordo com os moradores do Flexal de Baixo e de Cima, a reivindicação é pela realocação das famílias e não pela revitalização do bairro, como querem a mineradora e o órgão ministerial.

“A gente só sai daqui se for para um local seguro, onde não haja risco de desabamento de barreira ou de rachadura no solo”, afirmou o comerciante Valdemir Alves dos Santos, de 51 anos, casado, pai de três filhos e morador do Flexal de Cima. Segundo ele, quem recebeu R$ 25 mil de indenização da Braskem e abandonou a casa, nos Flexais, está morando de aluguel e sem ter como sobreviver, morando longe da lagoa, periferia da cidade.

Para a bióloga Neirevane Nunes, que coordena o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a situação dos moradores dos Flexais não é muito diferente daquela que ocorre com os moradores dos demais bairros atingidos pela mineração em Maceió. Segundo ela, os prejuízos são semelhantes, guardadas as devidas proporções. No entanto, os pedidos de indenizações caminham dentro do processo civil, encabeçado pelo MPF. Na representação, a empresa é acusada de crime ambiental, cometido em conluio com os órgãos ambientais e o agente financiador das atividades da mineradora.

Documento relata que muitas minas operavam sem renovação de licenças

De acordo com Alexandre Sampaio, surpreendentemente, a Braskem vinha conseguindo operar pelo menos 35 minas de sal-gema sem realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), apresentando apenas um Relatório de Impacto Ambiental (Rima) de 1986 quando havia explorado apenas 11 minas. Ou seja, pelo menos 24 minas teriam sido exploradas sem que fossem renovadas das licenças ambientais.

“Por isso, decidimos processar também o Instituto do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Mineração”, confirmou o empreendedor.

Alexandre Sampaio também chamou atenção para o fato de a Polícia Federal ter aberto um inquérito policial para apurar eventuais crimes praticados diretores da Braskem ou pelos executivos dos órgãos ambientais, mas até agora não tomou conhecimento de numa investigação em curso.

“Por incrível que pareça, logo depois que ficamos sabendo desse inquérito, quando procuramos informações a respeito na Polícia Federal ficamos sabendo que o mesmo se encontra tramitando, mas sem segredo de Justiça”, confidenciou.

A representação assinada por Alexandre Sampaio e outros signatários, em nome das vítimas da Braskem, foi protocolada no MPF/AL, endereçada ao Procurador-Geral da República em Alagoas. A Tribuna Independente teve acesso à integra da representação. É um documento robusto de 186 páginas, com um histórico sobre a implantação da indústria química em Alagoas, desde a chegada da Salgema ao Estado, em meados dos anos 70, até os dias atuais, com a Braskem dando suas cartas.

A Braskem explorava uma área equivalente a 3 mil quilômetros de extensão no subsolo.

Na medida que as minas de sal-gema iam secando, se exaurindo, dez, quinze anos depois de abertas, iam sendo desativadas, para a abertura de outras. No entanto, de acordo com a representação, as crateras provocadas pela extração de sal-gema foram esquecidas e só começaram a ser fechadas, depois de anunciado o desastre, a partir da subsidência do solo, cujo epicentro aconteceu em março de 2018, logo após um pequeno tremor de terra sentido na parte alta da cidade.

Do Pontal da Barra, onde a Salgema (primeira marca da Braskem) se instalou nos anos 70, até o bairro de Bebedouro, nos dias de hoje, a extração de sal-gema, no subsolo dessa região, de frente para a lagoa, correu solta, por quase 50 anos, sem que as autoridades divulgassem os riscos ou tomassem providências para evitar o pior. Uma atividade de mineração altamente predatória e deletéria, ocorria na capital do Estado, com conivência das autoridades e órgãos ambientais. Resultado: acabou atingindo a dignidade de milhares de pessoas e sepultando uma das mais belas, mais antigas e mais alegres comunidades de Maceió.

Outro lado

A reportagem da Tribuna Independente procurou ouvir a Braskem, o IMA e a ANM, a respeito da representação protocolada no MPF/AL, pela Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, mas apenas o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas deu retorno, até o fechamento dessa matéria.

Em nota endereçada à imprensa, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) informou que “ainda não foi notificado e que, tão logo tome ciência do processo, adotará todas as medidas cabíveis, juntamente com a Procuradoria Geral do Estado de Alagoas (PGE). O IMA ressalta ainda que está à disposição da Justiça, dos órgãos de controle e da sociedade para prestar todos os esclarecimentos, como tem feito ao longo desses anos, no caso em questão”.