Cidades

RMM deve buscar alinhamento com agenda 2030 da ONU

Por Mário Lima – Especial para a Tribuna Independente 30/07/2022 10h49
RMM deve buscar alinhamento com agenda 2030 da ONU
Especialistas apontam para cidades inteligentes, sustentáveis e inclusivas como modelo do futuro na Região Metropolitana de Maceió - Foto: Reprodução

Na contagem regressiva para o 2º Ciclo de Debates - Convergências para a Região Metropolitana de Maceió (RMM), em agosto próximo, a programação já está sendo definida pelos realizadores: a Jorgraf (Cooperativa de Jornalistas e Gráficos do Estado de Alagoas) e sua rede de Comunicação, em parceria com a GQTech, empresa alagoana de tecnologia e gestão. Para confirmar o sucesso do 1º Ciclo de Debates, em junho último, a coordenação do evento prepara uma nova rodada de debates sobre a RMM.

No debate, entre os temas que serão abordados, segundo adiantou o coordenador e mediador do debate, Antonio Pinaud, da GQTech, está a tentativa de transformar a RMM em um modelo sustentável, inclusivo, humano, que respeite o meio ambiente, com o alinhamento da região à agenda 2030, estabelecida pelas Nações Unidas (ONU).

“A Região Metropolitana de Maceió inteligente, humana e sustentável deve estar alinhada à agenda da ONU e aos 17 objetivos sustentáveis, enfrentando o desafio de erradicar a pobreza extrema e alcançar com consistência seu desenvolvimento”, definiu Pinaud, especialista em desenvolvimento regional sustentável e responsável por planos de desenvolvimento local e regional, diagnósticos e adensamentos de cadeias e arranjos produtivos no país.

Entre os novos conferencistas que já confirmaram presença para o 2º Debate Jorgraf/GQTech estão: as designers, artistas plásticas e arquitetas Ana e Rosa Maia Nobre; o agrônomo e pesquisador Antônio Santiago e Pablo Viana, doutor da Universidade da Califórnia. Nessa edição, eles falam sobre os temas em que vão expor, antecipando alguns pontos das suas conferências: Design na Economia Metropolitana; Agricultura Sustentável e as chamadas cidades inteligentes, conectadas entre si.

Arte do design alagoano atrai nichos de mercado

Ana Maia e Rosa Piatti são arquitetas, designers e artistas visuais e plásticas, sempre estiveram na vanguarda da cena local, nacional e internacional, quando se fala em produção de objetos de arte e design que passa por luminárias, porcelana, mobiliário até vestuário, bolsas, joias, telas, esculturas e painéis. Elas produzem uma arte conceitual, inspirada principalmente na cultura nordestina, mas com linguagem universal. O repertório de cada uma converge para o engajamento na história e nas raízes da arte e cultura alagoanas. Elas levam a arte daqui, produzida nos ateliês da loja-conceito Viver de Arte (hoje a Maia-Piatti), a marca das irmãs, para o mercado nacional e para o exterior. Ana e Rosa querem multiplicar o trabalho da dupla de aproveitar materiais naturais desvalorizados e a reciclagem deles dando novos usos e novas vidas.

“A população brasileira já vem há muitos fazendo isso motivada simplesmente para driblar a miséria e a falta de acesso aos bens da sociedade de consumo. O design e/ou artesanato devem ser entendidos como ativos de importância fundamentais na sociedade, pois, se de um lado congrega a criatividade e a inovação, dotando o produto de competitividade. Por outro lado, é fundamental que seja um processo/produto que leve em consideração sua própria identidade local que está sendo trabalhada”, assinala Rosa Maia.

Rosa e Ana responderam ao jornal Tribuna Independente a questões sobre a reinvenção do designer, como agente de apoio ao artesanato e a Arte Popular. Uma avant-première do que elas vão apresentar no 2º Ciclo de Debates, em agosto, quando serão protagonistas. As respostas foram pontuadas pelas duas.

DESIGN RESSIGNIFICADO

“O design hoje não é mais visto como uma atividade cujo único objetivo é o de construir objetos funcionais e “belos”. O design pode ser abordado com viés estratégico, no qual o projeto visa o desenvolvimento de um sistema-produto. E esse sistema envolve desde a imersão, aos protótipos e sua implantação. Design é antes de tudo processo. O designer tem por método o desenho como instrumento de reflexão ou processo mental de projeto, o que permite o recurso de simulação, antevisão, cálculo e projeção visual. Para tanto, ele tem que dominar técnicas, história, economia, recursos materiais. O artesanato é uso de técnicas manuais tradicionais ou não, na confecção de produtos. É a transformação da matéria-prima disponível em objetos, geralmente feito por um indivíduo ou comunidades como forma de sustento”.

ARTESANATO: IDENTIDADE LOCAL

“O diálogo design-artesanato deve ser entendido como ativo de importância fundamental na sociedade, pois, se de um lado congrega a criatividade e a inovação, dotando o produto de competitividade (essencial ao cenário econômico atual), por outro lado, é fundamental que seja um processo/ produto que leve em consideração sua própria identidade local que está sendo trabalhada, para que não só atinja as adjacências consumidoras internas, mas ao mercado externo (turismo) que busca no artesanato os apelos diferenciados e de raízes próprias”.

O ARTESÃO E O DESIGN

“É uma maneira de relacionar o saber fazer (artesão) com o saber o que fazer (designer). O aproveitamento de materiais naturais desvalorizados, e a reciclagem deles dando novos usos e novas vidas não é novidade. A população brasileira já vem há muitos e muitos anos fazendo isso motivada simplesmente para driblar a miséria e a falta de acesso aos bens da sociedade de consumo. Vemos sempre em comunidades carentes o uso de latas velhas como utensílios de cozinha, carrinhos de brinquedo, lamparinas. Assim como construções com paredes improvisadas com papelão, zinco e resto de madeira, entre tantos outros artefatos fabricados por mãos engenhosas e hábeis. Além disso, existem inúmeras técnicas de manualidades tradicionais como rendas, palha nativa, cerâmica, madeiras e outros. Essa manualidade existe na alma do povo brasileiro, principalmente nas classes menos privilegiadas. O designer que irá interferir nessa manualidade com o objetivo de fazer do produto um objeto de consumo de qualidade, fazendo com que o artesão se conscientize do seu valor enquanto possuidor de uma técnica, aprimorando-a e dando sentido a uma produção que promove a qualidade de vida dele e da comunidade”.

PROJETOS DE SUCESSO

“Temos a nossa própria experiência com a empresa Viver de Arte (hoje Maia Piatti), onde nós, como designers, treinamos jovens que já tinham vocação e dominavam técnicas de artesanato (mobiliário, bolsas, objetos de decoração, painéis artísticos, luminárias, porcelanas, vestuário e acessórios), dando ofício a cada um com treinamento, viagens, subsidiando a educação até a faculdade, e mostrando ao mundo o mercado e suas inúmeras possibilidades. Além da nossa empresa, fizemos consultoria para a Fábrica da Pedra em Delmiro Gouveia, que produziam lençóis para a classe B e C, e desenhamos lençóis que se posicionaram no mercado de luxo, usando toda iconografia do sertão”.

POTENCIAIS DA RMM

Alagoas como um todo é dotada de muitas comunidades potencialmente criativas e produtivas que passam de geração em geração, mapeando, a grosso modo, nosso município e adjacências temos: Ao Sul, trabalhos em palhas, bordados e rendas; a Região Lagunar: rendas; no Litoral Norte: rendas, trabalhos em palhas e esculturas de madeiras; no Oeste/ Zona da Mata: cerâmicas e esculturas de madeiras. Se cruzarmos esses dados, constatamos muitas coisas positivas em comum, mas muitos desperdícios por falta de trocas de ideias que um processo sistêmico requer, para identificar potencialidades e fraquezas. Apesar da criatividade dessas comunidades e artesãos individuais, faltam-lhes conceitos adequados à cada situação, como também interligá-los dentro de uma cadeia produtiva e sistêmica atraindo público local e de fora, que melhore suas rendas e a adequação correta dos valores tangíveis e intangíveis, é preciso para abrir caminhos à inovação. Refletir em cada trabalho manual uma autenticidade leva tempo. Com tantas diversidades no mundo da criação, uma nova ideia mais criativa, pode se tornar uma ideia singular; um produto único!

INTERLIGAR X ISOLAR

No nosso município e adjacências, apesar de termos vários denominadores comuns nos “fazeres”, cada comunidade produz isolada das outras. Com exceção do Pontal da Terra (filé) e do município de Coruripe (artesanato de palha) ao Sul de Alagoas, e o da Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar (esculturas de madeiras e bordados). Na maioria das vezes são explorados por indivíduos atravessadores que arrematam a pouca produção que têm e vendem lá fora a peso de ouro. O que recebem desses mal dá para suas sobrevivências dos dias da semana, ficando sem o capital de giro para investirem nas próximas produções. O que acontece? Por falta dessa conscientização, o turista, com poder mais elevado de compra, não chega aos artesãos e esses deixam de vender peças com preço mais elevado compatíveis ao seus esforços e processos. Jamais atingirão uma consolidação das suas manualidades, na perpetuação dignas das mesmas. Tudo em nosso entorno clama por criatividade, inovação e competitividade para atingir demandas mais exigentes. Alagoas é um estado vocacionado para o turismo em todos os aspectos. Turismo de alto valor agregado que cada dia investe férias no nosso estado como destino.

UMA VIA DE MÃO DUPLA

“Qualquer ser humano foi programado para evitar riscos e não tolerar a insegurança às mudanças. O novo representa, inevitavelmente, um mergulho em direção ao desconhecido, aquilo que lhe tire da comodidade. Imaginem nessas comunidades isoladas de influências do mundo ávido por produtos singulares? O “desconhecido” para elas têm quer ser introduzido com muito tato e experiências por parte dos agentes condutores do design. Cabe a nós preencher a imaginação delas para que lacunas se abram ao óbvio que nunca enxergaram em suas potencialidades. Conscientizá-los, treiná-los em seus potenciais e torná-los empreendedores de si, é uma tarefa árdua, mas, uma vez apreendida, em todas as etapas do processo, é uma vitória; uma libertação! Em princípio parece complexo, mas os resultados são compensadores e passam a fazer parte do ciclo de vida de um produto/ comunidade que o produz. Inovação e adequação às novas realidades é um processo contínuo que nunca se encerra, afinal estamos lidando com gerações que passam suas experiências “do fazer “ para as próximas gerações. Implantar uma cultura de inovação em comunidades artesãs sempre sofrerá resistência. A ressignificação de um produto já existente é refletir, inevitavelmente, a sua própria cultura, a sua própria história. E essa troca é enriquecedora tanto para o agente transformador (designer), como para o próprio artesão. Ambos se reinventam. Uma via de mão dupla”.

EVOLUÇÃO DA MARCA

“Organizamos o espaço de produção e contratamos pessoas também na área administrativa, informática e relações humanas. Chegamos a ter 80 pessoas dentro da empresa e mais 120 terceirizados. Em 1999, participamos do Artigiano in Fiera, em Milão. Nessa feira com cerca de 9 mil expositores, recebemos o prêmio de destaque em originalidade. Originalidade foi então o nosso norte. Sabíamos que tínhamos um produto ímpar e um caminho pela frente. Trabalhamos cada vez mais no conceito a origem do nosso produto, a brasilidade e o design na concepção da marca. Criamos uma identidade inconfundível. Mostramos uma alagoanidade numa linguagem sofisticada jamais vista no Brasil e no mundo. Participamos de inúmeras exposições e feiras internacionais ao longo dos anos”.

PRODUÇÃO APRIMORADA

“Hoje nós optamos pelo Slow Design. Uma produção aprimorada e mais ainda consciente dos valores intrínsecos que carregam a sua indelével identidade. Como tantas estradas percorridas e assimiladas, tantas trocas com outros designers importantes do Brasil e de fora, como também pelas nossas inúmeras viagens de trabalhos e de prospecções, temos a certeza de que nossos produtos se tornaram parte da iconografia alagoana e brasileira. Ele é reconhecido pelo consumidor menos atento ao mais fã de todos, que, às vezes, é colecionador de vários trabalhos em todos os suportes que já desenvolvemos. É uma satisfação esse reconhecimento e apreço. Atualmente, estamos localizadas no nosso ateliê em frente ao mirante de Santa Terezinha que adotamos há 6 anos e interferimos com nossa “Land Art” ou arte urbana, tornando-se mais um ponto de referência para os alagoanos e turistas”.

TRABALHO EM COMUNIDADES

“Trabalhamos com comunidades de bordadeiras da Barra de Santo Antônio, com terceirizadas que treinamos em modelagens, corte e costuras, grafiteiros que eram da Viver de Arte, Marceneiros e Serralheiros. Todos interligados na nossa cadeia de produção. Podemos afirmar que, com a saída dos intermediários, e o aprimoramento da técnica no ritmo adequado às nossas vidas, estamos felizes com o resultado. Ainda que “escondidas”, nos tornamos uma espécie da “caça ao tesouro”, porque um produto genuíno Maia Piatti só encontrarão no ateliê 268, da capitão Samuel Lins. Recebemos constantemente turistas e ex-clientes que descobrem que continuamos firmes e mais maduras. É dentro desse contexto, Slow Design, que podemos repassar toda nossa história; todos os percursos trilhados. É isso que agregamos por trás de cada assinatura: nossa alma”.