Cidades

Poluição da Lagoa Mundaú causa crise para marisqueiros

Escassez e presença de sururu “branco” estão relacionadas aos poluentes no local

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 29/06/2022 09h33
Poluição da Lagoa Mundaú causa crise para marisqueiros
Presença de sururu branco e escassez do molusco na Lagoa Mundaú preocupam quem sobrevive da pesca - Foto: Edilson Omena

Os altos níveis de poluentes na Lagoa Mundaú têm causado fenômenos que vêm impactando diretamente na pesca: o primeiro a escassez do molusco, agravada pelas intensas chuvas; o segundo envolve o surgimento de um sururu “branco”, que segundo marisqueiros se despedaça ao ser cozido. Os dois problemas estão relacionados às mudanças no ambiente lagunar dos últimos anos.

Bruno Alves atua na coleta do sururu há 19 anos e conta que nunca viu nada parecido. A escassez do molusco tem se acentuado nos últimos meses e se agravado desde o início das chuvas, em maio deste ano. Ele afirma que os marisqueiros estão com as atividades paralisadas “passando sufoco”.

“Eu trabalho desde os meus 8 anos e nunca vi nada igual. Não estamos encontrando sururu em lugar nenhum, está tudo morto. Quem tem uma condição melhor, paga frete e leva o barco até Roteiro para ver se consegue pescar alguma coisa. Quem não tem como fazer isso está passando sufoco, porque não tem sururu na Lagoa Mundaú”, conta.

Mas é a presença do sururu “branco” ou “galego”, como chamam alguns marisqueiros, que tem causado maior preocupação.

“É um sururu esbranquiçado que quando a gente cozinha se esfarela todinho. Nunca vi uma coisa dessas. Acho que ele fica sem oxigênio, não sei o que causa isso. Mas é ruim. Depois desse problema com a Braskem, a lagoa está mudando muito, as coisas estão ficando muito difíceis e não temos apoio de ninguém. A gente paga colônia de pescadores, mas não temos suporte e ficamos parados sem condições de trabalhar. Nenhum órgão ajuda e a gente não sabe o que fazer”, diz o pescador.

Marisqueiro Bruno Alves destaca que escassez tem se acentuado nos últimos meses e se agravou com as chuvas I Foto: Edilson Omena


A explicação para os fenômenos segundo o pesquisador Emerson Soares está ligada aos altos níveis de poluição que comprometem a qualidade da água, níveis de oxigênio, presença de metais pesados. Esse conjunto de agravantes deu origem a situação que vem sendo observada no sururu, que modificou a cor e o aspecto do molusco.

“O problema do Sururu na lagoa é diminuição da salinidade, aumento de sedimento, com aumento da velocidade da água, diminuição de fitoplâncton, devido diminuição da penetração de luz na coluna da água, que faz com que diminua a produtividade primária, aumento da carga orgânica e poluentes que faz com que diminua a oxigenação e problemas com deficiências de alguns nutrientes para o Sururu”, pontua Emerson, que é Doutor em Ciências Aquáticas e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Ainda de acordo com ele, apesar do cenário crítico de redução, o sururu não deve desaparecer por completo.

“Ele [sururu] não deve desaparecer, mas diminuir sim e tem um sururu branco que está surgindo na lagoa que é complicado. Ele é mais mole, gelatinoso e de péssima qualidade. Não é mutação, é problema de metais ou deficiência de nutrientes e poluição. Tudo isso está relacionado a poluição, são poluentes demais na lagoa”, acrescenta.

Investigação sobre mortandade segue sem definição de responsáveis


Em abril deste ano, uma mortandade de peixes na Lagoa Mundaú ganhou repercussão no noticiário local. Desde então, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Polícia Federal (PF) dados sobre as avaliações feitas no local e uma investigação vem sendo conduzida, até agora, sem respostas sobre o que motivou.

Dentre os resultados obtidos de forma preliminar, foram identificados altos níveis de poluição no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú Manguaba (CELMM).

Conforme especialistas consultados pela Tribuna Independente à época, a situação nas Lagoas é complexa e exige que seja feita uma avaliação criteriosa envolvendo os cursos d’água, municípios banhados e toda a cadeia produtiva envolvida para que seja possível uma mudança de fato no cenário.

Autor de um projeto sobre o monitoramento do Complexo, o pesquisador Emerson Soares defende a articulação e adoção de políticas públicas efetivas para o acompanhamento das condições.

Emerson relembra que após a mortandade de peixes registrada no início de abril na região do Flexal em Bebedouro, as análises identificaram poluentes difusos, metais pesados, lançamento de esgoto, agrotóxicos que comprometem de forma severa tanto o ecossistema como quem depende da Lagoa para a sobrevivência.

“Ali não é uma questão simples, não só é uma situação de uma poluição temporária. Ali é constante a situação de problemas com agroquímicos, problemas com esgoto, esgoto sendo doméstico, industrial, de metais pesados. Agora é preciso lembrar que o problema dos esgotos, tanto de industrial como esgoto doméstico, não é exclusivo da cidade de Maceió que não faz tratamento de seus resíduos corretamente. Não só dela, mas tem que lembrar que têm outros municípios ali que estão lançando tudo no ambiente, nos rios e que vão chegar nas Lagoas Mundaú e Manguaba. Porque poluidores são os municípios também. Não vai ser fácil para resolver. Mas é um start para que a coisa comece a ter seriedade e exigir que façam a coisa correta ali na lagoa porque aquilo ninguém aguenta mais”, defendeu.

Órgão constata que contaminação é bem difusa


O coordenador de gerenciamento costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) Ricardo César detalhou que a poluição se inicia muito antes do complexo e envolve os Rios Paraíba e Mundaú desde as cabeceiras.

“Foi constatado pelo IMA que a poluição é bem difusa. Isso ocorre pela grande extensão do complexo e da bacia dos dois rios principais, Paraíba e Mundaú que cortam muitos núcleos urbanos onde há lançamento de esgotos e águas servidas, infelizmente. Uma variedade de uso nas áreas marginais e os resíduos acabam indo para o CELMM. Temos muitas culturas como a cana, criação de gado, que usam inseticida, herbicida, adubo e todo esse material que não vai para o solo, que não é absorvido e acaba indo para o CELMM”, disse.