Cidades

‘Década de silêncio’: artigo da Revista Nature destaca afundamento nos bairros de Maceió

Pesquisadores envolvidos no estudo classificam situação que precedeu a crise como uma “década de silêncio”, pois desde 2004 já haviam indícios de subsidência e rachaduras

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 24/04/2021 09h58
‘Década de silêncio’: artigo da Revista Nature destaca afundamento nos bairros de Maceió
Reprodução - Foto: Assessoria
Um artigo publicado pela Revista Nature traz luz ao afundamento de solo registrado em cinco bairros da capital alagoana. Os pesquisadores envolvidos no estudo classificam a situação que precedeu a crise como uma “década de silêncio”, pois desde 2004 já haviam indícios de subsidência e rachaduras. A reportagem da Tribuna Independente ouviu especialistas locais sobre o futuro da região. A incerteza é uma unanimidade. O artigo compilou dados disponíveis sobre o bairro entre os anos de 2004 e 2020 utilizando métodos como InSAR multitemporal, análise com modelagem de fonte usando inversão elástica e o método dos elementos distintos. Os pesquisadores atestaram que o problema começou bem antes do tremor de terra registrado em março de 2018. “Os principais resultados é que a subsidência em Maceió começou a evoluir gradualmente quase duas décadas atrás com aceleração lenta no início e aceleração mais rápida nos últimos 4 anos”, diz trecho do documento. Além disso, o estudo trouxe informações já conhecidas da comunidade científica local e de pesquisadores que vêm acompanhando in loco o caso. Na avaliação do pesquisador Abel Galindo, uma das referências no “Caso Pinheiro”, o estudo reforça aquilo que já vem sendo debatido há cerca de três anos. [caption id="attachment_443124" align="aligncenter" width="768"] Pesquisador Abel Galindo destaca que estudo reforça o que já é debatido há 3 anos (Foto: Edilson Omena / Arquivo)[/caption] “Dez anos de subsidência, uma situação séria porque apesar de não ter impactado em perda de vidas, muitas pessoas morreram de desgosto, de decepção, pelo medo... São mais de 40 mil pessoas vivendo um drama, uma tragédia social, além de ser o maior crime ambiental urbano do planeta, é uma tragédia social sem comparação. Infelizmente nós vínhamos falando sobre isso, e essa desgraça de mineração está famosa mundo afora”, pontua Galindo. Se o passado do problema remonta a uma década de silêncio, para o futuro, as perspectivas são incertas, ainda que as ações que estão sendo executadas sejam efetivadas. É o que garantem os especialistas ouvidos pela Tribuna. Na avaliação da pesquisadora, professora e geóloga Regla Massahud, que também acompanha o caso desde o início, o monitoramento não deve cessar e, ainda assim, não é possível ter uma previsão do cenário para os próximos anos. Regla defende a finalização do preenchimento de cavidades como uma das alternativas de estabilização. “Agora é preciso monitorar o evento, o que podemos fazer para o futuro é monitorar o processo de subsidência, e isso está sendo feito. A área não vai afundar de uma vez, umas porções irão afundar mais rápido que outras, mas não sabemos como será o comportamento. Temos que acompanhar o processo de subsidência para poder saber o que vai acontecer, o futuro é incerto. Não dá para saber, só Deus mesmo. O que pode atenuar isso é o fechamento das minas. Ainda tem muita coisa a acontecer. Eu acredito que não poderá ter ninguém mais na região, precisa ser uma área verde, provavelmente”, avalia Regla. Impactos ambientais, sociais, econômicos e históricos O geógrafo, consultor ambiental e mestre em recurso hídricos Jeilson Vieira pontua que os impactos gerados pela subsidência causada pela mineração permeiam aspectos ambientais, geográficos, sociais e econômicos. Segundo Vieira é inegável que atividades industriais, - como a executada pela mineradora há mais de quatro décadas -, trazem uma série de benefícios para as localidades onde estão instaladas, como o emprego e renda para comunidades onde complexos industriais se instalam. “Foi isso que aconteceu com a instalação da empresa em tela, a primeiro momento e por longo período uma série de benefícios foi elevada para o Estado de Alagoas, para Maceió e para sua população. Esses benefícios começaram a ser questionados ao longo do tempo por estudos que enfatizavam a que custo ambiental, histórico e geográfico esses benefícios trariam. Como é sabido de todos, os estudos realizados pela CPRM enfatizaram que a causa da subsidência do solo de bairros de Maceió foi provocada pela extração do sal-gema”, diz o especialista. O geógrafo destaca ainda que entre os principais impactos, o dano ambiental desencadeia outras problemáticas que devem influenciar na região por muitos anos. “Os impactos ambientais negativos decorrentes da mineração nessas áreas são deveras de grande magnitude. Destacamos entre eles a subsidência do solo acarretando a inviabilidade de ocupações ou de qualquer outra obra de arte nessas localidades, contaminação de aquíferos por materiais oriundos da superfície que possam ser carreados pelas fissuras abertas e pelas cavernas da mineração, fauna e flora da localidade podem ser atingidas tendo sua biodiversidade comprometida total ou parcialmente, salientando que em um dos bairros atingidos existe uma Unidade de Conservação que é o Parque Municipal de Maceió, pode acarretar deslizamento e/ou desmoronamento de encostas nos bairros atingidos. Esclareço que as encostas de Maceió conforme o código florestal são APPs [Áreas de Preservação Permanente] e nunca devem – caso haja recuperação desse bairros – ser ocupadas novamente por habitações”, explica. [caption id="attachment_443125" align="aligncenter" width="758"] Em Bebedouro, Colégio Bom Conselho (ao fundo) guarda parte da história do bairro afetado pelo afundamento (Foto: Adailson Calheiros / Arquivo)[/caption] Para os especialistas, é preciso um contínuo monitoramento, realização de estudos de forma detalhada para compreender como o fenômeno irá evoluir. Não é possível determinar como os efeitos serão sentidos e percebidos pela natureza. Na questão social, ainda faltam, segundo eles, pesquisas aprofundadas que determinem a dimensão do dano. “Os impactos geográficos ocorrido nesses bairros podem até se confundir com os impactos ambientais, pois ambos estão entrelaçados por teias sucessivas de acontecimentos, mas esses impactos têm uma abrangência muito maior, vai desde a prejudicialidade das comunidades que ali habitavam em seu cotidiano até a economia do local e até mesmo do município em si. Muitos estudos ainda serão realizados para encontrar estatísticas que mensurem as perdas econômicas das populações que ali viviam e também as perdas para o município”, defende Vieira. A pesquisadora Regla Massahud comenta que principalmente em relação aos efeitos geológicos, não é possível estabelecer previsões. “Eu acredito que é necessário que haja um maior desenvolvimento de estudos sobre os impactos sociais, econômicos, porque é algo que afeta muita gente, são negócios perdidos, vidas que foram modificadas, tantos empregos perdidos e isso não foi calculado ainda, é preciso ser feito. Escolas que fecharam, são perdas econômicas, sociais, emocionais. Essa parte precisa ser levantada”, detalha. [caption id="attachment_443126" align="aligncenter" width="785"] Pesquisadora, professora e geóloga Regla Massahud diz que é preciso calcular as perdas em vários aspectos (Foto: Edilson Omena)[/caption] PERDA DA HISTORICIDADE O geógrafo destaca que a perda da historicidade é um fator preponderante para a perda de identidade, inclusive da capital. “A capital alagoana tem uma rica historicidade, a destacar os bairros atingidos pela subsidência que têm peculiar história. O bairro de Bebedouro, por exemplo, que no início do século passado foi palco de grandes casarões de famílias abastadas daquele momento, por um bom período figurou como um dos bairros mais importantes tanto do ponto de vista econômico como cultural. A história do bairro guardava até os acontecimentos atuais uma rica memória por meio de obras de arte e também pela cultura ali alicerçada por meio de manifestações culturais de diversos folguedos, e tudo isso desapareceu do bairro. Outros bairros atingidos também têm sua historicidade marcante, mas infelizmente essa historicidade não mais será vista e contada por sua população que foi deslocada para outras áreas, apenas serão retratadas em livros, perdendo um dos mais bonitos encantos que é a história sendo em tempo real contada no próprio local onde tudo ocorreu. Portanto, a perda da historicidade desses locais e seu ciclo evolutivo dos acontecimentos vividos por seus próprios moradores – sendo que alguns deles estavam ali há décadas – não poderá mais acontecer por um longo período”, diz.