Cidades

Audiência debate danos coletivos a moradores dos bairros afetados por afundamento

Serão destinados R$ 150 milhões pela Braskem às regiões afetadas pelo afundamento após a exploração do solo em Maceió

Por Emanuelle Vanderlei com Tribuna Independente 11/03/2021 08h33
Audiência debate danos coletivos a moradores dos bairros afetados por afundamento
Reprodução - Foto: Assessoria
Resgate do patrimônio cultural, direitos dos animais, memória histórica e amparo a pessoas afetadas. Essas e outras tantas sugestões foram apresentadas nesta quarta-feira (10) em audiência pública realizada pelos Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual (MP) para a utilização das verbas pagas pela empresa Braskem a título de indenização por danos sociais e danos morais coletivos no processo relacionado aos bairros de Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e Farol. A audiência aconteceu de forma virtual e foi transmitida ao vivo com a contribuição direta de lideranças e moradores dos bairros atingidos. Também estiveram presentes representações do vereador Dr. Valmir, Iphan, OAB, Ufal, FMAC, Sesc, Senac, Sebrae e Defesa Civil. A proposta é criar um Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais, onde será definida a destinação dos recursos, fruto do acordo firmado entre os órgãos e a empresa. De acordo com o promotor de justiça Jorge Dória, são três dimensões: Ações nas áreas desocupadas, com R$ 722 milhões, ações de mobilidade urbana, com destinação de R$ 360 milhões, e medidas de compensação social, com R$ 150 milhões. Apenas a parte da compensação social estava em discussão na audiência. Com o propósito de “Amenizar o sofrimento da coletividade e de todas as pessoas que vivem na cidade de Maceió e no Estado de Alagoas”, disse a promotora Juliana Câmara. Fernando Silva, da associação de moradores do Bom Parto, dedicou sua participação a trazes ideias. Uma linha de crédito para que os microempresários possam recomeçar em outro lugar, ajuda de custo para população que está passando fome, e que a prefeitura cumpra o decreto de calamidade pública, já que continuam sendo cobrados os impostos. Por fim, ele trouxe a questão dos animais abandonados, que ao longo da sessão foi reproduzida e ampliada por diversas outras pessoas. Representando os empreendedores do Pinheiro, Alexandre Sampaio cobrou a realização de uma pesquisa. “Empresários, demitidos, moradores... Não temos um número real. Há muita desinformação, precisamos de um diagnóstico completo para fazer a correta destinação”. Alexandre chamou a atenção para os prejuízos da comunidade do entorno. “É preciso definir os cálculos do dano moral da comunidade do entorno. Não vejo até agora nenhuma preocupação com as comunidades direta ou indiretamente afetadas. Uma série de localidades inviabilizadas não estão contempladas. É uma grande miopia dizer que é apenas quem sofreu rachaduras”. Outro pedido feito por ele e reforçado por outras lideranças, foi de que o comitê seja formado em maioria pela comunidade. Ao longo da audiência, comentários feitos pelo chat ao vivo da transmissão foram filtrados pela equipe do MPF e respondidos pelas promotoras que conduziram a audiência. População quer respostas sobre indenizações   Apesar do aviso por parte das procuradoras de que a audiência trataria exclusivamente dos recursos coletivos, foram levantados tanto por participantes quando por comentários de quem estava assistindo sobre a ação que tratou da situação individual dos moradores. “Marquem uma audiência para discutir o que está acontecendo com o acordo”, disse Alexandre Sampaio. Ele lembrou que em novembro foi dado um prazo de 60 dias, para solução de casos, mas até agora apenas 12% dos empresários foram indenizados. “Quem de vocês conseguiria ficar 3 meses sem salários? Estamos esperando há 6 meses, 8 meses”. Ele falou em corrigir os primeiros acordos, que na sua visão não foram democráticos. “A gente está sendo oprimido, atropelado pela Braskem. Com a conivência do Ministério Público”. Outros mencionaram problemas com especulação imobiliária e os valores que estão sendo oferecidos pela empresa nos acordos. Muitos levantaram dúvidas sobre detalhes dos acordos, de como ficaria a situação posteriormente nos bairros. Com as provocações, Niedja Kaspary decidiu responder sobre o assunto e se comprometeu a abrir novamente um debate público, depois da crise pandêmica. “Se até o final do ano a vacina surtir efeito, vamos fazer uma audiência para dirimir todas as dúvidas da população”. Outra dúvida de moradores foi de que no caso de uma estabilidade do solo comprovada, o espaço seria ocupado pela Braskem. “Se puder ser reabitado, que a gente possa retornar”. Ainda não há definição sobre isso, vai depender da situação no momento. “Quem vai deliberar se essa área pode ser ocupada pela Braskem é o plano diretor de Maceió, que por sua vez é definido pela Câmara de Vereadores, representando a população”, disse Juliana Câmara. Animais abandonados e movimentos culturais preocupam   A situação dos animais foi um tema recorrente entre as intervenções. Além da advogada Elisa de Moraes, da Comissão de Bem-estar Animal da OAB/AL, muitas pessoas levantaram preocupação com o tema. “É uma questão de saúde pública”, disse ela. Prevendo um agravamento da situação, Elisa destacou o risco inclusive para os animais silvestres. “Esses animais devem migrar e atingir espécies nativas que não se encontram em outro lugar. Pode causar um desequilíbrio ambiental. Não pode mais animais morrerem na rua por fome e sede, ou perdermos espécies nativas”. Moradoras relataram que tem se dedicado a alimentar voluntariamente, mas que não tem como continuar e defendem a criação de um abrigo. “Um lar de passagem, para que esses animais recebam atendimento e sejam encaminhados para adoção”. De acordo com o que foi dito, há um projeto da Universidade Federal de Alagoas que tem ajudado, mas é apenas paliativo e não resolve. A promotora Niedja Kaspary informou que faz parte de grupos de proteção aos animais e que tem recebido esta mesma demanda. Ela explicou que as situações que não estão contempladas no acordo podem ser cobradas da empresa. “Nada impede que, caso a empresa não assuma sua responsabilidade, possa ser demandada. Todo problema advindo dessa atividade a empresa vai ter que responder”. O resgate do patrimônio cultural e histórico foi levantado tanto por moradores quanto por autoridades. Dilma Carvalho lembrou que grupos de coco de roda, pastoril, quermesses e muitas atividades que fazem a identidade da região ficaram inviabilizados. Outra mulher questionou a situação do cemitério, que tem várias famílias preocupadas sobre para onde irão os restos mortais dos seus entes. “Tem jazidas de 1917, antigas como o próprio bairro. Ninguém fala sobre isso”. Sandro Gama, em nome do Iphan, levantou o direito constitucional à memória. “Esse é um momento de apagamento da memória coletiva”. Ele sugeriu a criação de um centro de referência à memória que trabalhe especificamente a memória dessa sociedade, que precisa ser ativa, ligado à pesquisa e produção antropológica. No mesmo sentido, Miriam Monte apresentou planos da Fundação Municipal de Ação Cultural sobre a criação de um centro cultural de resgate à cultura local, um museu dos bairros para registrar o momento histórico e uma reflexão sobre as consequências socioambientais que podem acontecer. A procuradora Roberta Bonfim reconheceu a importância dos locais para a vida da comunidade. “Eu passei por lá e percebi a riqueza cultural e histórica da região. Há uma relação de pertencimento dos moradores, uma rede de apoio”.  Ela explica que por isso foi realizada a audiência. “Não poderíamos dizer como seria, precisamos ouvir a comunidade e ela indica. Mas há muita coincidência entre o que trazem aqui hoje e a preocupação que nós temos”. E finalizou afirmando que é preciso devolver esses recursos de forma concreta à sociedade alagoana.