Cidades

Cultura do cancelamento: saiba o que é e porque é perigosa

Em alta desde a estreia do BBB 21, o assunto gera diversos debates na web

Por Assessoria 09/02/2021 15h07
Cultura do cancelamento: saiba o que é e porque é perigosa
Reprodução - Foto: Assessoria
Desde a estreia da sua 21ª edição, o BBB, reality show mais famoso do Brasil, teve muitos momentos em que os 20 participantes anônimos e famosos revelaram temer o famoso “cancelamento”. Nos últimos anos, cancelar uma pessoa se tornou uma prática comum nas redes sociais, geralmente motivada por alguma atitude ou fala reprovada por grande parte da população, como racismo, machismo, xenofobia, homofobia, entre outras intolerâncias. Mas, às vezes, o cancelamento pode acontecer por coisas banais, e o que inicialmente tinha objetivo corretivo, passa a ser depreciativo. “Funciona como um linchamento moral, uma punição para alguém que fez algo considerado errado”, explica Sabine Heumann, professora de Psicologia da UNINASSAU – Centro Universitário Maurício de Nassau Maceió. Em 2019, o Dicionário Macquarie, que seleciona anualmente as palavras e expressões que mais moldaram o comportamento humano, elegeu “cultura de cancelamento” como o termo do ano. “A internet acaba facilitando comportamentos que, muitas vezes, não seriam feitos nas relações face a face. É mais difícil sentir empatia por uma pessoa que não está próxima, que não conhecemos, que é apenas um nome na internet”, afirma a psicóloga. Além disso, existem os grupos que atuam em efeito manada. Por fazer parte de um grupo, as pessoas acabam agindo, muitas vezes, sem questionar ou refletir, apenas replicando. “Isso deixa os canceladores mais à vontade, pois outras pessoas pensam da mesma forma, fortalecendo sua visão, e não colocando-a em questão”, completa. Outro efeito da internet é a impressão de que as pessoas precisam se posicionar e emitir opiniões sobre todos os assuntos. Muitos vezes, sobre temas em que o indivíduo não tem embasamento para discutir. “Não é necessário ter opinião sobre tudo, muito menos opiniões formadas rapidamente, de forma simplificada. Esse reducionismo acaba gerando ainda mais canceladores”, pontua Sabine. Outra problemática do cancelamento é a redução do cancelado a um comportamento, ideia ou atitude. “Nós somos serem complexos, multifacetados e estamos em constante transformação. Somos muitas coisas ao mesmo tempo. Quando alguém é cancelado por causa de um comportamento, parece que toda a sua existência se resume a ação que foi desaprovada, e isso não é verdade”, defende Sabine. Quando o cancelamento se torna perigoso? “Pessoas que são excluídas perdem oportunidades e são anuladas, tendo dificuldade de, até mesmo, reparar a ação que pode não ter sido legal”, explica Sabine. A psicóloga diz que sempre se pergunta qual a razão do cancelamento e o que as pessoas querem ao repreender um erro. “Se quisermos que aquele comportamento seja reparado, precisamos olhar para a pessoa com empatia, entender que todo mundo erra em algum momento e que é possível se transformar”, defende a profissional. Quais os impactos na vida e saúde mental do cancelado? “Quando nossas relações nos dizem que não somos bons o bastante, que somos errados, isso pode gerar um impacto grande na autoestima, o que pode ser prejudicial para a saúde mental de maneira global. Também é possível gerar comportamentos que perpetuam esse cancelamento, devido a agressividade, ao descontentamento, a uma postura de defesa/ataque que ser cancelado pode gerar. Ou seja, muitas vezes os canceladores podem já terem sido cancelados ou então têm medo de ser. Quando eu cancelo o outro, coloco o foco nele e a chance de eu ser cancelado é menor, o que acaba gerando um comportamento que pode ser cíclico”, responde Sabine Heumann, que é docente da UNINASSAU Maceió. Sabine cita Freud: “quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”. De acordo com a psicóloga, cancelar alguém, pode ser uma forma de provar ser melhor, mesmo que de forma não consciente. “Quando colocamos uma opinião sobre algo ou alguém, estamos colocando a nossa visão sobre aquilo, ou seja, a nossa subjetividade aparece. Quando algo nos chama atenção em alguém, nos intriga, nos revolta, nos causa tristeza ou outros sentimentos, isso está mostrando alguns aspectos meus”, fala. “Se quisermos que, de fato, alguém modifique um comportamento, um caminho com mais empatia, diálogo, buscando compreender de onde vem aquela ação, seja um o mais efetivo. Temos a capacidade de mudar, aprender e transformar. Quando eu cancelo alguém, tiro dessa pessoa a possibilidade de transformação”, finaliza Sabine Heumann