Cidades

'Nova legislação pode elevar acidentes'

Detran e formador de condutores acreditam que, com afrouxamento da lei de trânsito, motoristas reduzirão cuidados

Por Emanuelle Vanderlei com Tribuna Independente 05/11/2020 08h27
'Nova legislação pode elevar acidentes'
Reprodução - Foto: Assessoria
No dia 13 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que modifica o código de trânsito brasileiro. Com aumento do prazo para renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e aumento do limite de pontos para suspensão da carteira. Para alguns, a mudança é negativa e pode representar aumento dos acidentes. João Batista, presidente do sindicato dos centros de formação de condutores, critica a mudança. “É uma situação negativa. O brasileiro já é um infrator contumaz. Então com toda essa rigidez que existe hoje já temos tantos acidentes, imagine com essa perspectiva de afrouxar essa questão de pontuação, de ser um pouco mais benevolente com esse condutor”. Para ele, o foco deveria ser em preparar melhor a população, ao invés de reduzir a punição. “Na minha visão deveria mexer era na educação do trânsito, não só na formação dos condutores, mas de uma forma geral. Então no que toque essa questão de estender a pontuação para 40, obviamente que tem algumas observações, mas eu não vejo como o caminho não”. A preocupação do formador é sobre a possibilidade de aumento nos acidentes. “Creio que a nossa média de em torno de 40 mil mortes por ano no Brasil, com essa sensação de afrouxamento das regras de que o cidadão sabe que pode ter uma quantidade maior de pontos relacionada às infrações, com certeza vai relaxar nos cuidados que tem em relação aos limites de velocidade, à preocupação com a sinalização, questão do próprio álcool e direção. Eu creio que existe uma tendência de aumento dos acidentes”, diz João Batista. A conclusão do chefe de controle de infrações do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (Detran/AL), Daniel Celestino, é a mesma. “O afrouxamento de medidas que visam inibir condutas perigosas, seja porque o condutor teve um decréscimo na capacidade de visão/motora ou seja pela possibilidade de um infrator contumaz ter uma alta pontuação em seu prontuário e continue com sua CNH, vão na contramão de todos os esforços para reduzir as lesões e mortes no trânsito”. Considerando a preservação das vidas, Celestino prevê um resultado negativo em vários aspectos. “Com essas mudanças poderemos ter uma equação em que de um lado estará a diminuição de custos com meras taxas de renovação, e de outro lado, o aumento do número de vítimas de acidentes, vidas ceifadas e todos os prejuízos decorrentes, por exemplo, a sobrecarga do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Previdência, com aposentadorias precoces. Enfim, lamentavelmente não tem como o resultado dessa equação ser positivo”. Para o cidadão comum, a mudança trouxe poucas diferenças. O jornalista Wellisson Vasco não vê motivos reais para a mudança. “Eu acredito que a lei foi irrelevante. Não havia nenhum ponto tão crítico que necessitava de uma revisão ou atualização. Tinha tanta coisa mais essencial para ser focada no país”. Na avaliação de Wellisson, há vantagens, mas em geral é a medida é preocupante. “Particularmente falando, acho positiva a ampliação do prazo para a renovação. De certa forma, desburocratiza um pouco o processo de habilitação, mas aumentar o número de pontos para a suspensão me parece um pouco irresponsável”. “Mudanças deveriam ser subsidiadas por estudos”   O Detran está se organizando para a mudança, que entra em vigor no dia 12 de abril de 2021. De acordo com Daniel Celestino, “o órgão irá se adaptar para cumprir a legislação, sempre de forma a prestar o melhor serviço para a sociedade. Vale destacar que somente o condutor que for renovar sua CNH a partir dessa data será beneficiado”. Ele detalha que condutores com idade inferior a 50 anos renovarão a CNH a cada 10 anos, quem tem idade igual ou superior a 50 anos e inferior a 70 anos precisa renovar a cada 5 anos, e para condutores com idade igual ou superior a 70 anos a regra determina 3 anos. “Quanto ao aumento do limite de pontos para suspensão da carteira, embora também entre em vigor em 12 de abril de 2021, aplicaremos de ofício efeito retroativo por ser mais benéfico ao cidadão nos processos que estão em curso. Assim, não será necessário que o cidadão se desloque ao Detran para requerer”. Com a alteração o número de pontos limite para a suspensão dependerá do tipo de infração. “Vinte pontos, caso constem dois ou mais infrações gravíssimas na pontuação; 30 pontos, caso conste uma infração gravíssima na pontuação; ou 40 pontos, caso não conste nenhuma infração gravíssima na pontuação”, explicou Celestino. “No caso de o condutor exercer atividade remunerada utilizando-se do veículo, a penalidade será imposta quando o infrator atingir o limite de 40 pontos”, completou. Celestino compreende que as mudanças devem ocorrer observando os interesses da sociedade, de forma democrática. “Ao considerar que a vida em sociedade é bastante dinâmica e no trânsito não poderia ser diferente, reconhecemos a importância de algumas mudanças que se configuram como avanços e melhorias por meio do contínuo debate sobre o tema, de forma democrática, ouvido todos os atores do trânsito de forma ampla, como os órgãos e entidades de trânsito, e a sociedade civil, como conselhos de classes, profissionais do volante, entre outros”. No entanto, ele reforça a necessidade de basear as alterações em análises mais técnicas. “É imprescindível que estas mudanças sejam subsidiadas por fundamentos e estudos técnicos que demonstrem sua real necessidade para atingir de forma adequada sua finalidade, e que também venham no sentido de melhorar o trânsito - prioritariamente tutelando o nosso maior bem que é a vida”.