Cidades

Documentário relata história de moradores do bairro do Pinheiro

Produção capitaneada por alagoanos está em fase de pré-produção, mas já venceu edital da Ancine e também da Prefeitura de Maceió

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 21/12/2019 10h22
Documentário relata história de moradores do bairro do Pinheiro
Reprodução - Foto: Assessoria
“Histórias do Subsolo”. Este é o título do documentário que está sendo produzido por jovens alagoanos sobre a crise no bairro do Pinheiro. A produção já foi iniciada e deve ser finalizada até 2022. O filme conta a história de moradores, relatos e percepções a partir dos acontecimentos envolvendo “o maior desastre ecológico da história de Alagoas”. Octávio Lemos é diretor do documentário e estudante de Publicidade. Além disso, cresceu no bairro do Pinheiro, algo que segundo ele facilitou as percepções e acompanhamento da história. Ao se deparar com tamanhas incertezas decidiu, junto com a amiga Gabriela Araújo, iniciar gravações. No entanto, como ainda estava no início, todo o trabalho era voluntário. “Eu fui criado no bairro, porque as casas da minha vó e das minhas tias eram lá. Então numa tarde, quando ainda só havia rumores, eu estava andando no bairro com Gabriela Araújo, que é assistente de direção, e tivemos a ideia de registrar o que estava acontecendo com aqueles moradores. Minha vó ainda morava lá, foi então que teve a divisão em áreas [primeira desocupação] e tivemos que tirar minha vó de 91 anos de lá. Aí foi quando comecei a reunir pessoas da área, amigos, que topariam trabalhar sem receber em prol de um bem maior. Entraram no projeto o João Pedro Salvador no roteiro, Felipe Hermann na direção de fotografia, Gabriela Araújo na assistência de direção e Victoria França na assistência de produção. Então começamos a ir ao bairro e nos eventos e filmar tudo, registrar sob a ótica dos moradores”, conta Lemos. Depois disso, ele conheceu o professor e ecologista José Geraldo Marques, um dos críticos do processo de afundamento. A primeira entrevista com Geraldo Marques rendeu uma gravação que foi utilizada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Octávio e João Pedro Salvador, que trabalha como roteirista do documentário. “Minha família é de Santana do Ipanema e, assim como o José Geraldo, vieram de lá pra morar no Pinheiro. Foi uma tia minha que me contou a história do José e eu senti que ele deveria ser o fio condutor da minha narrativa sobre os acontecimentos. Então marcamos com ele e fomos agraciados com sua enorme bagagem de sabedoria e conhecimento... Gravamos com ele uma entrevista inicial, dentre outros personagens chaves da trama. Disso surgiu um corte para o meu TCC, que apresentei para concluir o curso de publicidade na Unit [Universidade Tiradentes], junto com o nosso roteirista, João Pedro Salvador”, detalha. Acompanhar um processo tão complexo e que afeta de forma profunda a vida das pessoas mexe diretamente com o emocional da equipe. Segundo Octávio, é preciso esforço para continuar a produzir. Além de Lemos, integram o documentário, produzido pela Cacto Facto, Danilo César e João Pedro Salvador, no argumento,  Gabriela Araújo, assistente de direção, Guilherme César, produção executiva,  Felipe Hermann, na direção de fotografia e Victoria França como assistente de produção. “Desde o início, sabíamos que não seria fácil. Principalmente por envolver a vida de milhares de pessoas. Ficamos muito emocionados sempre que nos deparamos com as histórias difíceis e complexas que hoje se desenrolam. Porém, temos que ser firmes, para nos manter fiéis aos fatos e poder sintetizar no filme todas essas histórias subterrâneas que vamos descobrindo ao longo do processo”, conta. Antes mesmo de ser finalizado, o documentário já obteve destaque na chamada pública realizada pela Prefeitura de Maceió e Agência Nacional de Cinema (Ancine). O audiovisual foi vencedor do edital 006/2019 finalizado no início de dezembro. Para Octávio, o reconhecimento vai contribuir de forma significativa para alavancar a produção. “Decidimos concorrer no Edital do audiovisual, aberto pela Prefeitura de Maceió. Escrevemos todos juntos, numa força-tarefa, um projeto muito completo e um trailer que editamos para mostrar aos jurados da banca examinadora... Ganhamos em primeiro lugar, na categoria telefilme (200 mil)”, ressalta. Desfecho: “não temos ideia de como o filme pode terminar” Agora com o incentivo, eles planejam, alçar altos voos. A intenção é finalizar o material de forma que possa ser distribuído no mundo inteiro, com um detalhe, a produção não tem um “desfecho” previsto, eles afirmam “não ter ideia” de como toda essa problemática pode terminar. “O que temos até então, além de registros dos momentos importantes que já aconteceram, são poucas entrevistas iniciais com alguns personagens. Então vamos continuar registrando esses desdobramentos, além de gravar mais entrevistas, dessa vez com equipamentos de maior qualidade, para possibilitar que o filme possa ser distribuído no mundo inteiro. Também vamos registrar algumas intervenções que acontecerão durante protestos, que ainda vão ser reveladas. Ainda temos 2 anos para entregar o filme, porém não temos ideia de como ele pode terminar”. Lemos afirma ainda que a perspectiva do professor Geraldo Marques representa “como a ganância foi priorizada”. “A história do José Geraldo foi escolhida como fio condutor por ser essa síntese dos acontecimentos. Ele estava presente em todos os momentos chave e nos faz entender como o lucro, poder e ganância foram priorizados em detrimento da vida de milhares de moradores, que hoje saem das casas, sem nenhuma certeza”, opina. A crise ambiental, econômica e social instalada no bairro do Pinheiro e também nos bairros de Bebedouro, Mutange e Bom Parto retratadas no documentário foi iniciada em março de 2018 após um evento sísmico de magnitude 2,5 na escala Richter. O tremor foi o estopim para um problema que já vinha ocorrendo há anos sem, contudo, haver relação estabelecida. Depois deste evento, uma sequência de rachaduras e fissuras em imóveis e vias obrigaram a Defesa Civil de Maceió a desocupar mais de 2.700 imóveis no bairro do Pinheiro. Outros 1.200 em áreas de encosta devem sair até 2020 e outros 500 devem ser desocupados pela Braskem. A empresa é apontada pelo Serviço Geológico do Brasil como responsável pelo afundamento nos bairros devido à exploração de sal-gema. Até agora, quase dois anos após o tremor nenhum dos moradores recebeu indenizações. Há cerca de um ano os 2.700 moradores do Pinheiro vivem com ajuda humanitária enviada pelo governo federal. Diversos processos tramitam na Justiça Federal envolvendo a Braskem, Agência Nacional de Mineração (ANM) e moradores. A área segue em monitoramento mas não há definição, pelo menos até agora, de como a problemática pode ser resolvida.