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Cultivos em Alagoas atestam que é possível agricultura sem agrotóxicos

De usina à lavoura, técnicas de controles biológicos, alternativos e orgânicos apontam para perspectivas positivas com uso restrito de produtos químicos

Por Evellyn Pimentel e Lucas França com Tribuna Independente 07/09/2019 07h00
Cultivos em Alagoas atestam que é possível agricultura sem agrotóxicos
Reprodução - Foto: Assessoria
Como mostrado na primeira reportagem da série "Agrotóxicos", a cultura da cana-de-açúcar é a maior produção que utiliza produtos químicos em Alagoas. No entanto, uma usina localizada no município de São Luís do Quitunde atesta que o agronegócio pode atuar sem o uso abusivo de agrotóxicos. Já em Maceió, uma produção totalmente orgânica de mais de 25 culturas entre hortaliças, frutas e legumes aponta para perspectivas positivas no manejo alternativo. A reportagem da Tribuna Independente foi até a reserva ecológica da Usina Santo Antônio, no município de São Luís do Quitunde, para conhecer o manejo alternativo utilizado pela unidade. Eles dispõem de um laboratório, criado há 18 anos, para o combate de pragas por meio do controle biológico. Segundo o responsável pelo controle de pragas da usina, Geraldo Pereira, a experiência de utilizar vespas no controle de pragas da cana-de-açúcar ocorre em Alagoas desde a década de 70. Ele afirma que muito antes da produção em laboratório iniciada há 18 anos pela Usina. “Antes mesmo da criação no laboratório já se utilizava a Cotesia. Em 1974 as vespas já eram utilizadas no estado de Alagoas. É um caso de sucesso no controle biológico”, diz Geraldo. O esquema funciona da seguinte forma: O laboratório estuda, cria e realiza a soltura de lagartas do tipo Cotesia flavipes, que dão origem a um tipo de vespa que se alimenta dos animais que dão origem a praga. Assim não é preciso utilizar agrotóxicos para este tipo de praga em específico. “O laboratório da usina foi construído em 2000 e iniciou o controle biológico com Cotesia flavipes [vespa] em 2001. Mas a usina anteriormente já comprava as vespas para utilizar. Aí depois os diretores chegaram à conclusão que seria melhor produzir aqui mesmo. Nós utilizamos a Cotesia para controle específico da Diatreia. Para o controle de brocas gigantes que é uma outra lagarta, que produz outro dano. A gente faz um controle inteiramente mecânico, que é através da catação das lagartas. Tem uma fase da cana que indica o lugar onde está e a gente coleta os insetos no último estágio de desenvolvimento. A mariposa da broca gigante a gente faz o controle cultural mecânico mesmo. Nessas duas pragas, fazemos esse controle que não entra o químico”, explica Geraldo Pereira. [caption id="attachment_325686" align="aligncenter" width="640"] Laboratório da Usina Santo Antônio produz vespas há mais de 18 anos (Foto: Edilson Omena)[/caption] A Diatreia é um tipo de “broca”, praga comum em cultivos de cana-de-açúcar. A vespa criada pelo laboratório impede que a praga se instale porque é um inimigo natural. Além desse tipo de praga, a usina realiza o controle mecânico da chamada “broca gigante”, outro tipo de praga que costuma prejudicar de forma severa o cultivo. Eles retiram larva por larva antes que haja a infestação da plantação. “Aqui a gente dá ênfase ao manejo integrado de pragas. Quando você busca associar mais de uma forma de controle, aí você entra com o controle mecânico, com o cultural de variedades resistentes ao inseto, o controle biológico que está crescendo em todas as áreas no Brasil. A grande dificuldade do controle biológico é que a gente não tinha material que pudesse ser disponibilizado por mais tempo. Mas hoje, como já existem várias multinacionais com força nesse segmento, há uma tendência a se buscar o controle biológico. O químico [agrotóxicos] eu imagino que ainda vá ter um bom tempo que a gente vai precisar conviver. Mas eu acredito que o foco maior é o controle biológico. Em São Paulo já há uma presença forte e aqui em Alagoas não vai ser diferente, deve ganhar espaço”, avalia. Manejo barateia custos e melhora produção de cana   Os resultados são imediatos e em longo prazo segundo o especialista. Um deles é a redução de perdas. Isto se deve ao fato que o controle biológico tem diminuído ano a ano o índice de infestação. “A gente vem baixando ano a ano os índices de intensidade de infestação, que seriam as quantidades de entrenós da cana que são acometidos pela praga. No caso da Diatreia, a galeria usa como porta de entrada o inseto, assim como a podridão vermelha que é um fungo. Isso tem mudado por aqui e as perdas diretas e indiretas, reduzidas. Porque se tem o estande no campo e a produção de açúcar que é o que mais importa. Para se ter uma ideia, na instalação, o índice de intensidade de infestação girava em torno de 4,3%. Atualmente esse índice não chega nem a 2%, gira em torno de 1,7%”, ressalta Geraldo Pereira. [caption id="attachment_325687" align="aligncenter" width="640"] Geraldo Pereira explica que os benefícios têm sido observados ano a ano (Foto: Edilson Omena)[/caption] Comparado ao controle tradicional, feito por agrotóxicos, o controle biológico representa ainda mais economia, segundo a usina. “Sai mais em conta. Hoje inclusive nós fizemos contato com outras usinas da região Sudeste e confirmamos com eles que é mais barato produzir o inseto do que comprar as vespas. E quando compara com o método químico a economia é ainda maior. Porque para fazer a liberação a gente faz o levantamento, tem ideia da infestação da área e faz a liberação. Por termos esse controle, nós liberamos em média 6 mil Cotesias por hectare. E com isso a gente consegue manter a praga abaixo do nível de dano econômico e a um custo menor do que se fosse aplicar o método químico. Desse modo, com esse índice de infestação, nem se justifica usar o método químico”, ressalta Pereira. “Temos uma função social, ambiental e econômica”   O ambientalista Ricardo Ramalho ressalta que para ser reconhecido como orgânico deve-se trabalhar com uma junção de fatores. “Não adianta dizer que é. Eu mesmo não posso afirmar isso. Tem que ter alguém que diga e que analise. Este modelo da agricultura orgânica é um processo que tem compromisso com a organicidade e sanidade da produção de alimentos vivos para garantir a saúde dos seres humanos. Também respeitando a natureza. Fazemos um desenho agroambiental apropriado à realidade local do solo”. Neste desenho, segundo o especialista, foi observado a topografia, clima, água, radiações e biodiversidade própria de cada contexto. “Depois disso, é que realmente saberemos o que vai ser adaptado para que uma cultura não brigue com a outra”. [caption id="attachment_325688" align="aligncenter" width="640"] Adubos são produzidos com matérias-primas encontradas na própria natureza (Foto: Sandro Lima)[/caption] Na Aldeia Verde, são oito pessoas trabalhando diretamente nas produções que vêm dando muito certo. “Plantamos, cuidamos e colhemos. Fazemos três feiras por semana em um dos shoppings da capital e no Mercado de Jaraguá”, lembra Ramalho. CONTROLE DE PRAGAS O ambientalista afirma que vez ou outra surge uma praga ou outra, mas nada que faça perder sua produção. A equipe de reportagem conheceu as algumas das culturas produzidas por ramalho. Durante a visita, ele explicou detalhes da produção, modelo feito, a importância de analise do sistema, qual cultura pode se adaptar melhor convivendo com a outra etc. “Como vocês podem notar aqui – as produções estão lindas. São frutas com textura, cor e sabor. As pragas surgem uma vez ou outra. Nesta folha de milho, por exemplo, há indícios de que as formigas apareceram. Mas veja: as pragas mesmo se controlam justamente por conta do equilíbrio do ambiente. Tudo aqui está agregado ‘imitando’ o máximo possível à natureza. Ou seja, nenhuma praga que possa surgir vai comprometer minha produção”, avalia o proprietário. AGROTÓXICOS O uso abusivo e sem controle dos agrotóxicos no país e no Estado de Alagoas tem se agravado e preocupado pessoas e segmentos conscientes de seus riscos à saúde e ao meio ambiente como já foi noticiado nas últimas reportagens da série. Para o ambientalista, a sociedade deve reagir. [caption id="attachment_325689" align="aligncenter" width="640"] Cultivo do ambientalista Ricardo Ramalho, em Maceió, reúne hortaliças, frutas, legumes, ervas medicinais e plantas nativas (Foto: Sandro Lima)[/caption] “A compra e o uso, sem critérios, desses venenos podem ser constatados, facilmente, em nosso meio, infelizmente. A sociedade necessita reagir a essa perigosa ameaça à vida. Portanto, junto aos parceiros, estaremos iniciando uma ampla campanha de conscientização e pressão junto ao Poder Público no enfrentamento desse problema que afeta toda cadeia de produção e consumo da agropecuária. Dos agricultores e trabalhadores rurais aos consumidores, todos são afetados por seus efeitos danosos que resultam em doenças e desequilíbrio ecológico generalizados’’, comenta Ramalho. Culturas são produzidas sem químicos na Aldeia Verde   Uma das maiores críticas à produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos é de que, sem o uso dos venenos, seria impossível produzir comida para a população que está em constante crescimento. Mas, para muitos especialistas, a produção sem agrotóxicos é possível e tem retorno positivo para todos. E isso já é exemplo em muitos países. A Dinamarca é considerado um exemplo de felicidade, em diversos níveis. Por lá, os produtores estão apostando cada vez mais na produção orgânica como uma forma de preservar o ambiente e também os seres vivos da região, além de garantir a saúde dos humanos. E essa realidade não está tão distante o quanto se imagina, aqui no Brasil já existem grandes produções que não usam nada de produtos químicos, ou melhor, aqui mesmo em Alagoas, existem várias produções orgânicas e agroflorestal. Frutas, legumes, ervas, hortaliças, raízes, plantas nativas são algumas das culturas produzidas pelo engenheiro agrônomo e ambientalista Ricardo Ramalho, 68 anos, no espaço conhecido como Aldeia Verde. E tudo isso, sem aplicação de produtos químicos. [caption id="attachment_325690" align="aligncenter" width="640"] Variedades de frutas e legumes são produzidas em Maceió utilizando apenas adubos naturais (Foto: Sandro Lima)[/caption] “São 25 culturas todas convivendo entre si em oito a 10 hectares de terras. E em nenhuma delas há produtos químicos”, garante Ramalho informando que tem certificado como produtor orgânico. “São 20 anos de atuação. O adubo que usamos é o pó de rocha ( totalmente feito de forma natural) e um outro composto produzido com matérias-primas tiradas da própria natureza que eu mesmo faço aqui”, destaca o engenheiro. Ricardo Ramalho explica que o sítio adota um sistema chamado de agroflorestal – da horta até a floresta; trabalhando a sucessão e o companheirismo de plantas. NATUREZA “Esses modelos que a gente vê, de cana e de coco, não são vistos na natureza – o que vemos são plantas convivendo juntas. Competem, mas convivem e dá certo. Então fazemos o mais parecido possível. Quem não tem conhecimento e estudo acha muito bagunçado, mas não é. A convivência com o mato é comum neste tipo de produção – o mato é agregado às culturas”, analisa Ricardo.