Cidades

Comunidades se unem na luta por moradia digna

Mobilização do Comitê dos Povos da Lagoa garante quase 2 mil unidades habitacionais para atender famílias da localidade

Por Tribuna Independente com Emanuelle Vanderlei - Colaboradora 30/03/2019 12h15
Comunidades se unem na luta por moradia digna
Reprodução - Foto: Assessoria
Na margem da lagoa, à margem da sociedade. Comunidades muitas vezes invisíveis aos olhos do poder público lutam por moradia. Apesar das diferenças, as comunidades Sururu de Capote, Mundaú, Muvuca e Peixe, que integram os povos da Lagoa Mundaú, localizada no bairro do Vergel do Lago, unificaram a pauta para reivindicar os direitos e conseguiram a promessa da moradia digna. Erica Everlane tem 23 anos. Vive com seus dois filhos há 8 anos na comunidade e tira o sustento do Sururu, como a maioria das pessoas de lá. Ela sente uma certa segurança no ambiente para seus filhos, que brincam livremente. Mas lamenta as condições precárias de vida lá: “Aqui a água não é tratada, a energia é clandestina, e o mau cheiro é insuportável”, relata ela ao mostrar o lixo que sempre está por lá. Mas o que mais preocupa a jovem é a estrutura das casas. “Quem tiver a sorte de ter casa de tijolo tá bom, quem não tem sorte fica na casa de madeira. Quando chove a gente só pode rezar. Essa chuva que teve outro dia, cedeu a casa da minha vizinha”. Edjane e o marido Marcos mostram a realidade de sua habitação. Em um espaço bem pequeno dividido com mais três famílias, eles mantêm o bom humor e convivem com as dificuldades na esperança de mudar essa realidade com o trabalho coletivo que estão desenvolvendo. Em março de 2018, a estratégia de diálogo com o poder público mudou. Lideranças da comunidade se aproximaram de um movimento nacional, a Frente Brasil Popular. Composta por movimentos sociais de diversos segmentos, desde sindicatos a movimentos de moradia, essa frente tem se aproximado das comunidades para fortalecer o processo de organização que já existe. Segundo eles, as lideranças das comunidades continuam no comando. “Promovemos o congresso do povo, que é uma forma de dar voz real às necessidades da população e ajudar a lutar pelas pautas que elas mesmas elegem como prioritária. Esse projeto tem como metodologia a discussão em torno de três perguntas básicas: Quais são os nossos problemas? Quais as causas? Como podemos resolver? A partir disso a comunidade elege coletivamente os problemas mais urgentes e começa a tentar resolver”, explicou Samuel Scarponi, representante da frente que atua na região desde março de 2018. Neste período, foi criado o Comitê dos Povos das Lagoas. Coordenado pelas lideranças locais e funcionando de forma itinerante dentro das comunidades da lagoa mundaú, o comitê é um espaço que se propõe a defender a democracia e a participação do povo nas decisões sobre as suas vidas. Definida como prioridade máxima para a comunidade, a questão da moradia foi a pauta central ao longo do ano passado. Organizaram um abaixo-assinado dentro da comunidade, mobilizaram um protesto pacífico e foram até a prefeitura entregar. E permaneceram cobrando. No período eleitoral, entregaram a carta dos povos das lagoas a vários candidatos. Por fim, foram recebidos por representantes do poder municipal, e depois de muita negociação, conseguiram que a prefeitura se comprometesse com um projeto para a região. Em dezembro, a Prefeitura de Maceió anunciou a ordem de serviço que promete começar a mudar essa realidade. Serão 1.776 novas moradias para atender a esse público. Diferente de iniciativas anteriores, a prefeitura diz que vai revitalizar o local que as pessoas vivem, ao invés de tentar removê-los de lá para um local longe da sua fonte de sustento, a lagoa. Os moradores estão esperançosos. Algumas lideranças explicam que o anúncio da prefeitura só chegou depois de muita luta, e principalmente organização e unidade. As reuniões semanais do comitê acontecem toda semana, em local aberto com a participação de todos os moradores. Há um revezamento de local, para que aconteça uma vez em cada comunidade, garantindo a participação igualitária de todos. Nossa reportagem acompanhou uma dessas reuniões, no dia 16 de março de 2019. Na ocasião, foram colocadas as pautas da moradia, creche, e lixo. Um dos encaminhamentos da reunião foi realizar um mutirão de limpeza e retirar o lixo em uma ação de educação ambiental. Que aconteceu no dia seguinte. A população está esperançosa, correndo atrás de informações e como se cadastrar para ser contemplada pelo projeto da prefeitura. “Olhe para cada rosto aqui. Tudo atrás de um objetivo, sua casa própria”, disse Tarcísio Laurindo. Mas uma certa apreensão transparece no ar. Ansiosos por detalhes do projeto, eles sentem falta de mais informações da prefeitura. O contato, segundo eles, tem sido constante. “A prefeitura não é inimiga, é nossa aliada. A gente só quer participar mais do processo”, disse Eliane Ilza, liderança de uma das comunidades. “A gente quer ter o direito de opinar onde a gente vai morar”. O grupo de lideranças reivindica uma apresentação completa do projeto, e o cronograma de execução das obras. “Começaram a tirar o asfalto, e a gente não tava sabendo. Às vezes vemos informações pela televisão, que as lideranças não estavam sabendo”, questiona Tarcísio. Lourdes Arcanjo, da comunidade da Muvuca, se emociona ao lembrar que soube que sua comunidade estaria de fora do projeto. Uma das lideranças envolvidas desde o início, ela teme que sua realidade não mude, mesmo depois de tanta luta. “Todos dentro dos critérios serão contemplados” A prefeitura esclarece e tenta acalmar os ânimos. O secretário adjunto de habitação popular, Anderson Alencar, garante que as lideranças estão acompanhando desde o começo, e que eles não estão apresentando detalhes para evitar mal entendidos, como esse sobre a Muvuca. “É tão grande o volume de informações que eles não conseguem absorver. A gente vai apresentar para eles a logística aos poucos”. Segundo Alencar, a área foi dividida em duas etapas, porque é muito grande. “Mas coincidentemente essa primeira ficou exatamente no limite da Muvuca, e as pessoas entenderam errado. Mas todos serão contemplados.” Segundo o secretário adjunto, ainda não foi feito o cadastramento. “Identificamos o número de famílias que vivem à margem da lagoa, e quais dessas dependem da pesca ou vivem de outra atividade. Ficará no local principalmente quem vive da pesca. O restante será colocado em outras comunidades, contanto que esteja dentro dos critérios do Minha casa, Minha vida.” O representante da prefeitura explica que o projeto contempla estrutura de água, esgoto, rede elétrica, pavimentação, drenagem, área de lazer, campo de futebol, creche e escola. A área que atualmente tem duas vias separadas pelo canteiro, uma saindo da cidade em direção ao Litoral Sul e outra chegando, sofrerá modificações. Inicialmente uma modificação para a realização das obras, e ao fim das obras uma outra modificação definitiva. A via que atualmente é no sentido de entrada da cidade será dividida e se tornará mão dupla. A via contrária deixa de existir será incorporada às obras, onde será construído o novo conjunto habitacional. Com a conclusão das obras, a via de saída da cidade será refeita em um espaço entre a lagoa e a comunidade. O projeto conta com duas etapas. Inicialmente será necessário retirar parte da população do local para construir. “O projeto é onde estão as favelas, a gente precisa tirar eles de lá. Depois traz de volta para construir a outra área”, explica Anderson. A previsão de conclusão é de no máximo 2 anos. “Isso foi estabelecido com a União. Mas pode ser dilatado um pouco”. As informações serão passadas para a comunidade através das lideranças, que estão todas em contato com a Prefeitura. São 15 pessoas no total, que representam a comunidade em reuniões que têm acontecido desde o começo, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente.