Brasil
Voluntários representam metade dos envolvidos no combate ao incêndio na Chapada
Incêndio já é o maior registrado na história do Parque Nacional
Mais da metade da equipe que trabalha no combate ao incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e arredores, em Goiás, é formada por voluntários. São moradores, visitantes, profissionais de outros estados e aqueles que têm um carinho imenso pelo lugar. Doações recebidas do Brasil inteiro sustentam o combustível e a alimentação dos brigadistas, além de possibilitar a compra de materiais.
O incêndio já é o maior registrado na história do Parque Nacional e atingiu, até o momento, 64 mil hectares, o equivalente a 26% da unidade de conservação federal. O fogo também atinge fazendas localizadas próximas ao parque. A situação se agravou desde o dia 10, quando o Parque Nacional ficou fechado devido às chamas. O fogo chegou a ser controlado e voltou em outros focos no dia 17.
Um das maiores frentes de voluntários é a Rede Contra Fogo que centralizou as doações. Até as 11h de hoje (26), foram arrecadados R$ 347,8 mil, recebidos pela internet de mais de 4 mil doadores em todo o país.
“Como sociedade, a gente pode parar de procurar culpados e assumir o nosso lugar nesse mundo. Nosso lugar nesse mundo é muito maior, ele transcende as fronteiras do que você faz, da sua profissão, do seu título. Quando a gente para de acusar o outro e se empodera da nossa força, a gente vai além de qualquer fronteira”, diz uma das fundadoras da Rede, Sílvia Hennel.
A rede surgiu há três anos como forma de organizar o combate ao fogo em propriedade de amigos e em propriedades vizinhas. “Na Chapada é assim, pegou fogo, todo mundo corre lá para ajudar”, conta Sílvia. Ela foi procurada pelo chefe do Parque Nacional, Fernando Tatagiba, para dar um apoio enquanto os recursos públicos não eram liberados, ainda no começo do combate. “Eu não sabia onde estava entrando. Comecei a pedir doações e começamos a suprir a comida e o combustível desse pessoal, que ainda não estava sendo feito pelo governo.”
As doações foram aumentando e os voluntários apareceram. Hoje, segundo a Rede, são mais de 200 que estão atuando tanto na logística, no preparo e na entrega de alimentos quanto na comunicação em redes sociais e outras plataformas, quanto no combate ao fogo.
Esses voluntários superam em número a força-tarefa formada por Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de bombeiros do Distrito Federal e de Goiás, que conta com 178 brigadistas e bombeiros.
Segundo Sílvia, o valor arrecadado servirá também para o período pós-fogo, para o reflorestamento, atendimento de animais, compra de equipamentos e capacitação. “Como a gente vai fazer ano que vem para que isso não aconteça de novo? Tem que capacitar todo mundo, todo mundo tem que saber mexer em um abafador, todo mundo tem que ter bomba costal em casa, fazer acero”, diz.
A rede está funcionando na casa de uma voluntária, em Alto Paraíso (GO), que abriu o espaço para armazenar doações, preparar comida e até mesmo para hospedagem. A movimentação no espaço é intensa e os cômodos estão todos ocupados, muitas pessoas estão trabalhando no local. Hoje eles não têm condições de abrigar novos voluntários, mas conseguem garantir a alimentação de quem os procura.
Uma vila mobilizada
Na Vila de São Jorge, localizada a 36 km de Alto Paraíso (GO), a mobilização de voluntários é grande na casa de Gisele Aleixo Bianchini, terapeuta, 37 anos. Antes mesmo de ter notícias da mobilização em Alto Paraíso, os moradores de São Jorge começaram a se articular para combater as chamas que chegam bem próximas às vilas e atingem fazendas vizinhas. Da estrada é possível ver extensos campos queimados e focos de fumaça.
“Os homens vão para campo e as mulheres vem para minha casa para organizar a alimentação. A gente prepara lanche, almoço, jantar e manda para campo. A princípio isso estava sendo feito com a doação dos próprios moradores. A pessoa ia no mercado, deixava um crédito, a gente retirava os produtos, vinha e produzia. Agora está começando a chegar as doações de fora, de Brasília e outras cidades, crédito de Alto Paraíso, e a gente está começando a se estruturar um pouco mais”, conta.
A cidade, que tem cerca de 1 mil habitantes, está ajudando como pode. Muitos estão integrados em um grupo de WhatsApp chamado São Jorge Alerta, por onde as pessoas podem informar sobre novos focos para que voluntários possam ir ao local. A cidade conta com abafadores e bombas de água para serem carregadas nas costas, material que costuma ser revezado entre os combatentes.
“Temos os voluntários e temos também brigadas que se formam. Teve uma tarde que a gente estava passando de carro e viu que o fogo estava beirando a pista, no sentido de São Jorge. Avisamos e, em pouco tempo, havia cinco carros, mais de 20 pessoas, tinham mães, crianças”, diz Paula Marina Monteiro, 32 anos, pedagoga, uma das voluntárias à frente da organização na Vila. “O que a gente percebe é que quando o fogo realmente ameaça a Vila, tem uma terceira brigada, além da oficial e da rede de voluntários, que se forma para ajudar.”
Além dos moradores, a cidade recebe também pessoas de outros estados, como o visual merchandising Rogério Ferreira, 29 anos; os jornalistas André Barros, 26 anos, e Rubens Souto, 37 anos; e o assistente de cinegrafista Wesley Cerqueira, 30 anos. Eles saíram de Brasília na terça-feira (24), chegaram na Vila e já foram para o combate ao fogo em uma fazenda vizinha. Eles se conheceram na terça mesmo, após organizarem a viagem por um grupo do Facebook de transporte solidário.
“Por conhecer a Chapada, por gostar muito e considerá-la como uma segunda casa, não consegui ficar indiferente ao que estava acontecendo. Consegui alguns dias de folga no trabalho e vou ficar até o final de semana, para ver se a gente consegue ajudar a reduzir o fogo”, diz Cerqueira.
Ajuda de além-mar
O terapeuta Luciano Castro, 57 anos, é português. A fotógrafa Roberta Tudisco, 52 anos, é italiana. Ambos largaram tudo para ajudar como voluntários no combate ao incêndio.
Roberta mora em Alto Paraíso desde janeiro deste ano. Ela frequenta o local há 12 anos e, dessa vez, resolveu ficar. A italiana está hospedada na sede da Rede Contra Fogo, dorme 3 horas por dia, quando dá, e dedica todo o tempo para preparar comida e equipamentos para os voluntários que saem para o combate. “Aqui aconteceu essa coisa incrível e ninguém estava fazendo nada. A gente queria ajudar. Cheguei há seis dias. Estava ficando louca com as comidas. Era só pão com queijo, eles tinham que comer mais, precisavam ficar fortes. Começamos a arrecadar barras de cereal e outros alimentos. Sou mãe, sou italiana e gosto de cozinha”.
Luciano já é morador da Chapada há 19 anos e há 15 anos mora na vila de São Jorge. “Meus dias têm sido muito cansativos. Conheço todos ao redor da vila, no que posso ajudar, estou ajudando, saio para apagar o fogo, levar água, comida”, diz. Luciano acionou toda a rede de contatos, pessoas de todo o país que costumam frequentar a Chapada e tem recebido doações. “São pessoas amigas, que vêm há um tempo e estão querendo ajudar de todas as formas”.
Tanto Luciano quanto Roberta têm em comum o amor pelo lugar. “Cheguei aqui e meu coração foi capturado. Na Itália morava em uma ilha linda, mas visitei a Chapada e fiquei apaixonada. Esse ano não comprei passagem de volta”, diz Roberta.
Alerta
Apesar do trabalho voluntário no combate às chamas, a orientação do ICMBio é que apenas pessoas capacitadas se aproximem dos focos, para evitar acidentes. As equipes de brigadistas estão integradas e desenvolvem um trabalho coordenado. Uma ação desorientada pode inclusive prejudicar as equipes.
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